quarta-feira, abril 09, 2014

Mudar para viver - ROSÂNGELA BITTAR

VALOR ECONÔMICO -09/04

Há 48 horas Lula e Dilma exterminam sofás e mensageiros


O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez, com entrevista por ele armada, uma intervenção geral no governo, no PT e na campanha eleitoral, acertada no sábado com a presidente Dilma Rousseff. Uma tentativa de redirecionar os fatos negativos que solapam a popularidade da candidata à reeleição, do partido e a sua própria, dificultando-lhe a vida quando vier a assumir a troca de posição.

Seus recados principais: O candidato do PT a presidente não é ele, é ela (diz-se que Dilma está a cada dia mais resistente à ideia da renúncia, poderia ter dito Lula); é preciso enterrar a CPI da Petrobras, pois quem gosta de CPI é oposição (e esta pegaria os negócios da Petrobras em seus dois governos, inclusive os feitos com Hugo Chávez, poderia também ter dito); o governo tem que retomar com vigor o projeto de controle da mídia (já histórica pressão do PT sobre a imprensa, campanha antes liderada pelo defenestrado deputado André Vargas, que ganha peso na voz de Lula).

Com outras palavras, Dilma vocalizou o combinado em discurso em Minas Gerais, na véspera. Teve, pelo menos, a precedência. A estratégia toda ao melhor estilo dos ditos populares, de matar o mensageiro da má notícia, de tirar o sofá da sala.

Uma ação orquestrada pelo marketing, uma reação à crise grave, que se amplia a cada dia, por intermédio do discurso. Tudo o que os manuais políticos diriam que não funciona na instabilidade política provocada por fatos, principalmente fatos. E pela reação a eles dentro do próprio governo e dos partidos divididos sobre como sair do impasse.

A última pesquisa de intenção de voto e aprovação do governo, do Datafolha, acusou queda dos índices da presidente candidata à reeleição e foi isso que fez soar o alarme que moveu criador e criatura. A pesquisa revelou que os adversários da presidente não ganharam o que ela perdeu, mas 72% dos eleitores consultados disseram querer mudanças. Só a primeira parte foi considerada por Lula, Dilma e o PT. A segunda constatação, aparentemente contraditória com a primeira, não mereceu conveniente atenção.

O cientista político e sociólogo Antonio Lavareda, especialista em leitura de pesquisas de opinião, recorre a uma comparação didática entre produtos de consumo e mercado eleitoral para explicar sobre o que falam os três quartos do eleitorado que desejam mudança e porque não sobem os índices dos que a representam.

Diz que, no mercado, quem comanda o processo é a demanda. Faz um paralelo: na abertura econômica dos anos 90, os consumidores brasileiros estavam em absoluta maioria insatisfeitos com os automóveis disponíveis, os tradicionais de todos conhecidos, chamados de "carroças" nos palanques. Queriam mudança do padrão.

A demanda, portanto, era por mudança, e não por uma marca específica de automóvel, que o consumidor sequer conhecia ainda. O mercado se abriu, as marcas novas se apresentaram, o mercado percebeu a nova oferta e passou a consumi-la.

Voltando ao outro segmento do paralelo, retoma-se o Datafolha. Ou o sentimento de mudança, expresso por 72% do eleitorado, cede lugar ao de continuidade (é difícil, mas não impossível) ou a cada pesquisa as intenções de voto nos oponentes de Dilma marcharão ao encontro da demanda por mudança (mais lentamente agora, mais rapidamente na campanha eleitoral aguda).

Voltando às carroças: as marcas tradicionais continuaram a existir, algumas permaneceram na liderança, mas tiveram que fazer alterações objetivas nos seus produtos.

Para Dilma, não resolve mudar o marketing, é preciso mudar o governo. Para Lula, também, não basta retomar o discurso de outras campanhas, é preciso conseguir que Dilma faça a mudança que três quartos do eleitorado pedem. Senão, nem sua própria candidatura, quando se apresentar, se a avaliação em junho mostrar que Dilma continua mal na aceitação do eleitorado, ficará incólume. Lula, portanto, esta cuidando da própria pele quando executa um script como o de ontem.

Da mesma maneira que Lula afirma que CPI serve apenas à oposição e não a governos (esquecendo-se que foi ele próprio quem acionou a turbina da inútil CPI do Cachoeira para concorrer com o julgamento do mensalão), cartas aos brasileiros também se prestam a quem está na oposição, não em governo. O que Lula e Dilma estão fazendo, há 48 horas, é declaração de intenção, é transferência de culpa, é marketing.

Resta à presidente mudar o governo para diminuir a demanda por mudança na eleição. Em algum momento, se não o fizer, seus adversários, quando conhecidos, passarão a ser alternativa.

Também se pode constatar alguns mitos permitidos por leitura superficial dos números: a troca de Eduardo Campos por Marina, na chapa do PSB, é um desejo do PT, para instalar também entre os adversários o desconforto da divisão e da indefinição do candidato. Como fato, porém, está fora de cogitação. Marina cresceu mais, Campos menos, mas cresceu. Entretanto, não há dúvida que ela está batendo no teto do recall e do eleitorado cativo, e ele tem campo indefinido para crescer. Na perspectiva da política, acredita-se que a inversão só fará a chapa estacionar definitivamente nos índices obtidos por Marina, uma candidata que restringe seu eleitorado, não o contrário.

E os dois cresceram à revelia do breve contra a luxúria eleitoral representado pela cena da propaganda do partido, em que ambos conversam em um cenário pastel, tensos e de cara amarrada, sobre o tema do desenvolvimento sustentável.

Ideia do marqueteiro argentino dos socialistas, amigo do marqueteiro argentino do candidato do PSDB, Aécio Neves? Talvez, eles trocam figurinhas, dizem no interior das campanhas. Mas seguramente, até pelo perfil do personagem principal, as inserções de Aécio, proximamente no ar, terão mais cor e apelo eleitoral.

Uma razão de a presidente Dilma ter puxado para si a crise dos negócios mal feitos da Petrobras, ao redigir nota em que justifica ter assinado a proposta com desconhecimento de suas cláusulas, pode estar no andamento do processo no Tribunal de Contas da União. Culpar apenas um diretor e livrar a si e ao Conselho Diretor da responsabilidade é antídoto à tomada de depoimento e punições que podem vir do TCU no momento em que declarar o negócio lesivo aos cofres públicos. Como apontou o dedo da presidente, na mira só pode ficar Nestor Cerveró. No máximo coadjuvado por Sérgio Gabrielli.

Inclusão - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 09/04

Entre os 45 mil presentes na cerimônia de reabertura do Beira-Rio no último sábado, lá estava eu, emocionada com a sensação coletiva de “volta ao lar”. Vivi intensamente os anos 70 do clube e seus três títulos incendiários. Era uma colorada praticante, de ir ao estádio em todos os jogos. Depois diminuí a frequência, até que deixei de ir. Passei a assistir apenas às finais de campeonato, e ainda assim pela TV. A última vez que eu estive no Beira-Rio havia sido para assistir ao show do Paul McCartney. E o evento de agora não foi muito diferente. Aquele 7 de novembro de 2010 em que revivi minha paixão pelos Beatles teve o mesmo espírito deste 5 de abril de 2014 em que revivi outra forte paixão da adolescência.

Saudosismo não é doença geriátrica, e sim uma confirmação da nossa consistência emocional. Mas não é sobre isso que quero falar, e sim sobre a importância de milhares de pessoas reunirem-se num mesmo local, com a mesma finalidade. Muita gente se assusta com conglomerações, a ponto de evitá-las. Tem até um nome para isso: agorafobia. Pânico de estar num espaço público cercado de gente desconhecida. Mas quem vence esse medo recebe em troca uma energia que elimina qualquer desconfiança. Essa “gente desconhecida” faz parte de uma mesma família. O DNA não é o mesmo, mas a pulsão afetiva é direcionada para um mesmo objeto de culto, que pode ser uma banda, um esporte, uma ideologia. Ter interesses em comum com os outros dá uma arejada no egocentrismo.

Podemos ter algumas neuras particulares (neuras, aqui, funcionando como nome carinhoso para nossas manias, não necessariamente uma patologia séria) e isso nos impelir a uma vida mais reservada, mas sempre que radicalizamos na autoexclusão, acabamos por empobrecer a nossa história: é preciso compartilhar as alegrias para fortalecê-las. Por isso, são tão essenciais os encontros entre amigos, as festas de aniversário, tudo o que interrompe a monotonia do cotidiano a fim de celebrar quem fomos ontem e quem somos hoje, valorizando os sucessos e fracassos adquiridos pelo caminho – tudo o que nos constitui.

Vale para pequenos eventos particulares e grandes eventos públicos. Sair de casa vestindo uma mesma camiseta, de uma mesma cor e com um mesmo propósito é uma forma de deixarmos nosso narcisismo em casa para fazer parte de algo maior, algo que existe além de nós, ainda que nosso também: aquilo que nos representa.

Os que sofrem de agorafobia ou qualquer outra fobia que impossibilite a união com outros do mesmo time (seja esse “time” o do rock, o do surfe, o da moda, o da política, o do futebol, o do ciclismo), tratem-se, curem-se e se abram para o pertencimento. Não existe solidão que resista a uma voltinha para longe do próprio umbigo.

O PT nas mãos de Vargas - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 09/04

O presidente do PT, Rui Falcão, e o ministro Ricardo Berzoini (Relações Institucionais) conversaram ontem com o deputado André Vargas (PT-PR). Os petistas querem que Vargas, flagrado em relações com o doleiro Alberto Youssef, alvo central da Operação Lava-Jato da PF, renuncie ao mandato. Eles querem evitar que o PT fique sangrando e argumentam que "ele fica elegível".

A CPI do fogo cruzado
A realização da CPI da Petrobras, do metrô de São Paulo e do porto de Suape é um fato consumado. O presidente do Senado, Renan Calheiros, comunicou ao Planalto e ao PT, que não é possível impedir o funcionamento de uma comissão com fato determinado e o número regimental de assinaturas. Além disso, os aliados do PMDB estão sustentando que o governo Dilma tem uma vantagem na largada da troca de chumbo. A investigação na Petrobras está começando do zero e passará por uma fase de depoimentos. Já a do metrô de São Paulo está avançada e há documentos e movimentações financeiras para serem exibidas ao público.



“Somos bastante afinados. Vou ajudar muito a (presidente) Dilma, embora não seja o maior entusiasta do governo que ela infelizmente está fazendo”
Ciro Gomes
Ex-ministro do governo Lula, sobre a reeleição, em jantar com o PCdoB na noite de segunda-feira, em Fortaleza

Ao lado de Cid
O PT do Ceará decidiu apoiar o candidato do governador Cid Gomes na sucessão estadual. Os petistas vão trabalhar por uma aliança com o PROS e o PMDB; e para viabilizar a candidatura do deputado José Guimarães ao Senado.

O plano B
O candidato da governadora Roseana Sarney à sua sucessão no Maranhão, o secretário Luiz Fernando, desistiu de concorrer. Por isso, desde a noite de anteontem, o PMDB tem novo candidato no estado: o senador Edison Lobão Filho. O filho do ministro Edison Lobão (Minas e Energia) foi escolhido depois de quatro dias de consultas.

Campanha pelo voto válido
Daniela Mercury e Carlinhos Brown vão ser as estrelas de campanha do TSE voltada para os eleitores no exterior. A convite do presidente, ministro Marco Aurélio, eles gravam amanhã vídeo de 30 segundos sem cobrar cachê.

O caminho das pedras
Mesmo aprovado pelo Senado, o senador Gim Argello (PTB-DF) ainda terá que passar pela Câmara para chegar ao TCU. Em 2006, o então senador Luiz Otávio (PMDB-PA) não conseguiu virar ministro do Tribunal. Ele precisava de 171 votos a favor, mas apenas 145 deputados votaram nele. Enquanto isso, 182 votaram contra.

Ação e reação
O PP gaúcho fechou com Aécio Neves (PSDB). O partido namorava com Eduardo Campos (PSB), mas Marina Silva rompeu a relação. Aécio acertou anteontem, em Porto Alegre, apoio à candidata do PP ao governo, a senadora Ana Amélia.

Ampliar o horizonte
Especialistas em marketing avaliam que o tucano Aécio Neves precisa falar para os eleitores que querem melhorar de vida. Argumentam que o discurso dos tucanos, contra o PT e antigoverno, tem audiência restrita a 25% dos eleitores.

O PT está criando uma agência de notícias. Ela entra em operação em 1º de maio e pretende ser uma alternativa de informação para os filiados.

Competitividade é o nome do jogo - JOSEF BARAT

O Estado de S.Paulo - 09/04

Num mundo em que a produção e o consumo são globalizados, o nome do jogo é competitividade. E como um país torna sua produção competitiva? O fator crucial se chama produtividade, ou seja, tirar dos fatores de produção o melhor rendimento por unidade aplicada. Assim, ao entrar no jogo, o objetivo é produzir mais e melhor ao menor custo. Os fatores de produção capital, recursos naturais e recursos humanos devem se combinar da forma mais eficiente num dado nível de desenvolvimento tecnológico. Como a tecnologia permeia as funções de produção e sua evolução tem uma dinâmica cada vez mais veloz, se o uso dos fatores de produção não a acompanham, compromete-se o potencial de desenvolvimento.

As vantagens competitivas de um país dependem, portanto, da disponibilidade dos fatores de produção, associada à capacidade de inovação por meio de novas tecnologias. Em países ou regiões menos desenvolvidos, o capital é o fator escasso, os recursos humanos são abundantes - mas com baixo nível de qualificação - e os recursos naturais podem ou não representar um ativo relevante. A natureza pode não ser favorável, mas com alta qualificação de seus habitantes e capacidade inovadora pode-se atingir altos níveis de renda. Assim, por exemplo, a Coreia do Sul, país pobre em recursos naturais e com população pouco maior, gera o dobro do PIB da Argentina, país abençoado pela natureza e com um povo razoavelmente culto. Ocorre que, para a Coreia, produtividade, inovação, qualificação do fator humano e alto desempenho das infraestruturas fazem parte do seu perfil competitivo.

E o Brasil, como se sai neste jogo? Na partida, temos três vantagens importantes: extensão continental, amplo mercado consumidor e natureza ainda pródiga, apesar de séculos de ocupação predatória, desmatamentos e poluição das águas. Dá para se sair bem no agronegócio e em alguns segmentos industriais, pela incorporação de tecnologias avançadas e pela reconhecida capacidade empresarial. Mas, ao longo do jogo, constata-se a dificuldade na chegada, pois as infraestruturas necessárias para dar suporte ao desenvolvimento são obsoletas, insuficientes ou degradadas. Os recursos humanos qualificados são escassos, enquanto os sem qualificação são abundantes e não atendem aos requisitos de uma economia moderna. É muito baixa a capacidade de inovar e gerar conhecimento, pela escassez de centros de pesquisa e de universidades de relevo.

Por outro lado, a capacidade empresarial, embora potente, depara-se a todo tempo com grandes obstáculos: carga tributária irracional e extorsiva; escassez de mão de obra adequada; inflação que distorce custos; insegurança jurídica; e assédio de agentes públicos corruptos. Como quem gera a riqueza de um país são o trabalho e o empreendedorismo, nossa participação no jogo da competitividade já fica comprometida antes de vislumbrar o final. A preservação da indigência educacional, que avilta o trabalhador, e do sistema tributário, que inibe o empreendedor, reduz consideravelmente as vantagens do início do jogo. Os níveis de produtividade da atividade econômica são muito baixos, salvo honrosas exceções de praxe. É difícil de reverter esse quadro a curto e a médio prazos, principalmente quando o País se deixa levar só pelo oportunismo de novas dependências e por políticas públicas imediatistas, sem visão estratégica.

O mais grave, por fim, é o inevitável declínio da credibilidade do País, associado a esse quadro. Num momento em que precisamos de investimentos, qualquer investidor olha com desconfiança um país onde se vislumbram descontrole das contas públicas; inflação ficando fora de controle; tribunais onde a justiça tarda, falha e gera insegurança; um Congresso incapaz de se debruçar sobre as grandes questões; além de um mal-estar social pairando no ar. É muita areia para este caminhão chamado Brasil, obsoleto, vacilante, sem rumo e já dando mostras de fadiga do material.

Lula na tutela de Dilma - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 09/04

Nas internas e em público, ex-presidente pressiona Dilma a mandar 'cartinha ao povo brasileiro'

ERA FÁCIL especular que o governo Dilma Rousseff não faria mudanças relevantes na economia neste 2014, as quais de imediato tendem a causar desprestígio político. O ano é de disputa eleitoral, e o governo não tem convicção de que precisa fazer mudanças, para citar os motivos mais óbvios da inércia.

A difusão ampla da ansiedade econômica, evidente e crescente nas pesquisas desde junho de 2013, encurtou de modo até modesto a vantagem da presidente candidata sobre a oposição, mas diminuiu de maneira importante sua estatura no governismo. Dilma Rousseff ficou mais dependente de Lula.

A especulação educada agora é: qual sera o efeito dessa relativa minoridade política de Dilma sobre a política econômica deste ano?

A presidente vai escrever uma "cartinha" ou "bilhetinho" ao povo brasileiro, um versão em escala da "Carta ao Povo Brasileiro" de Lula, em 2002, quando o PT abriu mão das maluquices do seu programa?

Há poucas medidas práticas que poderiam fazer efeito ainda neste ano; das mais efetivas, todas seriam eleitoralmente desastrosas.

A pressão sobre a presidente não vem apenas do movimento "volta Lula" entre empresários, petistas e no governismo em geral.

Lula voltou a fazer pressão direta sobre a presidente, a "recomendar" mudanças na política econômica, como na crise dos protestos de junho de 2013.

Ontem, em entrevista a blogueiros, o ex-presidente afirmou que Dilma tem de "dizer claramente como a gente vai melhorar a economia brasileira". Não foi por acaso, foi meio combinado.

Petistas de São Paulo dizem que esse foi o teor da mensagem de Lula para Dilma na conversa entre eles na semana passada: é preciso mostrar que a administração da economia será "responsável e rigorosa". Isto é, que haverá mais controle de gastos e da inflação.

Lulistas paulistas dizem desde o fim de semana que Lula "não quer saber" da conversa da sua volta, mas que o ex-presidente vai "administrar" sua apadrinhada, representando ainda o papel de "ouvidor da sociedade".

No entanto, não foi possível descobrir o sentido prático desse suposto arranjo político-eleitoral entre criador e criatura.

O pessoal de São Paulo diz que o governo voltou a ter mais influência paulista, com Lula definitivamente na posição de tutor e a articulação política nas mãos de Aloizio Mercadante e Ricardo Berzoini.

Quanto a mudanças ou mesmo reparos econômicos, a ansiedade econômica revelada nas pesquisas deve é até aumentar a relutância do governo em tomar alguma atitude prestante. Por exemplo, corrigir os preços quase-tabelados a princípio faria a inflação aumentar e causaria ainda mais medo.

Logo é possível que o governo fique inclinado a fazer ainda mais bobagem, represando os preços para um grande (e estelionatário) tarifaço em 2015. Ou seja, dada a insegurança do eleitorado, tende a aumentar a propensão do governo a empurrar os problemas com a barriga até o ano que vem.

Mesmo que Dilma aceite a tutela de Lula e mande um "bilhetinho ao povo brasileiro", o calculo eleitoral pode engrossar ainda mais o dossiê explosivo de problemas de 2015.

A gente não quer só comida - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE S. PAULO - 09/04

Fôssemos uma espécie acomodada, não teríamos saído das savanas para nos espalhar mundo afora


Tenho ouvido frequentemente a seguinte pergunta: "Por que se preocupar tanto com o crescimento se há pleno emprego?". Na mesma linha, apareceu nova afirmação: "Ninguém come PIB". Em comum, tratam de reduzir o peso atribuído ao crescimento econômico em troca de variáveis mais facilmente observáveis, como emprego ou o consumo de alimentos.

Como deve ser claro, exceto talvez por quem que tenha caído de paraquedas no meio do debate, trata-se de um caso clássico de uvas verdes. Os mesmos que hoje relativizam a importância do crescimento há pouco alardeavam a aceleração da economia no período 2003-2010, quando a expansão média se situou em torno de 4% ao ano, implicando aumento do PIB per capita da ordem de 2,8% anuais.

Independentemente disso, porém, é bom deixar claro por que a preocupação com crescimento é, sim, válida e por que vai bem além da questão do emprego e da comida. Não há dúvida de que tê-los é uma fonte de satisfação para todos nós, assim como o foi o fim da hiperinflação. O reconhecimento desta garantiu duas eleições a Fernando Henrique Cardoso, ambas com vitória em primeiro turno. Aquelas, por sua vez, traduziram-se em votações expressivas para Lula em 2006 e Dilma em 2010.

A verdade, porém, é que queremos sempre mais. Fôssemos uma espécie acomodada, não teríamos saído das savanas para nos espalhar mundo afora, e a história humana é, em boa parte, a crônica da luta incessante para melhorar as condições de vida. Isto dito, não escapa a ninguém a melhora extraordinária observada nos últimos 250 anos, quando a renda per capita mundial quase decuplicou, saindo de valores próximos a US$ 600 para algo como US$ 6.000.

Em contraste, estimativas sugerem que no ano zero a renda per capita equivalia a cerca de US$ 450, valor que permaneceu praticamente inalterado por mil anos, crescendo lentamente para os valores ao redor de US$ 600 observados no fim do século 18. As condições de vida que hoje observamos são reflexo direto da dramática aceleração do crescimento.

De volta ao Brasil, ao ritmo observado entre 2003 e 2010 nossa renda per capita dobraria a cada 25 anos; no ritmo registrado de 2011 a 2013 (ou 2014), contudo, seriam necessários 65 anos para obtermos o mesmo resultado. A equação do crescimento é, portanto, simples: queremos dobrar nosso padrão médio de vida para nossos filhos ou teremos que esperar até depois de nossos netos? A insatisfação que aos poucos transparece na sociedade brasileira sugere que a resposta não está na segunda alternativa.

Adicionalmente, tomando emprestada a saudável obsessão do meu coautor no livro "Complacência", Fabio Giambiagi, com temas previdenciários, há promessas (feitas à minha geração e a outras) que não poderão ser cumpridas sem crescimento mais vigoroso que o atual.

Não se trata de um problema para hoje, bem entendido, mas, considerando que o país já gasta com aposentadorias e pensões o equivalente ao que gastam países com uma proporção de idosos na população três vezes maior que a nossa, parece claro que, sem a aceleração da nossa taxa de crescimento sustentável, teremos um encontro marcado com um problema sério daqui a 15 ou 20 anos.

O argumento, portanto, de que crescimento é secundário para a satisfação numa economia em pleno emprego é apenas uma justificativa (ruim) para o fracasso da "nova matriz macroeconômica" que (lembram-se?) nos levaria aonde neoliberal algum jamais esteve.

Sem uma mudança dramática de ênfase na política econômica, que passe a privilegiar investimento sobre consumo, produtividade sobre favores governamentais e forças de mercado sobre as intervenções desastradas que marcam a atual administração, o crescimento não se acelerará.

E, mais cedo ou mais tarde, os apologistas de plantão aprenderão que a gente não quer só comida, mas diversão e arte e, principalmente, uma saída para qualquer parte (salve Titãs!).

A ameaça ao pleno emprego - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO -09/04

Sem confiança e alta da produtividade, empresas vão demitir

Um dos principais legados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi fazer os empresários acreditarem no país. Lula deixou claro que, em seu governo, contratos seriam respeitados e a estabilidade da economia seria tratada como um princípio. Isso permitiu fundar uma relação de confiança que, em última instância, favoreceu, nos anos seguintes, a redução da taxa de desemprego a níveis historicamente baixos.

Quando Lula assumiu o poder em 2003, o que faltava era justamente confiança. No exercício da presidência, o então presidente se mostrou pragmático. Manteve o arcabouço de política econômica herdado do antecessor, aperfeiçoando-o por meio do aumento do esforço fiscal e da acumulação de reservas cambiais. No fundo, Lula redobrou a aposta de Fernando Henrique Cardoso, o pai do Plano Real, na estabilidade.

O choque foi tão consistente que, depois de seis meses, a economia voltou a crescer. A inflação caiu de 17% nos 12 meses concluídos em maio de 2003 para 3,1% em dezembro de 2006. Em menos de três anos, o governo fez o impensável ao quitar a dívida com o Fundo Monetário Internacional. E, em 2008, conquistou o grau de investimento das agências de classificação de risco - cinco anos antes, os títulos da dívida brasileira eram considerados junk bonds , papéis de altíssimo risco que pagavam os prêmios mais altos do planeta.

Lula também conquistou prestígio junto ao setor privado por ter aprovado, no Congresso, a mais inesperada das reformas: a da previdência do setor público, que instituiu a cobrança de contribuição previdenciária dos inativos e equiparou as condições de aposentadoria do funcionalismo às dos trabalhadores do setor privado. É verdade que, arrependido, o presidente desistiu de regulamentar essa reforma, mas deu o passo fundamental ao usar seu capital político para mudar a Constituição - a regulamentação acabou sendo feita pelo atual governo.

O principal efeito de tudo isso foi a queda do desemprego. Convencidos de que Lula não promoveria um retrocesso, os empresários começaram a contratar trabalhadores. No início, o movimento foi lento, mas, à medida que o tempo foi passando e as conquistas foram ficando claras, a taxa de desocupação recuou de 11,2% em janeiro de 2003 para 5,3% em dezembro de 2010.

A contratação do chamado exército de reserva acelerou o crescimento da economia. No período de 2003 a 2006, segundo cálculos do economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), a produtividade do trabalho cresceu, em média, 2,4% ao ano. No período seguinte (2006-2010), o passo aumentou para 2,8%. De 2010 a 2013, o avanço já foi bem menor: 1,8% ao ano.

Quando se observa a evolução da produtividade total dos fatores (PTF), que leva em conta a contribuição de todos os fatores de produção e de insumos relevantes e não apenas a contribuição do trabalho, vê-se quadro parecido. Entre 2003 e 2006, ela cresceu, em média, 2% ao ano; entre 2006 e 2010, 2,1% e, no período 2010-2013, 0,8%.

Os números mostram que a crise de 2009 provocou uma queda permanente na PTF, como assinala Barbosa Filho, contribuindo para reduzir o chamado PIB potencial do país - de acordo com seus cálculos, em quase 1,5 ponto percentual no período 2010-2013, quando comparado a 2003-2010.

O pesquisador do Ibre decompôs o crescimento do PIB e concluiu que, entre 2002 e 2013, a PTF contribuiu com 38,1% da expansão da economia no período - em média, de 3,4% ao - e as horas trabalhadas (HT), com 24,2%. Entre 2010 e 2013, a contribuição desses dois itens caiu, respectivamente, para 21,7% e 4,4% (ver tabela).

Está claro que, daqui em diante, se quiser crescer de forma mais rápida, o Brasil terá que aumentar a taxa de investimento da economia (capital) e criar condições para a elevação da produtividade. Já se sabe que será um enorme desafio aumentar a produtividade do trabalho, uma vez que a economia está operando em alguns setores e regiões a pleno emprego. As soluções passam por duas palavras banidas dos dicionários de Brasília: confiança e reformas.

Ao superindexar o salário mínimo logo no início de seu mandato, a presidente Dilma Rousseff aplicou à economia o mesmo tratamento dado na crise de 2009, quando o governo optou por uma overdose de estímulos creditícios e fiscais para evitar uma recessão. O receituário incentivou ainda mais o consumo, inflou o setor de serviços e encareceu a mão de obra, criando dificuldades para a indústria, que, não por acaso, vive estagnação desde meados de 2010. A tese por trás desse modelo insustentável é a de que, quando se estimula o consumo, o investimento vem na sequência. O fato é que não veio e o resultado não foi outro, a não ser crescimento menor, inflação alta e déficit externo crescente.

Curiosamente, ao mesmo tempo em que estimulou o consumo, a presidente lançou um programa de concessões de infraestrutura em quatro áreas: aeroportos, rodovias, portos e ferrovias. Ignoradas as idas e vindas das regras, foi uma decisão acertada porque procura, em pelo menos um aspecto, aumentar a produtividade.

Os defensores da gestão econômica de Dilma alegam que não há nada de errado no modelo atual, afinal, o país vive o pleno emprego e, no fundo, é isso que importa. Este é um argumento que sobrevive ao debate político-eleitoral, mas não ao tempo. Sem a volta da confiança e o aumento da produtividade, as empresas não conseguirão manter o emprego nos níveis atuais.

Âncora cambial - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 09/04

Ontem, as cotações do dólar no câmbio oficial chegaram a recuar para abaixo de R$ 2,20. A queda acumulada no ano é de 6,4%. Apenas nos seis primeiros dias úteis de abril, alcança 2,7%.

No ano passado o governo Dilma se empenhou para produzir o efeito contrário, ou seja, puxar para cima as cotações do dólar de maneira a encarecer importações e dar mais competitividade à indústria. Agora festeja a queda das cotações. O momento é de uso do câmbio como âncora de preços. O Banco Central (BC) está deixando que o dólar fique mais barato para, com isso, reduzir a inflação. Já não se importa em reduzir a volatilidade, desta vez para baixo.

Essa baixa (valorização do real) não era esperada. Ao contrário, o governo se preparara para a tal tempestade perfeita, cujo efeito principal seria a forte desvalorização do real. Mas não veio a tempestade. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) está sendo mais cuidadoso na sua política monetária, para não produzir vagalhões. Voltaram a sobrar dólares. A política de juros no Brasil favorece a entrada de moeda estrangeira por aqui porque ficou mais vantajoso tomar empréstimos lá fora a juros baixos para comprar reais, aplicá-los no mercado financeiro interno e ter bom lucro com isso.

Por aí se vê que o jogo virou e o quadro passou a ser de abundância de dólares. Sabemos que o governo e o BC passaram a tirar proveito dessa queda das cotações para combater a inflação não só porque estão comemorando, mas pelo jeito de administrar a política cambial.

Foi para responder à ameaça de tempestade perfeita que o BC adotou uma política de leilões de swap cambial e de venda de dólares, a fim de fornecer hedge (defesa) às empresas com compromissos em moeda estrangeira e impedir a disparada do câmbio. O quadro mudou, como se viu, e, no entanto, o BC continua mantendo os leilões, como se nada tivesse acontecido.

Tudo se passa como se agora o governo tivesse outro objetivo: o de impedir a cavalgada dos preços. A derrubada das cotações do câmbio barateia em reais as importações e, assim, concorre para segurar a inflação. De quebra, reduz em reais a conta da Petrobrás com importação de óleo diesel que está sendo queimado nas termoelétricas para suprir a quebra de produção de energia pelas hidrelétricas. O efeito colateral é a redução da capacidade de exportar da indústria nacional. Mas, aparentemente, o governo não está ligando para esse impacto sobre as empresas. Elegeu como prioridade segurar a inflação e deixou para depois o desempenho da indústria.

Os cálculos que correm no mercado são de que, em 12 meses, uma redução das cotações do dólar concorre para tirar 0,45 ponto porcentual da inflação. Pode ser o suficiente para evitar o estouro do teto da meta, que é de uma inflação de 6,5% em cada ano-calendário.

Sobram perguntas sem respostas: (1) até que nível o BC deve tolerar a escorregada do dólar?; (2) a âncora cambial é suficiente para evitar o estouro da meta, considerando-se o salto dos preços dos serviços acima dos 8% ao ano?; e (3) até quando perdurará a nova abundância de moeda estrangeira nos mercados?

A cara-metade - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 09/04

A campanha do "volta Lula", nascida dentro do PT, quer vender a ideia de que o ex-presidente geriu melhor a economia e o país e que Dilma, por suas falhas e escolhas, teria feito uma má administração. A verdade é que a atual presidente herdou, manteve e, algumas vezes, aprofundou erros como a leniência com a inflação, uso partidário de estatais, desmonte das agências reguladoras.

O governo Lula subestimou a crise de 2008 e produziu uma bolha no PIB, em 2010, para eleger Dilma. Houve aumento do gasto público, o início da escalada do uso dos bancos estatais e das transferências para o BNDES, a utilização político-eleitoral da Petrobras. O PIB de 7,5% e a Petrobras foram parte da campanha para a continuação do PT no poder.

O número de 2010 aumentou a média estatística do PIB do período Lula, mas nenhuma mudança estrutural foi feita para mudar o país e remover os gargalos. Os PACs, e a forma de esconder os atrasos mudando as datas das obras, nasceram no governo Lula sob o comando de Dilma. Ela herdou o cargo e problemas para resolver. Preferiu negá-los ou escondê-los na contabilidade criativa.

O governo Dilma começou com a inflação acelerada, que chegou a 7,7% em poucos meses, em função do crescimento forçado para elegê-la. A escolha pelo caminho de leniência com as contas públicas havia começado antes e foi mantido. Dilma agiu como a cara-metade do presidente ao detonar a proposta de déficit nominal zero feita pelo então ministro Antonio Palocci. Do Palácio do Planalto, já acomodada na cadeira do ex-ministro José Dirceu, Dilma disparou a palavra rudimentar para fulminar o projeto de ajuste fiscal.

Se tivesse sido implementada a tal rudimentar proposta de buscar o déficit nominal zero, o país estaria mais bem preparado para enfrentar a crise externa, que começou em 2008, e o aumento do gasto para evitar a recessão não teria provocado todos os efeitos colaterais que produziu.

Houve uma mudança de política econômica dentro do governo Lula e a escolha foi mantida pela atual presidente. Os primeiros anos foram de reformas e mudanças microeconômicas para aumentar a eficiência da economia. Essa agenda foi adotada por Lula para superar o medo de que ele iria destruir a herança da estabilização da economia se seguisse as propostas dos economistas do partido. Com economistas não partidários, o primeiro mandato de Lula venceu as desconfianças e reduziu a inflação, que havia subido exatamente pelo medo das decisões que poderia tomar.

Foi com Lula que as agências reguladoras - com raras exceções - foram politizadas e passaram a obedecer as ordens dos ministros da vez. Ele ocupou com indicações políticas a Petrobras e outras estatais. Foi sob sua Presidência, e com Dilma como braço-direito, que foram fechados negócios como a compra da refinaria Pasadena; a construção da refinaria Abreu e Lima para ajudar o companheiro Hugo Chávez. Foram os dois que reinauguraram a política dos campeões nacionais que tanto dinheiro transferiu para alguns dos grupos escolhidos.

Lula é melhor no palanque, é mais convincente se disser que foi enganado por um relatório mal feito, que assinou sem ler. Em Dilma, a desculpa não cai bem. Mas não há entre eles duas propostas econômicas, duas formas de lidar com os gastos públicos, com os bancos estatais, com as empresas do governo e as agências reguladoras. Também não há uma Dilma faxineira e um Lula aloprado sob o qual ocorreu o mensalão. Casos mal explicados e escolhas desastradas aconteceram nos dois governos. Os dois são um a cara-metade do outro. O que o partido debate nesse volta Lula é desempenho eleitoral: quem teria mais chance de mantê-lo no poder.


Aparelhos e prótese - ROBERTO DAMATTA

O GLOBO - 09/04

Somos humanos, logo seres dos aparelhos neste deprimente Brasil lulopetista, desandado pela gerentona Dilma


Testemunhei uma experiência humana raríssima: presenciei a introdução de aparelhos comuns e rotineiros numa outra cultura.

Assisti, nos anos 60, como a espingarda, o machado de aço, o terçado, a lanterna elétrica, a injeção, o chocolate, o papel, o sabão, o aparelho de barba, o relógio de pulso e o rádio foram vistos por povos ditos primitivos exatamente porque eles não conheciam tais objetos.

Ou aparelhos. Vale usar o termo porque cada um desses itens mencionados acima promove um “aparelhamento” no sentido de que eles inventam seus próprios espaços e, acima de tudo, seus parceiros, seus laços e suas dependências.

Numa outra crônica, falei sobre a minha descoberta do rádio entre os gaviões do Médio Rio Tocantins quando eu aprendi que tal aparelho nos treina somente para a passividade do ouvir e não para a atividade do falar. De fato, quando os meus anfitriões se viram diante de um pequeno rádio Sharp, eles demandaram repetições das músicas que gostavam o que me fez descobrir que rádios falam mas não ouvem! Ou seja, são aparelhos no sentido pleno da palavra. Estão aparelhados somente para transmitir. Uma coisa sempre leva a outra, mas os aparelhos nos fazem ignorar o outro lado.

Uns oito ou nove anos depois, agora diante de um poderoso rádio Zenith dotado de 11 faixas, um professor da etnia apinayé cuja sabedoria tinha o tamanho de sua idade, o velho Zezinho Matuk me perguntou entre uma notícia e outra da “Voz do Brasil”:

— Como é que ele fala?

E eu descobri que não sabia explicar. Falei em ondas hertzianas e no impulso eletromagnético, mas o velho voltava a questão inicial:

— Tudo bem, mas como é que ele fala?

É obvio que ele perguntava sobre o fenômeno extraordinário de estar diante de uma caixa falante. De uma voz sem boca e corpo, algo inusitado em qualquer lugar.

Anos depois, aprendi que Max Weber havia cunhado a expressão “processo de intelectualização” para o fato de que, há milênios, não sabemos como funcionam as coisas que usamos para viver, entender e segurar a vida.

Um membro de uma sociedade com tecnologia mais pobre, dizia Weber, sabe não só como funciona uma lança ou um arco, mas sabe como fabricar esses instrumentos; ao passo que nós não temos a menor chance de explicar a fala de um radio ou o frio que emana de aparelho de ar-condicionado. Construí–los, então, nem pensar.

A pergunta do sábio Apinayé fazia sentido. Se o radio falava, o que o animava? Se eu podia fazê-lo falar, por que ele não me ouvia, como questionaram os gaviões?

Isso ajuda e entender a ideia de “aparelho”, um conceito datado, pelo dicionário “Houaiss”, do século XIII e que figura igualmente no “Aurélio” como um meio para uma dada finalidade. De fato, temos aparelhos para tudo: para as necessidades fisiológicas vitais, para comer, dormir, ver, andar, curar, escrever, cantar e destruir. Dai o nosso sentimento de vazio quando não temos aparelhos adequados em certas situações.

Somos humanos, logo seres dos aparelhos e neste deprimente Brasil lulopetista, desandado pela gerentona Dilma, dos abusivos aparelhamentos os quais formam correntes transmissoras de atos marginais que revoltam a quem se preocupa com o futuro.

O aparelhamento é uma prótese e nós, como ensina Freud, inventamos um mundo de próteses com a criação de um sistema simbólico que se chama cultura.

Todos fazemos parte de um aparelho e servimos como mais uma prótese de uma dada esfera de significação social. Sou professor e escritor e, como tal, faço parte de um vasto aparelho cuja prótese mais visível é um texto.

Honro o sistema que me aparelhou. Nenhum aluno me paga por fora e eu não aumento os meus honorários enquanto escrevo uma matéria. Não sei o que é superfaturamento e os meus contratos não passam por conselhos de homens de negócios experimentados e de uma gerentona que, observo consternado, não se lembram de reuniões onde uma Petrobras compra refinarias como nenhum de nós compraria uma penca de bananas.

Seria ela uma prótese? Claro que sim: ela foi desenhada para produzir petróleo para o Brasil. Mas, quando uma empresa faz negócios sem a racionalidade do senso comum, cabe — com devida vênia e legitima indignação — perguntar até onde ela virou um aparelho que, tal como o meu radinho, obedece, trama e enriquece os atuais donos do Brasil.

Antiga forma - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 09/04

Falar de assuntos espinhosos de maneira direta e transparente não é com ele.

Portanto, não seria de esperar mesmo que o ex-presidente Luiz Inácio da Silva abordasse o tema Petrobrás da perspectiva dos negócios nebulosos feitos pela estatal no governo dele e que agora estão sob a mira do Ministério Público, Polícia Federal, Tribunal de Contas e Congresso Nacional, na entrevista dada ontem a um grupo de blogueiros.

Lula passou ao largo das dificuldades objetivas que o governo enfrenta para se concentrar na exposição dos detalhes de uma agenda que permita ao PT e ao Planalto sair pela tangente na superação dos obstáculos.

Falou basicamente para a militância, ressuscitando teses caras ao partido, como o controle social dos meios de comunicação, vocalizando o discurso da altivez petista - "não podemos baixar a cabeça" - seguindo o lema "nós" contra "eles".

Inspirado na própria experiência de 2005/2006, quando saiu da defensiva em que seu governo foi jogado devido ao escândalo do mensalão e partiu para a ofensiva que o levou à reeleição, Lula aconselhou o PT a "ir pra cima" dos adversários para evitar a CPI da Petrobrás.

Sabe como são essas coisas. Lembrou ao partido que a CPI do Mensalão começou com uma investigação sobre "pagamento de propina de R$ 3 mil (nos Correios) e acabou no PT". Quer dizer, o problema foi que os petistas não abafaram o caso a tempo e a hora.

O presidente anunciou que não será candidato. Isso na abertura da entrevista. No fim, já não apresentava a mesma convicção, afirmando que só o "futuro" pode responder a perguntas hipotéticas. Lula atende, assim, a três objetivos: de um lado aparentemente reforça a presidente Dilma Rousseff, de outro não mata de todo as esperanças dos que o querem de volta na disputa agora e ainda mantém a oposição tensa.

Inclusive porque deu um aviso aos navegantes: pôs fim à sua fase de silêncio e vai começar a dar palpites em público até para a presidente ("acho que assim posso ajudar na eleição"), vai viajar com Dilma e vai voltar a falar sem parar.

Evidentemente, sempre dentro de uma ótica própria que não necessariamente guarda relação com a realidade. Como a versão apresentada ontem para o aumento da percepção negativa sobre o governo Dilma.

Não tendo como negar os números das pesquisas, depoimentos de gente que recebe no Instituto Lula e reclamações de petistas, o ex-presidente elegeu um responsável pelo mau humor generalizado: o mensageiro.

Segundo ele, "a massa feroz de informação deformada" produzida pelos meios de comunicação é responsável pelas agruras em série que assolam o governo. Para isso, recomenda dois remédios.

De imediato, "uma política agressiva de comunicação, com a ocupação de todos os espaços". Como se o governo ocupasse poucos. Mais adiante, a retomada do debate sobre o marco regulatório, também conhecido como controle social da mídia, em português claro traduzido como fiscalização governamental do conteúdo produzido por jornais, revistas, rádios e televisões.

Esses temas, Dilma como presidente não pode defender, mas Lula como cabo eleitoral, comandante em chefe do PT, pode.

Da mesma forma, ela não poderia - sem gerar uma crise com o Congresso - voltar a defender a Constituinte exclusiva. Mas Lula pode. Como fez na entrevista, ao defender as teses caras ao PT na reforma política, a começar pelo financiamento público de campanha.

Mensalão tampouco é assunto que interesse à presidente abordar. Mas Lula o faz na maior sem cerimônia dizendo que a "verdadeira história" ainda está para ser contada, sem dar pista sobre o tom da nova narrativa.

O ex-presidente esquivou-se de críticas mais pesadas ao Supremo Tribunal Federal. Limitou-se a trafegar no terreno do politicamente incorreto ao dizer a razão pela qual indicou o ministro Joaquim Barbosa: "Eu queria um advogado negro e o currículo dele era o melhor".

Corre o risco de Joaquim achar que é racismo.


A explicação na política - FERNANDO RODRIGUES

FOLHA DE SP - 09/04

BRASÍLIA - O ditado vale para muitas situações, mas na política é ainda mais preciso: "Tudo que tem de ser explicado não é bom".

Se a candidatura de Dilma Rousseff estivesse de fato garantida, o ex-presidente Lula precisaria dar uma entrevista a blogueiros na qual declarou que não vai disputar a eleição de outubro deste ano? Só que Lula disse o seguinte ontem cedo: "Eu não sou candidato. Minha candidata é a Dilma Rousseff. E eu conto com vocês para divulgar isso e acabar com essa boataria".

Para debelar o "volta Lula", o ex-presidente poderia fazer um caminho diferente. Por exemplo, convencer metade (ou até mais) da bancada do PT no Congresso de sua sinceridade ao afirmar que Dilma é "disparadamente" a melhor candidata. Lula conhece os números de telefones celulares de todos os petistas anti-Dilma. Sabe o nome e o sobrenome de cada um deles.

Depois de falar com os congressistas do PT, Lula poderia telefonar também para empresários que vivem propagando a volta do ex-presidente. Ele sabe quem sugere esse tipo de operação. Em dois ou três dias, acabaria "essa boataria".

Nada disso acontecerá. Até porque há uma situação real de instabilidade na sucessão presidencial. Lula e o PT preferem uma recuperação de Dilma. Ocorre que há muitos sinais obscuros no horizonte. O desfecho é incerto.

A troca pura e simples de Dilma por Lula é arriscadíssima. Fica mais delicada a cada dia. A dramaticidade aumenta se for efetuada só em meados de junho, quando os "sebastianistas" do "volta Lula" apontam como data limite para o ex-presidente ressurgir.

Como ainda é cedo para decidir, Lula habilmente fala que tudo é "boataria". Impossível agir de maneira diferente. Mas tampouco pode ir muito longe nas negativas. "Não posso registrar em cartório", declarou. O ex-presidente é prudente.

De dia vai faltar água, de noite vai faltar luz - JOSÉ NÊUMANNE

O Estado de S.Paulo - 09/04

Este autor ainda não era o que os anglófonos chamam de teenager (maior de 13 anos) quando uma marchinha de sucesso tornava relativa a definição de "Cidade Maravilhosa" para a então capital da República, apregoando: "Rio de Janeiro, cidade que me seduz, de dia falta água, de noite falta luz". Muita água já moveu as turbinas do parque hidrelétrico nacional nos últimos 50 e poucos anos. E agora, de posse de uma autorização de "idoso" para estacionar em vagas especiais e furar filas em agências de bancos e portões de embarque, espero o dia em que a lâmpada não acenderá e da torneira o "precioso líquido" não jorrará. Mais dia, menos dia, é o que acontecerá.

Já imaginou os holofotes das monumentais arenas padrão Fifa de custo proibitivo desligadas por um apagão monumental por falta de água nos reservatórios, assim denominados por, em teoria, armazenarem "reservas" do mais farto combustível energético disponível no Brasil, a água? Já pensou uma final da Copa do Mundo sem água nos banheiros do Maracanã? Não é nada improvável. Este sertanejo, xará do santo padroeiro da igreja matriz de Jesus, Maria, José, em Uiraúna, no sertão do Rio do Peixe, onde foi crismado e batizado, aprendeu com o avô que chuva que não chega até 19 de março, dia em que se celebra a memória do chefe da Sagrada Família, só virá no ano que vem.

Bem que a presidente Dilma Rousseff tentou. Não evitar o inevitável, mas, sim, pedir ajuda ao patrono das chuvas tardias. Bem que seu adversário tucano, Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, tem demonstrado inabalável fé no chaveiro do céu, ao esperar indefinidamente por seu socorro ou pelos préstimos de Tupã, deus primitivo das tempestades entre nossos índios. Mas o verão de soleira seca e atmosfera árida acabou, o outono velho de guerra entrou em cena e nem São José nem São Pedro abdicaram da imparcialidade de sua condição de protetores de todos e não têm mostrado grande disposição para fazer boca de urna para eles: é proibida até para habitantes do céu.

Além do mais, vamos convir que, se são santos, eles também precisam ser justos. E injustos seriam se premiassem a incúria dos gestores públicos brasileiros, sejam federais ou estaduais, em relação às necessárias providências para que não faltem água e luz à população que cresce e paga impostos pesadíssimos, mas não os vê transformados em obras planejadas para resolver os problemas de escassez de oferta, que deveriam ser previsíveis, e nunca simplesmente ignorados. O Sistema Cantareira, engenhosa conjugação de represas que, a uma razoável distância da Grande São Paulo, tem abastecido a maior parte de sua população, não serviu de modelo para nada depois.

Qualquer leigo em armazenamento de água, incluindo o que redige estas mal traçadas linhas, está, no mínimo, calvo de saber que a mais populosa região metropolitana do Brasil é carente de bacias fluviais nas proximidades de seus limites para atender à crescente demanda do insumo. Governadores tucanos sucederam-se no principal gabinete do Palácio dos Bandeirantes por anos a fio (Mário Covas, Geraldo Alckmin, José Serra e Alberto Goldman), com intervalo ocupado por aliado (Cláudio Lembo), sem que nenhum deles tivesse a luminosa ideia de gastar parte da dinheirama ao seu dispor para providenciar barragens similares que pudessem afastar para as calendas os riscos do "de dia falta água" dos velhos tempos. Só eles poderiam ter tomado a providência. Se não o fizeram, que diabos São Pedro tem que ver com isso?

O caso da eletricidade em nada é diferente. Desde as gestões do também tucano Fernando Henrique nosso sistema hidrelétrico tem dado sinais de esgotamento. Apagões em sequência na gestão dele ajudaram a eleger os petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Oito anos depois da saída do PSDB do poder federal, a "gerentona" maldisse a gestão energética tucana.

Lula não enfrentou problemas de monta no setor, mas apagões têm ocorrido com frequência e em sequência sob a égide da sucessora que ele tirou do bolso do colete e elegeu. Com uma agravante: Dilma Rousseff foi ministra de Minas e Energia e, na condição de chefe da Casa Civil, mandou e desmandou na geração e distribuição de energia em território nacional. Apelar para São José, como ela fez dia destes, é de uma desfaçatez de fazer corar frade de pedra. Como hoje qualquer brasileiro medianamente informado está ciente de que as duas gestões petistas produziram descalabro vexaminoso na contabilidade das gigantescas estatais da eletricidade (Eletrobrás) e do petróleo (Petrobrás), não é segredo para ninguém que cabe à "mãe da luz" enorme responsabilidade pela falta de previdente planejamento que levou o setor ao risco de completar a praga da marchinha: noites de treva espreitam o calendário. Com as consequências desastrosas que produzirão: de eletrodomésticos desligados à impossibilidade de resguardar a segurança de transeuntes em vias públicas sem iluminação.

No entanto, a eleição vem aí e tanto Alckmin, carola convicto, quanto Dilma, agnóstica oportunamente convertida, preferem contar com a visita inesperada das monções tropicais em estações de estiagem a compensar com o mínimo de coragem o máximo de imprevidência que, a exemplo de seus antecessores, cometeram. Afinal, racionamento, impopular, é voto perdido na certa. E, por enquanto, as pesquisas dão como certa a reeleição de ambos. O jeito é manter a fé nos deuses e santos dos temporais e pé firme nos índices prometidos pelos institutos. O cidadão que vota, neste raciocínio, é mero detalhe, naturalmente. Até porque ninguém pode contar com Tupã, São Pedro ou São José. Deus e santos jamais poderiam acumpliciar-se com quem abusou de dilapidar o patrimônio do povaréu em tenebrosas transações. E, não sendo estas devidamente investigadas, terminam é premiados com a impunidade garantida.

Lula e a presidente - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 09/04
Acredito que o ex-presidente Lula esteja falando a verdade quando garante que não pretende se candidatar novamente à Presidência da República. O que não quer dizer que não venha a sê-lo. Nada mais verdadeiro, embora trivial, do que a comparação da política com uma nuvem que vai mudando de forma à medida que passa, feita pelo ex-governador mineiro Magalhães Pinto, muito em voga nos últimos dias devido ao seu papel no golpe militar de 1964.
Em política, o fato novo é capaz de provocar reações para que não se torne fato consumado. São tão grandes os interesses petistas, alguns até mesmo inconfessáveis, que, se a presidente Dilma continuar a cair nas pesquisas eleitorais, as pressões podem se tornar insuportáveis para que Lula entre em campo novamente para salvar o time.

Não foi assim que o ministro Gilberto Carvalho, o mais lulista dos lulistas no Palácio do Planalto, classificou Lula, o reserva de luxo que está no banco pronto para entrar em caso de necessidade? Mas será possível um jogador ganhar sozinho um jogo perdido, a poucos minutos de seu final, mesmo que seja considerado o Pelé da política?

O próprio Pelé sabiamente se recusou a esse papel quando, no governo Geisel, foi instado por assessores palacianos a voltar à seleção brasileira para jogar a Copa de 1974. Preferiu se preservar para manter a memória dos dias de glória.

Sim, porque, se Lula for escalado, é porque o jogo já está dado por perdido. O fogo amigo vem de vários lados. Uns já falam em uma chapa que teria Lula na cabeça e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos como vice. Outros dizem que a própria Dilma aceitaria de bom agrado não sair para a reeleição, caso Lula queira disputar, sob o argumento de que esse rodízio já estava previsto no acordo que a lançou candidata. Realmente, seria preciso que Dilma concordasse em abrir mão de sua candidatura para que a transição fosse feita de forma pacífica, sem crise política, que enterraria até mesmo a candidatura de Lula.

Mas como explicar para o eleitorado a súbita mudança de posição? Ter um acordo desse tipo sem anunciar à população na ocasião mesma em que Dilma foi lançada presidente não será sentido por muitos como uma traição, um jogo político que aparta o eleitor das decisões?

Qual será o comportamento da presidente Dilma, ainda no Palácio do Planalto, com a caneta na mão, mas sem prestígio político, obrigada a abrir mão de seu direito à reeleição, mesmo para perder?

Há quem acredite que o ex-presidente Lula está agindo na vida real como o vice-presidente Frank Underwood no seriado House of Cards : oficialmente, elogia e defende o presidente Garrett Walker, para nos bastidores minar suas forças políticas e tomar o seu lugar. Não creio que seja assim.

Lula está na melhor situação que poderia ter. Não tem os problemas de um presidente, mas todas as suas regalias. Manda e desmanda, nomeia e demite quem quiser, é recebido no mundo todo com honras de chefe de Estado. Além do mais, essa condição, reconhecida por todos, coloca a responsabilidade do governo Dilma em suas mãos.

Difícil não atribuir a Lula grande parte do desarranjo por que passa o governo, no mínimo por ter sido o responsável por Dilma estar onde está. Mesmo que a presidente Dilma não faça tudo que Lula sugere, as constantes reuniões de aconselhamento que dá à presidente o fazem coautor de seus atos, mesmos os que critica.

Lula vai querer arriscar seu prestígio em uma eleição difícil ou, pior ainda, um governo difícil, que terá que apertar o cinto logo no início para não ser levado de cambulhada por uma crise econômica anunciada? Melhor tentar salvar Dilma e, caso seja impossível, preservar-se para poder voltar em 2018, se for o caso, depois que o trabalho sujo tiver sido feito pelo candidato eleito este ano.

Vem, Lula - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 09/04

Uma eleição presidencial com Nosso Guia na disputa faria bem a todo mundo, inclusive a ele


Quem viu a final do vôlei masculino das Olimpíadas de Londres há de se lembrar. O Brasil ganhara dois sets e faltava só fechar um ponto para levar o ouro, quando o técnico russo botou Dmitry Muserskiy (2,1 metros) na quadra. Resultado: a Rússia fez o ponto, levou os dois sets seguintes e ficou com o ouro. Se o PT achar que a reeleição de Dilma corre perigo, deixará Lula no banco para agradar a seus adversários?

Tudo ficaria melhor se Lula saísse como candidato a presidente. Por cinco razões:

1) Porque é maior de idade e está no exercício de seus direitos políticos.

2) Porque o “Volta Lula” vem enfraquecendo o governo do poste que ele ajudou a botar no Planalto.

3) Porque uma parte do desgaste que está corroendo a doutora Dilma é dele e foi-lhe jogado no colo. Afinal, o mensalão e as petrorroubalheiras nasceram na sua administração.

4) Porque a outra parte do desgaste da doutora está associada ao mito da gerentona, criado por ele. Afinal, é a “Mãe do PAC”.

5) Porque a transformação do PT num aparelho arrecadador de fundos teve o seu permanente beneplácito, tanto durante os oito anos em que esteve na Presidência, como depois. O deputado André Vargas não é um ponto fora da curva, mas uma luzinha dentro da estrela vermelha.

As urnas decidirão se o PT deve receber um novo mandato presidencial. Quatro anos de Dilma mostraram que o poder é mais do partido do que do ocupante do Planalto. Isso não deriva de qualquer malignidade intrínseca do comissariado, mas do fato que ele é o único partido organizado do país. Se os outros não se organizaram e o máximo que fazem é combinar jantares, o problema é deles. Vitorioso, o PT terá 16 anos ininterruptos de poder. Isso jamais aconteceu na História brasileira e não fará diferença se esse mandato for exercido por Lula ou Dilma. Pelo contrário, para o bem ou para o mal, ele representa melhor a estrela que fundou do que ela, uma convertida tardia.

A entrada de Lula na disputa daria maior clareza à escolha. Se ele é um político prestigiado, com 37% dos entrevistados pelo Datafolha dispostos a votar em quem tiver seu apoio, torcer para que fique no banco de reservas é uma ilusão.

Chegou-se a abril e os dois candidatos da oposição produziram apenas listas de celebridades e palavrório. Sabe-se mais das diferenças entre os prováveis candidatos republicanos para a eleição americana de 2016 do que das plataformas de Aécio Neves e Eduardo Campos.

Há pouco a Câmara aprovou uma medida provisória com centenas de contrabandos. Entre eles, mais uma estia para sonegadores de impostos e um mimo para os planos de saúde que não cumprem os contratos que vendem aos clientes. Isso só foi conseguido por um acordo de lideranças parlamentares, com o apoio das bancadas oposicionistas.

Nas três últimas eleições presidenciais os candidatos tucanos escondiam Fernando Henrique Cardoso, sem explicar por quê. Agora, Aécio Neves e Eduardo Campos escondem que fazem oposição a Lula. Talvez acreditem que só devem falar claro às vésperas da eleição, seguindo protocolos estabelecidos pelos marqueteiros. Nas eleições anteriores fizeram isso e, derrotados, procuraram culpar essa nova modalidade de astrólogos.

O perigo ronda o TCU - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 09/04

Encarregado de zelar pelas contas públicas e pelo respeito ao princípio da moralidade na máquina administrativa federal, o Tribunal de Contas da União (TCU) está correndo o risco de ter em seus quadros o senador Gim Argello (PTB-DF) - um político cuja folha corrida colide frontalmente com o papel que a Constituição atribui à Corte. Com apoio declarado do Palácio do Planalto, ele foi lançado pela base governista para a vaga aberta com a aposentadoria do ministro Valmir Campelo, na semana passada.

Campelo só deveria se aposentar em outubro, pela compulsória. Mas, em troca de um cargo de vice-presidente do Banco do Brasil, teria antecipado a saída a pedido da base governista, interessada em indicar ministros de confiança para o TCU. O acordo para a troca de Campelo por Argello foi negociado com o PTB pelo chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e pelo ministro de Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, e teve o aval da presidente Dilma Rousseff.

Eleito suplente de senador em 2007, Gim Argello assumiu o mandato quando o titular, Joaquim Roriz, renunciou para não ser cassado e não perder os direitos políticos, depois de ser acusado de envolvimento num caso de corrupção no Banco de Brasília (BRB), ocorrido quando era governador do Distrito Federal. Tanto Campelo quanto Argello, que foi deputado distrital, já integraram o grupo político de Roriz.

A biografia de Argello ficou conhecida na época em que assumiu a vaga de Roriz, em julho de 2007, e quase lhe custou o cargo, por causa dos crimes eleitorais de que era acusado à época. Atualmente, o senador responde a vários inquéritos e ações criminais no Supremo Tribunal Federal - a maioria por apropriação indébita, peculato, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e ocultação de bens. Quando iniciou a carreira profissional no Distrito Federal, há quase três décadas, trabalhando como corretor de imóveis, Gim Argello tinha um patrimônio estimado em R$ 100 mil. Em 2009, ele teria surpreendido um de seus colegas de plenário - Renan Calheiros (PMDB-AL), atual presidente do Senado - ao afirmar que havia alcançado "o primeiro bilhão de reais" naquele ano. A imprensa noticiou o diálogo, que, obviamente, teve uma repercussão negativa.

Uma das ações criminais em que é réu no Supremo foi impetrada pela Procuradoria-Geral da República, depois que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) constatou movimentações financeiras atípicas da mulher e do filho do parlamentar. Em agosto de 2013, o relator do processo, ministro Celso de Mello, pedindo providências à Polícia Federal, afirmou que o filho de Argello não teria renda que justificasse um patrimônio tão alto. Em outro processo criminal, o relator, ministro Gilmar Ferreira Mendes, acolheu a denúncia do Ministério Público Federal, que acusa o parlamentar de crimes de desvio de dinheiro público e fraude em licitações.

Em sua defesa, o senador Gim Argello acusa o Coaf - que é a unidade de inteligência financeira do Ministério da Fazenda - de cometer "erros crassos". Também afirma que já foi absolvido em alguns processos criminais pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e alega que se considera "adequado" para o cargo de ministro do TCU. Essas alegações, contudo, não foram suficientes para aplacar as críticas à sua indicação para o órgão. "Imagina se algum gestor público vai aceitar que suas contas sejam julgadas por um ministro acusado de crimes como lavagem de dinheiro. Se fosse para ter julgamento político, não precisava haver o TCU", diz a presidente da Associação Nacional de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil, Luciene Pereira da Silva, depois de acusar o governo Dilma de fazer "jogo político" com os órgãos de fiscalização e controle.

Endossada pela entidade que representa os promotores que atuam nos Tribunais de Contas no País, a crítica é procedente. Para integrar o TCU, a Constituição exige reputação ilibada e idoneidade moral - qualidades não atestadas pela folha corrida do preferido do Palácio do Planalto e da base governista.

CPI e 'disputa política' - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 09/04

Fazendo o que o seu mestre Lula mandou - impedir a todo custo a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) proposta pela oposição sobre a compra da Refinaria de Pasadena, além de outros guardados dessa caixa-preta chamada Petrobrás -, a presidente Dilma Rousseff partiu para desafiar os seus adversários. Em mais um evento eleitoral disfarçado de ato administrativo, depois de ter dito que "o governo continuará governando (sic), mantendo o seu caráter republicano", avisou que "não iremos recuar um milímetro na disputa política quando aparecer".

Diante de uma plateia de prefeitos reunidos em Contagem, nas cercanias de Belo Horizonte, para aplaudir o anúncio de uma liberação de recursos e doação de equipamentos, a presidente afirmou ser comum em períodos de pré-campanha "que haja a utilização de todos os instrumentos possíveis para desgastar esse ou aquele governo". Lembrou - sem entrar em detalhes - que "já enfrentamos isso em 2006, na reeleição do Lula, e em 2010, na minha eleição". No momento, o instrumento de desgaste, para repetir o seu termo, é a CPI que o PT e a parcela do PMDB ainda aliada ao Planalto tentam abater, desfigurar ou, em último caso, tolher até ser ofuscada pela Copa e, afinal, esvaziada pela temporada oficial de caça ao voto.

Dado que parte desse festival de espertezas já está em cena e o resto espera a vez nos bastidores, o brado poderia parecer redundante. Parece tratar-se, no entanto, do primeiro movimento da operação que Lula lhe ordenou que desencadeasse para desmoralizar a iniciativa oposicionista perante os setores do eleitorado suscetíveis às jogadas marqueteiras do governo. A ideia seria desqualificar os proponentes da CPI como oportunistas, voltados exclusivamente para os seus interesses eleitorais. Além disso, acusá-los de forjar uma investigação supérflua - Pasadena já é alvo do Tribunal de Contas da União (TCU), do Ministério Público e da Polícia Federal - com o secreto intento de enfraquecer a Petrobrás e reabrir caminho para a sua privatização, se conseguissem voltar ao poder.

O que atrapalha é um fato impossível de varrer para debaixo do tapete. Ninguém mandou nem sugeriu a Dilma declarar - em nota ao Estado, em 17 de março - que, na presidência do Conselho de Administração da estatal, em 2006, aprovou a compra de metade da refinaria texana por um preço extravagante, porque se baseara apenas em um sumário executivo que se revelaria "técnica e juridicamente falho", por omitir que o contrato a ser firmado com a empresa proprietária da instalação continha cláusulas lesivas aos interesses da Petrobrás. Se delas tivesse tido conhecimento, escreveu Dilma, "seguramente" objetaria ao negócio.

Na empresa, a manifestação da presidente, a que se seguiria a demissão - oito anos depois do ocorrido - do autor do sumário, Nestor Cerveró, que vinha dirigindo a área financeira da BR Distribuidora, criou uma turbulência que só se agravou. Veio à tona nos últimos dias a existência de uma rede de relações espúrias envolvendo fornecedores de bens e prestadores de serviços à petroleira (muitas vezes contratados por uma via expressa aberta nos anos 1990 que contorna a Lei de Licitações); obras encarecidas e atrasadas; até doações a partidos políticos por indicação do megadoleiro Alberto Youssef, o qual, por sua vez, tem laços com o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa, preso pela Polícia Federal na Operação Lava Jato.

Nada, por enquanto, parece atingir diretamente a estatal, mas é inegável que o noticiário acerca de seus subterrâneos e arredores é um efeito colateral da nota de Dilma, com a qual - segundo um exasperado Lula - ela conseguiu trazer a crise de Pasadena para dentro do Planalto. Não foi uma conspiração da "direita". Ao que tudo indica, com o seu "eu não sabia" e o "se eu soubesse" a presidente teria tentado neutralizar desde logo o risco de o TCU enquadrar o seu endosso à transação de Pasadena como ato de "gestão temerária". Isto posto, esperava o que da oposição? Que perdesse a ocasião de desgastá-la, abrindo mão de um direito inalienável das minorias parlamentares? Tampouco elas podem "recuar um milímetro da disputa política".

O Brasil fora do ritmo - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 09/04

A economia mundial está mais forte e deve continuar melhorando nos próximos anos, mas o Brasil permanecerá em marcha lenta, segundo as novas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os fatos têm confirmado, até agora, as tendências apontadas em outubro. A recuperação prossegue no mundo rico, a reforma econômica avança na China, vários países latino-americanos mostram vigor e até na África Subsaariana há sinais animadores, mas o Brasil destoa do conjunto, como já acontecia em 2013. Nenhum dos números divulgados aponta uma crise iminente, até porque o País dispõe de reservas superiores a US$ 370 bilhões. Mas os dados mostram fundamentos frágeis - como inflação muito alta combinada com crescimento medíocre.

O governo brasileiro protestou e esperneou, quando o País foi incluído entre os mais vulneráveis a choques cambiais e financeiros, num relatório do Federal Reserve. Esperneou de novo quando a Standard & Poor's cortou a nota de crédito brasileira. Mas esses protestos não afetam os analistas bem informados sobre as condições do País.

Os economistas do Fundo recomendam mais aperto na política econômica brasileira. "Apesar dos aumentos substanciais da taxa básica de juros no ano passado, a inflação continua no limite superior da banda", diz o Panorama Econômico Mundial, relatório semestral do FMI. "A consolidação fiscal ajudaria a reduzir a pressão da demanda interna e a diminuir os desequilíbrios internos, além de contribuir para baixar uma dívida pública relativamente alta." Enfim, também é preciso cuidar dos gargalos da oferta.

Em apenas um parágrafo, os autores do relatório resumiram os principais entraves ao crescimento mais rápido e seguro da economia brasileira. Em outro capítulo há mais detalhes sobre as limitações da oferta, incluídos os problemas de infraestrutura e a insuficiência do investimento privado. Esses problemas remetem à perda de competitividade e à baixa confiança do empresariado. Ao tratar das perspectivas de crescimento econômico, os autores do texto usam a expressão "marcha lenta". Pelas novas projeções, o PIB deve crescer 1,8% neste ano e 2,7% no próximo, muito menos que em outros países sul-americanos, como Peru (5,5% e 5,8%), Colômbia (4,5% em cada um dos anos), Chile (3,6% e 4,2%) e Paraguai (4,8% e 4,5%).

A perda de potencial de crescimento é um problema global e só será resolvida, segundo os técnicos do Fundo, com mais investimentos e com reformas. A pauta inclui, no caso da Europa, principalmente reformas institucionais (no mercado de trabalho, por exemplo). A recomendação para os latino-americanos acentua os investimentos produtivos em infraestrutura e em capital humano, além da formalização maior do emprego e da melhor regulação dos negócios. O grande resultado, na América Latina, deve ser o aumento da produtividade e da competitividade. Tudo isso vale para o caso brasileiro. Se alguém tiver dúvida quanto aos problemas de capital humano, basta dar uma espiada nos testes internacionais de educação e ver a classificação dos brasileiros, no fim da lista.

Todos esses problemas são bem conhecidos e se refletem em vários indicadores. O baixo crescimento industrial, a estagnação do PIB e a deterioração do comércio exterior estão claramente vinculados às deficiências do investimento público e privado e às misérias da educação, embora alguns analistas insistam em apontar o câmbio valorizado como a grande causa dos problemas econômicos nacionais. Esses analistas aparentemente nunca se perguntaram por que as exportações ficaram emperradas e as importações cresceram mesmo quando o câmbio se desvalorizou, nos últimos dois anos.

Se o crescimento continuar no mundo rico, haverá mais oportunidades de exportação para os emergentes, exceto, é claro, para os menos preparados. Ao mesmo tempo, a redução dos estímulos monetários nas economias desenvolvidas, consequência do maior crescimento, poderá dificultar o financiamento. O governo brasileiro deveria estar preocupado com essas duas tendências.

Programa de pacificação deve ter a marca da serenidade - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 09/04

Forças Armadas e polícias se deparam com clima tenso na Maré, um desafio na ocupação local. Projeto de UPPs não pode ser contaminado pela política



A ocupação do Complexo da Maré por um combinado de tropas das Forças Armadas e agentes da polícia, no fim de semana, foi previsivelmente tranquila, do ponto de vista da operação em si. Mas, como O GLOBO registrou ontem, o “dia seguinte” — o risco de, como tem acontecido em comunidades já pacificadas, a simples presença dissuasória do Estado não ser suficiente para conter a reação do crime organizado — dá sinais de que pode estar chegando mais cedo. No primeiro dia útil em seguida à invasão, anteontem, o clima na Maré era tenso. O jornal registrou: “Nas favelas, moradores ainda evitavam se aproximar tanto de militares quantos dos jornalistas (...)” Homens estranhos às forças legais, ainda que desarmados, circulavam com radiotransmissores, supostamente monitorando a movimentação das tropas.

É uma realidade distinta da que se registrou após a chegada das tropas ao Complexo do Alemão, paradigma para a operação do fim de semana na Maré. O programa de retomada da comunidade encravada às margens da Avenida Brasil está diante de um desafio até certo ponto inédito em todo o projeto de pacificação/UPPs. Se as ocupações anteriores foram, grosso modo, pouco mais que passeios, dos quais resultaram o afastamento imediato e, ao menos num primeiro momento, total das quadrilhas lá incrustadas, agora o Estado lida com um panorama em que, se não há explícita hostilidade, existem no mínimo sinais de que a comunidade está ressabiada com a nova ordem.

Isso não é bom para o reconhecimento da força de pacificação como agente deflagrador das mudanças que, por certo, esperam os moradores, submetidos a longo período de subjugação pela violência do crime organizado. Essa nova realidade implica adotar protocolos até aqui pouco ou nada empregados nas experiências anteriores. Forças Armadas e polícia devem atuar com serenidade e habilidade não só para reduzir o clima de tensão e para enfrentar as escaramuças — até agora, felizmente, não muito graves — registradas nas favelas do complexo nos últimos dias. Reações impensadas podem ressuscitar o fantasma da rotina da força imposta pela intimidação, marca do domínio dos bandidos que a comunidade, por certo, deseja ver enterrada.

A pacificação não se resume às operações policial-militares, sequer à instalação de UPPs. Trata-se de um processo longo, mas que carece, desde o início, de apoio e participação dos atores locais (agentes de organizações civis, diretores de escolas e unidades de saúde, população etc.). Assegurar confiança e parceria de quem se pretende beneficiar é cuidado inescapável.

Junte-se a isso a precaução com um planejamento seguro de consolidação do terreno conquistado e de expansão do programa de UPPs, pressuposto para toda a agenda de pacificação. Nisso se inscreve a imperiosidade de desidratar na fonte qualquer tentativa de contaminá-la com ações políticas e/ou eleitorais, o que seria fatal para a credibilidade do projeto.

A Copa como ela é - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 09/04
Cansada de falsas promessas e desperdício de recursos públicos, população já não considera que Mundial foi um bom negócio para o país
Diante do evidente descumprimento de prazos nas obras da Copa do Mundo no Brasil, não convinha ao principal executivo do Comitê Organizador Local fingir que tudo ia bem. Em março, após reunião na Suíça, onde fica a sede da Fifa, Ricardo Trade afirmou: "Somos bons em entregar no final".
Não chegava a ser um elogio; talvez uma resposta a Joseph Blatter, presidente da entidade máxima do futebol. No início do ano, ele declarou: "O Brasil ficou ciente do que é a Copa do Mundo agora. (...) É o país mais atrasado desde que estou na Fifa". Ou seja, desde 1975.

O dirigente comentava o fato de que seis dos 12 estádios do Mundial não tinham sido inaugurados até a data estabelecida, 31 de dezembro de 2013. Também poderia ter em mente as prometidas obras de mobilidade urbana, que, além de fora do prazo, terão apenas metade da dimensão planejada.

Motivos para criticar a organização do torneio não faltam, e não só a Fifa os tem de sobra. Como constatou pesquisa realizada pelo Datafolha, a maioria dos brasileiros passou a considerar a Copa como um mau negócio para o país.

De acordo com o instituto, 55% dos entrevistados entendem que o Mundial trará aos brasileiros mais prejuízos do que benefícios, enquanto 36% esperam um saldo positivo. Em junho de 2013, em levantamento conduzido no período das manifestações, os otimistas (48%) superavam os pessimistas (44%).

Além dessa inversão, há outro dado que deve tirar o sono dos envolvidos com a Copa, de governos a cartolas: pela primeira vez, menos de metade da população se declarou a favor do torneio. Se, em novembro de 2008, 79% diziam apoiar a realização da Copa e apenas 10% eram contra, estes agora são 41%, e os favoráveis, 48%.

Os protestos do ano passado parecem ter sido o catalisador do descontentamento crescente, mas sua origem está na própria incúria da organização. Aeroportos são entregues incompletos, surgem suspeitas de superfaturamento em estádios, obras elétricas atrasam, operários morrem nas construções; a lista de notícias negativas é longa.

Ao mesmo tempo, não se percebe, nas cidades, as melhorias alardeadas nos últimos anos. Nota-se apenas que a organização do Mundial não para de drenar recursos públicos --negando por completo a ideia de que a Copa seria realizada com dinheiro privado. Em 2010, estimava-se que os estádios custariam R$ 4,8 bilhões, mas seu valor passará de R$ 8 bilhões.

A população enfim dá mostras de não mais tolerar falsas promessas e tanto desperdício. Vale voltar a Joseph Blatter, segundo quem só agora o Brasil se deu conta do que é a Copa do Mundo. De fato.

Por conta das reputações - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 09/04
O Tribunal de Contas da União (TCU) é uma das mais antigas instituições republicanas do Brasil, com raízes fincadas na Constituição de 1891. Merece respeito, se não pela antiguidade, ao menos pelo papel controlador que passou a exercer em período recente.
A nomeação para ministro do TCU de um senador com seis processos no Supremo tribunal Federal decerto não contribuirá para lustrar a imagem do órgão controlador. Trata-se de Gim Argello (PTB-DF), cuja indicação é articulada por governistas, mais afeito à camaradagem entre pares do que ao cuidado com a coisa pública.

Argello não tem condenação no STF e faz jus à presunção de inocência. Não é, contudo, o seu caso individual que se acha em pauta, e sim a reputação das instituições.

O Congresso deveria ser o primeiro a zelar pelo prestígio do TCU. Não fosse por menos, o órgão figura na Constituição como auxiliar do Legislativo na fiscalização e no controle dos gastos do Executivo. Vale dizer, naquela que é uma das principais funções do Parlamento.

Se não primou pela efetividade no seu primeiro século de existência, é fato que o TCU se tornou, após ganhar atribuições ampliadas na Carta de 1988, bem mais atuante. Há quem diga que atua até demais e contribui para engessar a ação do Estado com uma parafernália de normas, mas ao Congresso compete pôr freios aos excessos da burocracia, e não diminuir-lhe a autoridade com indicações temerárias, por conveniência política.

Ressalve-se que não parece haver vício formal algum na escolha de Argello, pelos colegas senadores, para substituir o ministro Valmir Campelo, que se aposentou. As indicações ao TCU partem da Presidência da República ou do Congresso e, pela regra de alternância estabelecida, é a vez do Senado de preencher a vaga aberta.

Os processos contra o senador no Supremo e o repúdio à nomeação manifestado por funcionários do TCU, entretanto, deveriam bastar para que se procedesse com mais prudência. Mesmo que seja fruto de uma negociação do Planalto com o PTB no quadro da reforma ministerial, o Congresso não existe para sujeitar-se ao arbítrio do Executivo --e menos para instalar no órgão de controle um ministro que ficará a dever-lhe favores.

Menos mal que, ontem, tenha falhado a manobra que resultaria numa "aprovação-relâmpago" de Gim Argello, sem que seu nome fosse analisado pela Comissão de Assuntos Econômicos, por exemplo. Agora com mais tempo, os senadores poderão pensar melhor sobre a conveniência da indicação.

Saída estratégica - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 09/04

André Vargas faz a coisa certa ao pedir afastamento, mas tudo indica que a atitude obedece mais ao cálculo político-eleitoral que ao desejo de não obstruir as investigações



Num país em que tantos políticos, diante de acusações as mais cabeludas, se agarram a seus cargos como um náufrago se agarra a um pedaço de madeira no oceano, fez bem o deputado André Vargas, do PT paranaense, em se licenciar temporariamente do mandato parlamentar e da vice-presidência da Câmara Federal. Contra ele pesam suspeitas de que se aproveitava da suposta influência que detinha sobre setores da administração pública para favorecer negócios milionários do doleiro Alberto Youssef, preso em Curitiba entre os envolvidos na Operação Lava Jato, deflagrada pela Polícia Federal para investigar operações de lavagem de dinheiro.

A hipótese mais crível, no entanto, nos leva a entender que seu afastamento das funções obedeceu à conveniente estratégia de sair dos holofotes, e não necessariamente teve o objetivo de facilitar a ação da polícia para apurar as suspeitas de que agia para conquistar a própria “independência financeira”, conforme promessa que o doleiro lhe fizera num dos diálogos entre ambos captados pela Polícia Federal. No caso, tratava-se da contrapartida a que Vargas teria direito pelo lobby que permitiria a Youssef firmar contrato de R$ 150 milhões com o Ministério da Saúde para fornecimento de remédios.

A suposição encontra maior credibilidade quando se toma conhecimento de declarações do ex-presidente Lula que, nesta terça-feira, em entrevista a blogueiros de todo o país, pediu ao correligionário que desse explicações sobre a viagem no jatinho do doleiro e sobre os demais negócios que mantinha com ele. Claramente, o interesse de Lula pelo caso não passou nem sequer perto de qualquer manifestação de apreço pela moralidade ou pela proteção dos bens públicos. Pelo contrário, soou como uma torcida para que o deputado se safe logo das suspeitas para o PT não sofrer prejuízos – inclusive eleitorais, já pensando em outubro.

Eis a fala de Lula: “Espero que ele [Vargas] consiga convencer a sociedade e provar que não tem nada além da viagem de avião, porque, no fim, quem paga o pato é o PT”. Para bom entendedor, meia palavra basta: ao PT, pela voz de seu líder maior, mais importante do que a defesa de valores morais ou éticos é a preservação da força político-eleitoral do seu partido, que não pode ser chamuscada por episódios como o protagonizado pelo infeliz correligionário paranaense.

A visão distorcida do ex-presidente a respeito do caso se completou quando emitiu sua opinião acerca também da pretendida criação da CPI da Petrobras, que classificou como “um jogo político” feito por pessoas que querem apenas enfraquecer a estatal. O PT “tem de ir para cima” para impedir a CPI, disse Lula. Para ele, o partido já deveria ter aprendido a lição ao permitir a instalação da CPI do Mensalão, porque ela “deixou marcas profundas nas entranhas do PT”. Se o partido tivesse feito “o debate político” do processo “e não ficasse esperando a solução jurídica”, o resultado do julgamento teria sido outro, afirmou o ex-presidente. Quer dizer: nada mais sagrado do que manter o PT longe de falatórios que o ligam a alguns dos mais tristes momentos de decadência moral já vividos pelo país no último século.

Pragmaticamente, portanto, o melhor a fazer era esconder o deputado André Vargas, tirá-lo de circulação, antes que o estrago se torne maior.

Atolado em suspeitas - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 09/03

Em nome da ética e dos interesses dos brasileiros, o desfecho do caso do deputado petista acusado de corrupção não pode se limitar ao seu afastamento temporário da Câmara.



O parlamentar que desrespeitou o ministro Joaquim Barbosa durante uma visita oficial ao Congresso, levantando o punho esquerdo para demonstrar solidariedade aos mensaleiros condenados, precisará se haver agora com o Supremo Tribunal Federal (STF). Já estão na mais alta corte de Justiça do país os documentos do processo da Operação Lava-Jato, que aponta o vice-presidente da Câmara, deputado petista André Vargas, como sócio do doleiro Alberto Youssef, preso pela Polícia Federal sob a suspeita de fraudar contratos do governo. Embora tenha se afastado do cargo para reduzir o potencial de contaminação do governo e da campanha presidencial, o parlamentar que defende a censura, sob o disfarce de controle social da mídia, encaminha-se para o banco dos réus por suspeita de corrupção. Será que outros ocupantes de cargos importantes vão levantar o punho por ele?

Em entrevista exclusiva concedida a blogueiros, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já deixou claro ontem que o “PT não pode pagar o pato” por episódios dessa gravidade. A questão é que, embora as denúncias atinjam um integrante influente do partido, a repercussão é bem mais ampla. Além de atingirem em cheio a imagem da própria Câmara, as acusações influenciam a sucessão do comando da Casa a partir do próximo ano e os rumos da própria campanha às eleições de outubro. Mas, em nome da ética e dos interesses dos brasileiros, o desfecho do caso do deputado petista acusado de corrupção não pode se limitar ao seu afastamento temporário da Câmara. Essa é uma resposta tímida demais para suspeitas que a sociedade não têm como relevar.

Só a gravidade das denúncias e a compreensível preocupação do parlamentar de ocultar os fatos podem ajudar a entender sua insistência em impor restrições à liberdade de expressão. As acusações não se limitam ao fato de ter usado por empréstimo o avião de um doleiro, o que tentou justificar como sendo um “equívoco”. Envolvem também a intermediação para uma parceria desse mesmo doleiro com o Ministério da Saúde, por meio da qual dezenas de milhões de reais seriam desviados justamente de uma das áreas que mais infligem sofrimento aos brasileiros, pela alegada falta de recursos. Numa das conversas interceptadas pela Polícia Federal, o doleiro chega a comentar com o deputado: “Você vai ver o quanto isso vai valer. Tua independência financeira e a nossa também, é claro”.

Não é de estranhar, portanto, que quem tem algo desse tipo a esconder tente impedir que informações contrárias ao seu próprio interesse venham a público. Fica evidente que o melhor controle da mídia é a liberdade de expressão, que garante o funcionamento das instituições democráticas e a defesa dos interesses dos cidadãos.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Queria um advogado negro no Supremo e o currículo era o melhor”
Lula, ex-presidente, sobre os critérios para indicação do ministro Joaquim Barbosa


MP DE CUNHA GANHOU AO MENOS 20 ‘CONTRABANDOS’

Cerca de 20 “contrabandos” foram enxertados na medida provisória nº 627, cujo relator é o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), além do artigo que beneficia operadoras de planos de saúde. Alguns dos “contrabandos” são ousados, como o art. 106, que isenta de imposto de renda aplicações em fundos de investimento em participações, cotas de fundos de investimento em participações e “empresas emergentes”.

BILHÕES EM JOGO

A MP 627 (art. 97) isenta de imposto de renda remessas ao exterior e o art. 99 trata dos créditos de IR de ganhos de capital no exterior.

AEROPORTOS PRIVADOS

O artigo 98 da MP 627 versa sobre autorização de funcionamento de aeródromos privados, há anos pretendida por grupos empresariais.

CAIXINHA, OBRIGADO

Medida muito cara a empreendimentos industriais instalados nas áreas da Sudam e da Sudene também foi “enxertado” na MP 627 (art. 102).

ENXERTO CAMARADA

O art. 103 da MP 627 alegra milionários, fixando alíquotas camaradas de PIS/Pasep e Cofins para os setores de armazéns e jatos privados.

DIRETOR DA CNC DETALHA ASFIXIA DA FECOMÉRCIO-RJ

Durante voo 9476 da TAM, há dias, Rio-Brasília, Luiz Gil Siuffo Pereira, diretor financeiro da Confederação Nacional do Comércio, detalhou ao senador Francisco Dornelles (PP-RJ) a tática de Antônio Santos, “carrapato” há 33 anos grudado na presidência da CNC, para esmagar o opositor Orlando Diniz, da Fecomércio-RJ: asfixia financeira. Para um eleitor do senador, que tudo ouviu, pareceu roteiro de filme de terror.

TORTURA CHINESA

A CNC não repassa à Fecomércio-RJ nem valores das contribuições devidas por força de lei. Isso provoca demissões e cortes “no osso”.

LOBBY NO TCU

Luiz Siuffo também contou a Francisco Dornelles como a CNC atua no TCU na tentativa de obter decisões desfavoráveis a Orlando Diniz.

PEDIU, LEVOU

O senador Dornelles aproveitou a conversa com o diretor da CNC para pedir a recontratação de um apadrinhado demitido do Senac-RJ.

CPI PODE SAIR

No Supremo Tribunal Federal reside uma certeza: se depender da vontade do seu presidente, ministro Joaquim Barbosa, será concedida a liminar garantindo a instalação da CPI da Petrobras, no Senado.

APENAS UMA INFECÇÃO

O Planalto negou a esta coluna que a presidente Dilma tenha diverticulite, a inflamação no intestino que matou Tancredo Neves. Ela sofreu apenas infecção intestinal, e se recuperou com antibióticos.

VARGAS, O LULISTA

Sócio do doleiro Alberto Youssef, o vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR), anda magoado com o ex-presidente Lula. Acha que merecia sua proteção, até por ser o líder da bancada “Volta, Lula”.

SENADOR CENSOR

Após tentar pôr na conta de Renan Calheiros a indicação do amigo dele Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras que “operou” a compra da refinaria americana, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) foi à Justiça para censurar a imprensa do seu estado, proibindo-a de citar o caso.

A UTILIDADE DE JUCÁ

Outra vez, coube a Romero Jucá (PMDB-RR) a missão – confiada por Renan Calheiros – de tentar enterrar a investigação de malfeitorias na Petrobras. E sem demonstrar vergonha, que deveras não sente.

REFORMA DE CONVENIÊNCIA

A Câmara dos Deputados decidiu realizar uma reforma em seu plenário exatamente nos meses de vagabundagem geral, julho a setembro, plena campanha eleitoral. As sessões serão realizadas, se o forem, no auditório Nereu Ramos. Sem placar eletrônico que acusa a presença.

TREMEU NAS BASES

O vice-presidente Michel Temer identifica no lançamento da candidatura de Fernando Fantauzzi ao governo paulista uma jogada do tucano Geraldo Alckmin. Mas Paulo Skaf tremeu nas bases.

QUESTÃO DE DIREITO

Presidente do PPS, Roberto Freire deposita as esperanças da criação da CPI da Petrobras no Supremo Tribunal Federal. “A CPI é um direito democrático da minoria, não pode ser massacrado assim pelo governo”.

COVEIROS DA CPI

O recado do Planalto ao Senado foi claro, ontem: ou Dilma conta com a fidelidade dos aliados ou demitiria os ministros que eles indicaram.


PODER SEM PUDOR

A HÓSPEDE DO 822

Internada no Instituto do Coração em São Paulo, a então deputada Dirce Tutu Quadros estava alojada na famosa suíte 822, por onde já passaram ACM, José Sarney e até mesmo o ditador paraguaio Alfredo Stroessner.

A caminho do centro cirúrgico, já meio grogue pela anestesia, ela pegou no braço do seu médico, José Aristodemo Pinotti, e perguntou aflita:

- Sinceramente, doutor, o sr. tem certeza que isso não vai influir negativamente na operação?