sábado, novembro 16, 2013

Vidas e datas - ALBERTO DINES

GAZETA DO POVO - PR - 16/11

Empolgados com a telenovela sobre a proibição de biografias, esquecemos um enorme acervo de ingredientes e condimentos para animar o debate nacional. O direito de remexer na existência das celebridades, heróis e velhacos é uma questão palpitante, mas convém reconhecer que nesta mesma esfera palpitam demandas de maior transcendência.

Vidas não existem soltas no tempo; espetadas em episódios e coladas ao calendário, compõem efemérides que – ao contrário do que sugere o senso comum – nada têm de efêmeras ou momentâneas. São fragmentos de muitas vidas e cujo inevitável encadeamento compõe a caprichosa artífice conhecida com o nome de história.

Esbarramos em efemérides em cada notícia ou página de jornal, mas o exercício de lembrá-las não chega a ser um esporte nacional. São complicadas, rebeldes, difíceis de explicar e, geralmente, mais demoradas do que a data designada para lembrá-las. Quanto mais vivemos, mais efemérides se acumulam; e, tal como no Chão de Estrelas de Orestes Barbosa, nelas pisamos distraídos, desatentos ao seu significado e advertências.

O feriado de ontem, destinado a lembrar os 124 anos da Proclamação da República, deveria ao menos sugerir reflexões sobre nossa incrível sedução pelos uniformes militares: o avanço institucional foi na realidade um retrocesso, uma quartelada – a primeira da nossa história – e desembocou numa ditadura como sói acontecer.

O 11 de novembro da última segunda-feira tem muito a ver com esta linhagem castrense da nossa república. Ostenta, além disso, um desdobramento internacional. A apressada assinatura do armistício que encerrou a Primeira Guerra Mundial não foi uma Festa da Paz: dos escombros do poderoso império alemão nasceu uma república envolta em sonhos, porém sacudida por pesadelos já no seu primeiro dia de vida. Apenas 22 anos depois (junho de 1940), o ex-cabo Adolf Hitler humilhava os arrogantes marechais franceses obrigando-os a assinar uma capitulação incondicional no mesmo vagão onde, em 1918, impuseram implacáveis condições. Ambígua como todas, esta efeméride pede mais que uma data para ser digerida e avaliada.

Tal como o 11 de novembro de 1955, o golpe militar dado pelo então ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, para garantir a posse da dupla recém-eleita JK-Jango e que acabou derrubando dois presidentes – um interino, Carlos Luz, e outro eleito, mas licenciado, Café Filho. Putsch clássico, contragolpe primorosamente planejado e executado, com amplo apoio da imprensa, da classe política e amplos setores da sociedade.

Sem vítimas: uma única salva de canhões foi disparada – dos fortes que circundam a Baía de Guanabara contra o cruzador Tamandaré, onde se abrigavam o presidente derrubado, Carlos Luz, e o xará, o deputado udenista Carlos Lacerda, contrários à posse de JK. Os últimos disparos ouvidos aos pés do Pão de Açúcar não impediram o 31 de março (de 1964), o 13 de dezembro (de 1968) e os gritos dos torturados, dos presos e das famílias dos desaparecidos durante os 21 anos de chumbo.

Efemérides são como monumentos: demoradas para construir, mais ainda para conservar e entender.

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