sexta-feira, junho 12, 2015

Quando o remédio pode ser o veneno - JOSÉ PAULO KUPFER

O GLOBO - 12/06

Altas nas tarifas de energia e de outros preços administrados, típicos componentes de custo, exigem doses mais altas e mais arriscadas de juros


Os analistas não tiveram dúvidas na interpretação da ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da semana passada, publicada ontem. Diferentemente da dubiedade que algumas delas deixam transparecer, desta vez ficou mais do que clara a intenção dos diretores do Banco Central de levar a taxa básica de juros à altura necessária para trazer a inflação ao centro da meta em fins de 2016, como prometido em discursos e documentos recentes.

Essa percepção foi reforçada com os resultados da inflação de maio, medida pela IPCA e divulgada pelo IBGE na quarta-feira. Os números vieram muito acima da pior projeção de mercado e produziram revisões automáticas para cima tanto das variações dos índices de preços quanto das estimativas para a trajetória da taxa básica de juros. As projeções da inflação para 2015 avançaram de 8,5% para 9%, com viés de alta até os dois dígitos. Na mesma direção, as estimativas para a taxa de juros se elevaram, com muitos prevendo extensão do presente ciclo de alta até setembro e seu encerramento com os juros beirando 15% ao ano.

Uma das consequências desse movimento de ajuste nas previsões das taxas futuras enfraqueceu, imediatamente, o esforço do BC de coordenar as expectativas em direção à convergência da inflação para a meta na virada de 2016 para 2017. É verdade que o mercado, em sua maioria, ainda não acreditava nessa hipótese, mesmo com o discurso mais duro da autoridade monetária, como se pode concluir pela insistência dos analistas de mercado em manter suas estimativas de inflação para o ano que vem em 5,5%, um ponto acima do centro da meta. Mas, já havia sinais de que, ao martelar que não esmoreceria na busca do alvo, o BC começava a quebrar desconfianças e a recuperar, como gostam de dizer no mercado, a credibilidade perdida.

Na ata de ontem, em que o BC voltou a reconhecer que os “avanços alcançados no combate à inflação ainda se mostram insuficientes” e repete que a inflação tende a permanecer elevada em 2015, aparece pela primeira vez a menção de que é preciso “determinação e perseverança” para impedir a sua transmissão para prazos mais longos. A mensagem evidente por trás do discurso em “coponês” — aquele idioma para iniciados em que são escritos os comunicados do BC — é a de que agora não haverá desvios de rota e as taxas de juros irão até onde for necessário para domar a inflação e colocá-la em 4,5% ao ano.

Pode haver, no entanto, problemas em relação a essa estratégia. Embora os preços estejam pressionados por todos os lados, não é a inflação do tomate ou a da cebola, vilões sazonais de maio, que caracterizam, no momento, o movimento mais permanente de alta de preços. Como o próprio BC destacou na ata de ontem, a recomposição dos preços administrados e a taxa de câmbio com tendência à desvalorização são os elementos determinantes do caráter da inflação em 2015.

É fato que, enquanto os preços livres, no acumulado em 12 meses, avançaram até maio 6,85%, perto do teto da meta, os administrados registraram alta de 14,08%, mais do que o dobro. No grupo dos administrados, o maior destaque, disparado, vai para as tarifas de energia elétrica, que já subiram, em média, mais de 40% no ano e quase 60%, nos últimos 12 meses.

Energia e outros preços administrados são típicos componentes de custo na produção e se tornaram um desafio para a política monetária. Vencer pressões dessa natureza com instrumentos desenhados especificamente para conter pressões de demanda, caso da política de juros, requer doses tão elevadas do remédio que ele corre o risco de se transformar em veneno. Ainda mais quando o cenário econômico é de contração do emprego e da atividade econômica.

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