sábado, março 08, 2014

Telefone sem sinal - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE S. PAULO - 08/03
Ainda em estudo, novo modelo para leilão do 4G ajuda o governo a fazer caixa, mas pode afetar exigência de cobertura e qualidade Depois do apuro que passou e das manobras contábeis a que precisou recorrer para alcançar a meta de poupança de 2013, a equipe da presidente Dilma Rousseff (PT) mostra-se neste ano propensa a começar mais cedo sua busca por recursos excedentes.
Ilustra essa disposição a notícia, veiculada por esta Folha, de que o governo decidiu mudar as regras da segunda fase do leilão do 4G (telefonia celular de quarta geração), a ser realizada em agosto. Com a modificação, o valor cobrado pelas licenças saltará de R$ 6 bilhões para até R$ 15 bilhões.

Dito dessa forma, a iniciativa poderia ser vista com bons olhos. Seria, afinal, uma maneira de evitar a chamada contabilidade criativa na apresentação de resultados de arrecadação e gastos.

De fato, o anúncio, feito no mês passado, de que o setor público procurará economizar o equivalente a 1,9% do PIB a título de superavit primário (diferença entre receitas e despesas, antes do pagamento dos juros da dívida) foi bem recebido pelos mercados.

Restaram, no entanto, dúvidas pertinentes quanto à viabilidade do compromisso assumido. Basta dizer que, no cenário considerado pela administração federal, a economia brasileira crescerá 2,5% em 2014, ritmo bem mais intenso do que o estimado por analistas.

Estaria sendo omisso o governo que, diante dessas circunstâncias, não tentasse melhorar suas contas. Há, para isso, fórmulas consagradas, como diminuir despesas e melhorar a eficiência da máquina.

Tais preceitos, porém, não parecem ter grande valor para Dilma. A presidente e sua equipe preferem lançar mão de outras medidas, mesmo que isso signifique sacrificar a qualidade do serviço oferecido --cálculo que leva em conta antes as eleições do que o desenvolvimento do país no longo prazo.

O leilão do 4G é o exemplo mais recente dessa miopia administrativa. Os bilhões adicionais que o governo pretende arrecadar virão em troca --se de fato vierem-- de uma redução das obrigações a serem cumpridas pelas empresas.

Em outras palavras, pelo modelo em estudo, as teles pagarão mais para obter licenças, mas não estarão comprometidas com metas de cobertura. Regiões sem poder de compra dificilmente receberão o serviço, a fiscalização será afetada e até programas do governo, como o da banda larga, terminarão prejudicados.

Poucos segmentos evidenciam com tanta clareza a falta de preparo do Brasil para seu crescimento. Disparou, a partir de 2003, o consumo de telefones celulares no país --já são mais de 250 milhões de aparelhos--, mas a infraestrutura não acompanhou a demanda.

Não é por acaso que o setor lidera listas de reclamações de consumidores insatisfeitos. Em vez de enfrentar o gargalo, o atual governo se inclina a criar novos problemas para os usuários de telefonia.

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