quinta-feira, agosto 28, 2014

Se é para mudar - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 28/08


A burocracia é uma doença de crescimento espontâneo. Não custa nada exigir mais um carimbo, uma declaração



Não, não vamos falar da disparada de Marina. Mas vamos falar de campanha — ou de algumas propostas para melhorar o desempenho econômico.

Ellison, nosso ouvinte na CBN, conta que comprou uma fazenda em Minas Gerais, na qual havia um gerador hidráulico de energia desativado. Nesses tempos de alta na conta de luz, não seria uma boa ideia ativá-lo? Não deu. Ellison topou com tanta burocracia e exigências que acabou desistindo. Perdeu eficiência e ganhou custos.

Pois o mesmo tipo de problema atrapalha — e encarece — atividades tão diversas quanto a concessão de crédito para compra de carros ou o despacho de mercadorias nos portos brasileiros.

O financiamento de veículos vem caindo nos últimos meses. Sim, as famílias estão bastante endividadas e os juros subiram, mas não é só por isso.

Acontece que, de uns tempos para cá, ficou mais difícil para o banco retomar o veículo de um devedor inadimplente. Segundo o pessoal dos bancos e das revendedoras, são mais de 200 dias para se retomar o carro, ou seja, para executar a garantia. Isso quando se encontra o veículo, conta um vendedor.

É preciso acionar a Justiça e a polícia, passando por burocracia e regras supostamente estabelecidas para defender o devedor. Na verdade, isso reduz a segurança do crédito, encarece a taxa de juros para todos e protege o devedor de má-fé.

O crédito explodiu no Brasil por uma combinação de dois fatores: um macro, a estabilidade da moeda; outro micro, novas regras que deram mais segurança para a concessão de financiamentos diversos, como o consignado e o imobiliário. Também os juros para compra de carros eram mais baratos exatamente porque o credor conseguia em prazo razoável a retomada do bem. Daí os 60 meses sem entrada

Mas teve o outro lado da história. Sem experiência, sem educação financeira, muitas famílias tomaram mais dívidas do que podiam pagar. A resposta a isso, nas casas legislativas, no Judiciário, nos movimentos e serviços de defesa do consumidor, foi a criação de normas e práticas que dificultam a execução da dívida.

Em um ambiente de negócios já emperrado pela burocracia, a consequência foi direta: bancos mais seletivos na concessão do crédito, juros e, especialmente, custos indiretos mais altos. E para quem? Para a grande maioria dos que pagam ou que poderiam pagar corretamente.

Eis o ponto: normas e práticas institucionais aumentando o custo Brasil.

Exatamente o que acontece, por exemplo, com os portos. Pessoal do setor conta que as instalações portuárias propriamente ditas — guindastes, contêineres, sistemas — são em geral modernas e funcionam bem. Mas há problemas antes e depois da chegada ao porto — navios e caminhões demoram para entrar e sair — assim como na gestão (despacho, desembaraço das mercadorias, fiscalizações diversas não sincronizadas, papelada da Receita, por aí vai. É a parte do governo.)

Tanto no caso dos financiamentos quanto nos portos, há muita solução que pode ser implementada sem alterar uma única lei. No caso dos empréstimos imobiliários, por exemplo, o governo federal anunciou medidas para reduzir e simplificar a tramitação da papelada nos cartórios e nos bancos.

Mas em outros casos é preciso alterar a legislação. Também por iniciativa do governo, vai ao Congresso lei que facilita a retomada dos carros com financiamento não pago. No setor de concessionárias, essa medida é considerada a mais importante para se retomar o fluxo de empréstimos.

As soluções parecem óbvias, mas não é simples assim. A burocracia é uma doença de crescimento espontâneo. Não custa nada exigir mais um carimbo, mais uma declaração negativa com efeito de positiva (sim, existe isso) ou mais uma vistoria. Tirar é complicado.

Além disso, há uma questão meio cultural, meio ideológica. De um lado, encontra-se a desconfiança de que o cidadão está sempre tentando fazer alguma coisa errada no seu relacionamento com o poder público. De outro, a “convicção” de que as empresas, especialmente as grandes, estão sempre tentando prejudicar o cliente, o fisco e a sociedade.

Ora, quem está de má-fé até gosta desse ambiente que, paradoxalmente, favorece a fraude e a corrupção. Quem está de boa-fé, desiste ou paga mais caro.

Não é fácil mudar. Mas todos os candidatos estão falando de mudança, não é mesmo?

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