terça-feira, outubro 06, 2015

Portugal prefere a Europa de Merkel - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 06/10

A eleição de Passos Coelho, apesar da impopularidade das medidas de austeridade que adotou, é sinal de amadurecimento do eleitor europeu


O eleitor português votou majoritariamente para conduzir o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, de centro-direita, de volta ao governo. A coligação Portugal à Frente, formada pelo Partido Social Democrata (PSD), do premier, com o conservador CDS obteve 36,8%, contra 32,4%, do Partido Socialista (PS). Assim, Passos Coelho conquistou 104 dos 230 assentos, contra 85 do PS. Uma maioria apertada, que exigirá composição, mas que, mesmo assim, traz importantes ensinamentos.

Em quatro anos de tensa gestão, Passos Coelho não foi exatamente popular. Para evitar que Portugal se atolasse inteiramente na insolvência, ao assumir o governo em 2011, o premier adotou medidas de austeridade fiscal, elevando impostos e cortando gastos públicos. Reduziu os salários do funcionalismo, e apertou benefícios sociais, como planos de saúde. Sua meta era diminuir o rombo fiscal, nos termos do acordo firmado com credores internacionais, que permitiu ao país contar com um pacote de resgate financeiro de € 78 bilhões.

Com as medidas, o premier conseguiu reduzir o déficit público de 10% para cerca de 3% do PIB estimado para este ano, limite exigido no bloco europeu. Mas pagou o preço da impopularidade. A economia, porém, começou a dar sinais de vida. Economistas preveem que o PIB crescerá 1,6% este ano. A taxa de desemprego — um dos principais fatores de desgaste do governo —, que chegou a 17%, caiu para 12% e mostra tendência de queda. Passos Coelho também teve a habilidade política de lembrar aos eleitores que o descontrole do governo socialista foi o responsável pelo infortúnio econômico do país.

Na ala radical antiausteridade, o Bloco de Esquerda obteve o maior números de cadeiras de sua história: 19. Já a coalizão entre comunistas e verdes obteve 17 assentos. A questão agora é saber se o PS vai se coligar com os radicais — e inviabilizar o governo de Passos Coelho — ou formará com o premier um governo que colha os benefícios de anos de sacrifício.

Nesse ponto, vale lembrar o exemplo de Alexis Tsipras e o Syriza. Eleito pelo voto contra a austeridade, o premier grego se viu forçado, nas negociações com os credores, a aceitar a realidade dos fatos, tão reiterada pela chanceler alemã, Angela Merkel: não há caminho para a prosperidade sustentável sem equilíbrio fiscal. Na economia não existe milagre, como bem mostra a História — inclusive a brasileira.

Apesar de apertada, a vitória de Passos Coelho é um sinal a ser considerado em suas consequências mais amplas. O tipo de sabedoria popular que guiou o eleitor português no domingo talvez possa ser resumido na explicação de um agricultor aposentado de 71 anos, ouvido pelo “Wall Street Journal”, ao justificar seu voto no PSD: “É claro que ninguém deseja a austeridade, mas, sobretudo, ninguém deseja a instabilidade.”

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