quinta-feira, janeiro 16, 2014

Tudo lixo — e uma pérola - CORA RÓNAI

O GLOBO - 16/01

A poda ao estilo Comlurb não favorece nada, nem as plantas, nem o prazer de quem se encanta com elas


Uma noite dessas, quando cheguei em casa, abri a mailbox e encontrei duas mensagens desesperadas de uma amiga, enviadas à tarde e acompanhadas de fotos, em que ela me pedia socorro: havia uma equipe da Comlurb em frente à sua casa, “podando” uma árvore que, via-se pelo que ainda não havia sido destroçado, costumava ser linda e frondosa. O “podando” vai entre aspas, é óbvio, porque se pode chamar o que a Comlurb faz de qualquer coisa, menos de poda — algo que, segundo dicionários e botânicos, favorece as plantas.

A poda ao estilo Comlurb não favorece nada, nem as plantas, nem o prazer de quem se encanta com elas. A ferocidade e a inconsequência com que a empresa ataca as árvores é comparável ao ímpeto assassino de um serial killer que mata a esmo, sem ao menos saber quem está atingindo — vide o caso do açacu da Pompeu Loureiro, uma das árvores notáveis da cidade, que só não veio inteiramente abaixo porque alguns vizinhos, alarmados, impediram o crime. O coitado está se recuperando, e até ganhou nota festiva com direito a foto na coluna do querido Ancelmo, mas sabe-se lá quantas décadas ainda serão necessárias até que volte a ser o que era.

A Comlurb não age sozinha. Ela é o braço armado, por assim dizer, da Fundação Parques e Jardins, a verdadeira culpada, em última instância, pela poda calamitosa das árvores do Rio.

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Para saber como a prefeitura cuida dos nossos parques e jardins, aliás, recomendo uma visita ao Campo de Santana, onde funciona a sede da fundação. Tomado por pivetes, drogados, mendigos, assaltantes e catadores de lixo, o campo tem um policiamento tão ineficaz que não consegue conter sequer o abandono rotineiro de animais.

Escrevi uma crônica sobre o estado lastimável do campo em junho de 2011. Mais ou menos pela mesma época me encontrei, por acaso, com o prefeito, e aproveitei para reforçar as queixas que havia feito aqui no jornal. Ele me ouviu com atenção e chegou a tomar notas num Blackberry. Quem visse a cena de fora poderia até imaginar que alguma providência seria afinal tomada. Pois sim! Passados quase quatro anos, tudo continua na mesma.

O mais triste é que o Campo de Santana é um dos jardins mais bonitos do país. Em qualquer cidade mais ou menos civilizada, seria tratado como a joia que é, com suas árvores centenárias e seu sofisticado paisagismo do século XIX. Ele tem esculturas, grutas e lagos, fontes francesas de ferro fundido, elevações gramadas e pequenas pontes, mas é impossível curtir qualquer dessas belezas.

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E o Aterro? Lá a destruição sistemática dos jardins conta com o beneplácito e a colaboração ativa das autoridades, que permitem Bailinhos nos jardins tombados do MAM, estacionamento de bicicletas de aluguel em áreas onde já nem cresce a grama (em contraste com outras onde a grama sequer é cortada) e a realização de toda a sorte de eventos de massa para os quais não foi projetado. Os jardins estão detonados — e, como os do Campo de Santana, entregues a assaltantes e moradores de rua.

Ao contrário do Campo de Santana, porém, o Aterro tem, pelo menos, uma vaga esperança: é o grupo Aterro Vivo, organizado por aguerridos moradores da vizinhança. Cansados de serem assaltados na sua área de lazer e de vê-la entregue a todo tipo de baratas, metafóricas ou não, eles têm se mobilizado para chamar as autoridades às falas. Tomara que sejam ouvidos.

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Sinceramente? Eu adoro o Rio e não conseguiria viver em outro lugar, mas, a contragosto, começo a reconhecer que a nossa cidade anda muito difícil. Salvo poucas e honrosas exceções, para onde quer que se olhe está tudo feio, tudo mal conservado, tudo um lixo. E a tal da “paisagem humana” vai pelo mesmo caminho. Os serviços nunca estiveram tão caros, tão ruins, tão desaforados. Já temos até restaurante a quilo cobrando dez por cento!

Tenho muita pena dos turistas mal aconselhados que, com tantos destinos amáveis, escolhem vir logo para cá. Tenho também muita vergonha de ver a minha cidade tratar tão mal os seus visitantes. Tudo o que eu queria é que as pessoas saíssem daqui maravilhadas, tristes de ir embora e certas de que passaram as férias num dos melhores lugares do mundo.

É que conheço bem a amargura de ser maltratada como turista. Em que pese a beleza da cidade, nunca mais ponho os pés em Praga, onde fui tão sistematicamente roubada em táxis, hotéis e restaurantes que por pouco não desisti do resto da viagem. A lembrança daqueles dias miseráveis contaminou, para sempre, todo o carinho que eu tinha pela cultura tcheca.

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Mas nunca consigo ficar de mal com o Rio por muito tempo. Fiz as pazes com a minha cidade na segunda-feira, assistindo à estreia do novo espetáculo da imbatível dupla Charles Möeller e Claudio Botelho, “Todos os musicais de Chico Buarque em 90 minutos” — a história de uma trupe mambembe costurada por canções que fazem parte da história de todos nós.

Esse musical nascido de outros musicais é denso, engraçado, comovente — numa palavra, imperdível. Gostei de tudo: da luz linda, do cenário que não pesa, dos figurinos quase irônicos. O elenco é ótimo e afinadíssimo em todos os sentidos, mas eu nem esperava outra coisa de um autêntico Möeller & Botelho, ainda mais com a diva Soraya Ravenle na escalação. Mas gostei, sobretudo, de ver Claudio Botelho em cena, provando que ninguém precisa ter um vozeirão quando tem tanto carisma e inteligência.

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