sexta-feira, novembro 01, 2013

O alerta que vem de fora - ARMANDO CASTELAR PINHEIRO

VALOR ECONÔMICO - 01/11

Nos últimos meses, várias instituições estrangeiras abandonaram a discrição com que tratam suas análises sobre outros países para aconselhar o Brasil a rever sua política econômica, alertando para os riscos embutidos em manter práticas que se tornaram comuns entre nós nos últimos anos.

Primeiro foram as agências de rating: a Moody"s reduziu sua perspectiva para a nota de risco da dívida brasileira, de positiva para neutra, avisando que se as coisas não mudarem pode rever essa visão outra vez, para pior. Antes, a Standard & Poor"s já colocara a classificação de risco brasileira em perspectiva negativa, o que significa que ela poderá ser rebaixada ainda em 2014.

Semana passada, tanto a OCDE como o FMI divulgaram estudos detalhados reforçando os argumentos das agências de rating. Alertaram para a leniência com a inflação, a deterioração da situação fiscal, e a falta de reformas que estimulem o investimento e a produtividade.


Devemos prestar atenção a essas análises, inclusive porque elas repetem as de vários analistas brasileiros. Os investidores estrangeiros leem essas análises e as consideram na hora de decidir onde investir. E, como mostraram os resultados das contas externas divulgados na semana passada, nós dependemos do interesse desses investidores para financiarmos nosso crescente déficit externo.

Nos nove primeiros meses do ano, nosso déficit em transações correntes ficou em 3,6% do PIB, 1,0% do PIB maior que a entrada de investimento direto estrangeiro e 1,6% do PIB acima do déficit externo no mesmo período do ano passado. Com a China crescendo menos, e mais focada no consumo do que no investimento, o vento a favor do preço das exportações em alta parou de soprar. Isso deixa mais claras as inconsistências dinâmicas do modelo econômico adotado nos últimos anos, especialmente no que tange às contas externas.

O principal motivo por que devemos prestar atenção a esse conselho que vem de fora é, porém, mais singelo: porque ele está certo. Nossos fundamentos econômicos estão deteriorando e, em lugar de corrigi-los, acumulamos desequilíbrios e nos colocamos em uma situação mais vulnerável a mudanças previsíveis no quadro externo.

Tolerar uma inflação que está não apenas alta como subestimada, em função da defasagem do preço dos combustíveis e do transporte público, é assumir um risco difícil de justificar. A inflação segue acima da meta há anos, mesmo nossa meta sendo alta para padrões internacionais. E se sabe que a deterioração das contas externas e o fim do afrouxamento quantitativo americano vão levar a uma desvalorização do real que colocará mais gasolina nessa fogueira. É um engano achar que podemos ter uma desvalorização cambial que ao mesmo tempo ajuste as contas externas, mas que não bata na inflação, como está implícito em algumas análises.

A preocupação principal das análises citadas acima é, porém, com a política fiscal, ainda que esses temas não sejam assim tão estanques: nossa história mostra que quando o calo fiscal aperta, os governos não se acanham em buscar ajuda na inflação mais alta.

São três os problemas apontados. Primeiro, há uma deterioração institucional nas contas públicas brasileiras. Essa se afigura, por exemplo, na perda de transparência, que dificulta analisar o que está acontecendo e, portanto, reduz a capacidade da sociedade policiar o comportamento do governo. A Lei de Responsabilidade Fiscal também está sendo enfraquecida, como se viu com a renegociação retroativa das dívidas de Estados e municípios.

Segundo, há uma piora dos indicadores fiscais. O superávit primário efetivo se estreita a cada ano, enquanto a dívida bruta do setor público, já em patamar elevado, continua subindo.

Terceiro, alguns dos principais determinantes da sustentabilidade fiscal vão ter comportamento menos favorável nos próximos anos do que no último decênio. Refiro-me aqui ao crescimento do PIB e à taxa de juros paga pelo governo.

Nosso potencial de crescimento parece ter convergido para algo em torno de 2,5% ao ano. É uma taxa baixa, mas é a possível para um país que investe pouco, não dá estímulos adequados ao aumento da produtividade e passa por uma transição demográfica que, junto com a queda do desemprego, reduz a contribuição do aumento do emprego para o crescimento.

O custo de financiamento do governo caiu muito nos últimos cinco anos, por conta da política de afrouxamento quantitativo nos EUA. Mas ele já subiu e deve aumentar mais no médio prazo, conforme o Fed desmonta esse programa. Com nossa elevada dívida bruta, essa alta impactará significativamente a despesa com juros. Não é demais lembrar que os créditos do Tesouro contra bancos públicos e as reservas internacionais não vão ter a mesma correção de rendimentos.

A boa notícia é que há tempo e espaço para arrumar a casa. Mas insistir que está tudo bem e que agências de rating e organismos multilaterais não sabem do que estão falando não vai resolver o problema.

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