domingo, dezembro 21, 2014

O futuro de Cuba e do pré-sal - SUELY CALDAS

O ESTADO DE S.PAULO 21/12

"O isolamento não funcionou", reconheceu o presidente Barack Obama referindo-se aos 53 anos de rompimento de relações com Cuba e ao embargo econômico imposto pelos Estados Unidos. Do outro lado, lá na ilha, faltou o presidente Raúl Castro também reconhecer que o fechamento político, a ausência de liberdades, a violação de direitos humanos, a recusa à democracia, o partido único e a proibição de eleições livres também não funcionaram. O embargo econômico e o isolamento puniram Cuba e sua população sem produzir o efeito de forçar a elite do Partido Comunista a fazer reformas políticas, permitir a liberdade partidária e convocar eleições livres. Mas o embargo não é o maior responsável pelo enorme e longo atraso econômico que há meio século castiga gerações de cubanos, mesmo agora, 25 anos depois da queda do Muro de Berlim.

Se até hoje Havana é uma cidade parada nos anos 1960, se a industrialização do país continua confinada na produção de açúcar, charutos e rum, se as divisas são escassas para dinamizar o comércio externo e Cuba depende da boa vontade de países amigos - do Brasil para construir um porto e da Venezuela para importar combustíveis -, a responsabilidade maior é de um regime econômico fechado, que proíbe ao capital privado investir na expansão da produção e restringe o ingresso de empresas estrangeiras no país. Até bem pouco tempo atrás, tudo em Cuba pertencia ao Estado e a recente abertura prometida pelos irmãos Castro ao capital privado é lentíssima e restrita a poucos e desimportantes micronegócios. O resultado é um país atrofiado, uma economia represada, encolhida e desnutrida e trabalhadores sem nenhum direito trabalhista garantido em lei.

Ao negociar o reatamento de relações diplomáticas, Barack Obama evitou fazer exigências que possam ser interpretadas como interferência em assuntos internos de Cuba, como aconteceu no mundo árabe, com enorme desgaste político para os Estados Unidos. Por isso o acordo não contemplou cobrar do governo cubano contrapartidas para restabelecer a democracia, as liberdades políticas e econômicas e o respeito aos direitos humanos. Mas Obama disse esperar que a venda de equipamentos americanos de telecomunicações para o governo cubano permita expandir a internet em Cuba, hoje um privilégio de minguados 5% de órgãos do governo e funcionários graduados.

Com maior acesso à internet, a população rompe o isolamento e passará a conhecer o que acontece no mundo fora da ilha. A internet foi o principal ingrediente que levou às revoltas populares em diversos países árabes no episódio que ficou conhecido como "Primavera Árabe". Será assim também com Cuba?

Com uma economia velha, ultrapassada, atrofiada e com raros investimentos, a suspensão do bloqueio econômico dos Estados Unidos é a grande esperança do governo cubano para dinamizar e desenvolver o país. Porém Obama já avisou que não depende dele, mas de um Congresso de maioria do Partido Republicano, hostil ao regime castrista e que já se manifestou pela manutenção das sanções a Cuba. A discussão se dará em 2015 e, para aprovar a suspensão, os republicanos vão impor demandas dos refugiados cubanos que habitam Miami, inclusive o direito de participarem e de influenciarem nos rumos políticos do país.

Dentro de Cuba os dissidentes se multiplicaram e, hoje, mesmo enfrentando repressão do governo, conseguem levar sua luta de oposição para parcelas crescentes da população. O debate político promete esquentar, pela primeira vez em meio século pode fugir ao controle dos irmãos Castro e o gesto de Obama de reatar relações pode dar um significado novo e promissor ao futuro da ilha.

O futuro do pré-sal. Em seu primeiro mandato, a presidente Dilma Rousseff errou muito na economia e, com uma nova equipe econômica, tenta agora corrigir os erros - se não todos, pelo menos os mais graves. Entre estes, porém, há um que ela não parece nem um pouco disposta a reconhecer e corrigir e que multiplicou de tamanho com a queda livre do preço do petróleo no mercado internacional. Trata-se das regras do sistema de partilha para explorar o petróleo do pré-sal, que fizeram desabar no colo da maltratada e cada vez mais pobre Petrobrás a responsabilidade de desembolsar, no mínimo, 30% de todo o dinheiro investido nos poços que vierem a ser explorados.

Definidas na gestão Lula, as regras foram arquitetadas por Dilma contra a posição do ex-presidente da estatal José Sérgio Gabrielli, que argumentava ser insuportável tanta carga financeira sobre a Petrobrás. Além de investimentos bilionários, a Petrobrás é obrigada a arcar com outra responsabilidade igualmente insuportável: ser a única empresa a operar todos os poços. "Você pensa mais na Petrobrás do que no País?", questionou Dilma a Gabrielli na época, segundo relato do ex-diretor geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) Haroldo Lima.

Equívoco da presidente. As regras foram ruins para a Petrobrás e para o País. Para a estatal, porque ela é obrigada a entrar com dinheiro e capital humano que não possui. Para o País, porque confinar numa única empresa é passaporte certo para atrasar a extração do óleo, como já está ocorrendo. Ao contrário, se investimento e operação fossem divididos com outras empresas, a produção do pré-sal teria a vantagem de acelerar, dobrar, triplicar, gerando empregos e riqueza para o País.

O erro da presidente ficou agora ainda mais grave, diante da inédita crise da Petrobrás, que mistura corrupção, degeneração de imagem, perda de valor de mercado, rebaixamento de nota pelas agências de risco, endividamento explosivo e, evidentemente, falta de dinheiro para tocar investimentos.

Há mais: a queda do preço do barril de petróleo no mercado internacional, de um patamar de US$ 110,00 para US$ 60,00 em poucos meses, torna inviável hoje novos investimentos no pré-sal, onde o custo de produção é bem mais elevado, porque o óleo está situado em camadas ultraprofundas do mar.

Mesmo sem o sistema de partilha, um leilão de áreas do pré-sal atualmente correria o risco de fracassar (segundo o jornal Financial Times, no mundo há US$ 1 trilhão de novos projetos ameaçados). Seria diferente, se as regras fossem outras desde o início.

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