quinta-feira, maio 21, 2015

Oportunidades e cuidados nos negócios da China - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 21/05

Enquanto Pequim tem um projeto estratégico de buscar matérias primas onde for, o Brasil precisa saber qual o seu, e evitar uma relação ‘colonial’ com o parceiro


O pacote de acordos assinados terça-feira em Brasília entre a presidente Dilma e o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, chega em providencial momento, quando o país padece de grave falta de investimentos, principalmente na infraestrutura. Estima-se que a China pode financiar projetos no país num volume de até US$ 53,3 bilhões. O dinheiro será importante contrapeso numa fase de inexorável ajuste fiscal — portanto, de poucos recursos públicos disponíveis — e também de grande necessidade de investimentos externos.

O ponto de interrogação em tudo isso é saber se o dinheiro virá mesmo. Costuma-se dizer que a negociação com os chineses começa depois que o contrato é assinado. São lembradas as promessas feitas em 2011 de um investimento, em seis anos, de US$ 12 bilhões e geração de 100 mil empregos, com a vinda da Foxconn, empresa chinesa fabricante de produtos Apple. Não passava de um conto chinês, reproduzido pelo governo brasileiro.

Tudo parece ser um “negócio da China”, por isso é preciso ser realista. Pequim já demonstrou saber “comprar na baixa”. Socorre os sufocados venezuelanos, os endividados argentinos e agora chega ao Brasil para “ajudar” a Petrobras, também sem acesso ao mercado financeiro mundial, e apoiar o próprio país, ainda soterrado sob os escombros da “nova matriz macroeconômica”.

Trata-se, é certo, de uma oportunidade que não pode ser descartada. Mas se os chineses têm um claro projeto estratégico, de dimensões globais — garantir acesso a matérias primas, ao menor custo possível —, Brasília precisa tirar o máximo que necessita e ter o seu plano também.

Devido às necessidades crescentes de alimentos, matérias primas e energia, a China é hoje grande financiadora de ferrovias, portos, projetos de exploração de petróleo etc. em todo o planeta. Nesse aspecto, o Brasil tem prioridade por já ser importante fornecedor de minério e soja aos chineses. Tanto que a China ultrapassou os EUA como mercado importador do Brasil. Justifica-se, então, por exemplo, a ferrovia de acesso ao Pacífico, caminho mais curto para a Ásia.

Mas será um erro histórico o Brasil se acomodar a uma aliança “colonial” com os chineses: fornecedor de matérias primas e importador de bens manufaturados, inclusive equipamentos para esses projetos. Por uma dessas ironias, mais uma, terá sido um governo do “anti-imperialista” PT que consolidará laços com os chineses de ranço mercantilista, típicos de séculos passados, como aqueles com os quais metrópoles ataram o Brasil.

Será decisivo, portanto, também modernizar a indústria, algo que o PT “desenvolvimentista” impede, ao continuar com o sonho delirante da “substituição de importações" ao estilo Geisel. Sem integrar a indústria brasileira a cadeias globais de produção, o segundo governo Dilma terá apenas dado um vigoroso passo para transformar Pequim no que Lisboa e Londres já foram para o Brasil.

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