quarta-feira, setembro 10, 2014

Energia - mais essa agora? - PAULO PEDROSA

O ESTADÃO - 10/09


As indústrias grandes consumidoras de energia enfrentam hoje uma situação paradoxal. De um lado, têm sua competitividade minada pelos preços elevados da energia; e, por outro, são acusadas de oportunistas quando a energia que sobra - justamente pela perda de competitividade - é liquidada no mercado de curto prazo. Esse processo, natural e automático do setor elétrico, ocorre em detrimento e não a favor da indústria, e tem contribuído para o equilíbrio do sistema.

Não é de hoje que a indústria do País tem sido penalizada por questões ligadas à energia. Os preços altos são, há tempos, fatores de desestímulo a investimentos na produção. Enquanto governantes e candidatos falam em política industrial, a percepção de muitos no chão da fábrica é de que teríamos até uma política anti-industrial energética, como se a energia para a produção fosse menos digna da atuação pública do que a que chega às pessoas.

Tal constatação foi evidenciada pela opção de não destinar às grandes indústrias cotas de energia das concessões antigas - apesar da demonstração de que essa era a alternativa mais justa e que traria mais benefícios ao País. Além disso, os custos seguem em alta, seja por causa da substituição de contratos antigos por outros muito mais caros, seja pelo aumento das tarifas de transmissão. E, ainda, os consumidores recebem contas absurdas decorrentes do atraso de obras.

É importante refletir sobre a opção de política com foco na melhoria direta na renda da população. Também verificado no caso do custo da mão de obra e do câmbio, nesse processo a principal perdedora é a indústria. E, indiretamente, perde toda a sociedade, pois a expansão do consumo pelo crescimento da renda tende a se dar via importações, num ciclo que, no limite, acarreta queda de produção e retração econômica - ameaçando a sustentabilidade do que se pretendia promover: o aumento da renda da população.

Por trás dos números, situações como a contradição vivida pela indústria de alumínio. Enquanto o consumo doméstico de produtos à base do metal registrou nos últimos anos taxas de crescimento muito superiores às da economia, a produção nacional de alumínio primário não teve a mínima condição de participar desse processo de expansão. Ao contrário: justamente por causa da energia cara a produção nacional tem declinado. Só em 2013 vimos o desligamento de mais de 130 mil toneladas de produção primária.

É evidente que, antes de suspender linhas de produção, qualquer empresa faz todo o esforço possível para reduzir perdas. Mas é também fácil de entender que as indústrias intensivas em energia são, do mesmo modo, intensivas em capital. É simplista, pois, supor que abririam mão do foco na continuidade de seus negócios em nome de resultados momentâneos, como os proporcionados pela liquidação de energia no mercado spot.

Essa liquidação, ao mesmo tempo que contribui muito para evitar problemas ainda mais graves no setor elétrico, para a indústria não passa de um pequeno efeito colateral positivo num processo dramático. Quem a classifica como uma ação deliberada em busca de resultados de curto prazo o faz por desconhecimento ou má intenção.

Mais que merecer críticas pontuais dessa natureza, a situação nos desafia a trabalhar numa visão estratégica de longo prazo. A Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) tem proposto esse debate com a sociedade, por meio de ações como o Projeto Visões do Setor Elétrico (www.visoesdosetoreletrico.com.br). Seu entendimento é de que é necessária a adoção de uma política que considere a energia sob a ótica dos melhores resultados que pode oferecer ao País, via investimento produtivo e recuperação da indústria. Isso será alcançado mais facilmente se essa política for aplicada numa base eficiente, com boa governança e um mercado competitivo.

De nada adianta tentar promover o bem-estar das pessoas no presente à custa de comprometê-lo pouco tempo depois.

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