sábado, novembro 09, 2013

Ideli, a missão - LEONARDO CAVALCANTI

CORREIO BRAZILIENSE - 09/11
Reportagens deste Correio deram o mote para o cruzamento de informações feito pelo Ministério Público Federal sobre o uso de um helicóptero-ambulância pela ministra de Relações Institucionais. Descobriu-se o inevitável: 73 feridos, sem chances de resgate aéreo, caso precisassem
A 1,7 mil km de distância do gabinete da ministra Ideli Salvatti no Planalto, o procurador da República Mário Sérgio Barbosa e mais dois colegas do Ministério Público Federal fizeram um cruzamento de dados e apontaram para um resultado que deveria constranger ainda mais a chefe da Secretaria de Relações Institucionais. A partir de reportagens deste Correio - sobre o uso pela petista de um helicóptero conveniado do Samu para visitar, em três dias distintos, bases eleitorais de Santa Catarina - e de comunicados da Polícia Rodoviária Federal sobre acidentes nos períodos em que ela utilizou a aeronave, os investigadores viram o número inevitável de 73 pessoas feridas e duas mortas nas estradas do estado.
Ao usar um helicóptero preparado para salvar vidas, era inexorável que a aeronave - a única da PRF na região - deixaria de atender vítimas de trânsito, afinal, estava à disposição da ministra. Tal operação, a de atender a petista, não é uma das tarefas mais fáceis. Quando a "missão" passa a ser Ideli, os equipamentos de socorro são retirados da aeronave e a escala de atendimento de urgência é suspensa. Isso ocorreu, por exemplo, em 25 de janeiro.

Ideli, naquele dia, usou o helicóptero para ir até a cidade de Laguna, a 130km da capital de Santa Catarina. A tarefa da ministra era "acompanhar a assinatura de uma ordem de serviço" e "verificar" trabalhos de transposição do Túnel do Morro do Formigão. A revelação foi feita pelo repórter João Valadares, deste Correio. Antes de voltar para Florianópolis, ela ainda foi a Timbé do Sul para outro compromisso imperdível: o anúncio da publicação do edital de licitação de obras de pavimentação. Enquanto tudo isso acontecia, 40 acidentes foram registrados, com 21 feridos.

É mais do que razoável aceitar que o helicóptero cedido a Ideli não socorreria todos os 75 feridos, caso estivesse sendo usado na principal e nobre missão de salvar vidas. É possível que até mesmo não conseguisse ou precisasse buscar nenhuma daquelas pessoas envolvidas nos 52 acidentes, por questões técnicas e operacionais. Refiro-me à distância dos acidentes ou mesmo a opção dos envolvidos nos regastes em levar os feridos por terra, numa ambulância. Tudo isso poderia, de fato, ter ocorrido.

O problema para Ideli - pré-candidata ao Senado por Santa Catarina - é que tal cálculo nunca poderá ser feito. O que conta é que ela não deveria usar um helicóptero designado para socorrer vítimas graves de acidente de trânsito, por mais que estivesse com uma agenda oficial. Aliás, o cargo atual de Ideli Salvatti praticamente não diz respeito aos compromissos daqueles três dias em que ocorreram os acidentes no estado. É o pior exemplo dado por uma autoridade, principalmente de alto escalão.

Por mais que ela, ou pelo menos a assessoria da pasta, insista em lembrar um decreto presidencial que estabelece o uso de aeronaves multifunção, podendo ser "utilizado para transporte de autoridades, policiamento e missão de resgate", está tudo errado. O decreto pode até livrar Ideli de ações na Justiça ou mesmo mantê-la firme no Planalto até a saída para a campanha. Mas é impossível não confrontar a letra fria da lei quando sabe-se que a aeronave, tal qual uma ambulância, é única e usada para resgatar acidentados. E que, durante as agendas oficiais da ministra, 77 pessoas ficaram feridas e duas morreram. Talvez o Palácio do Planalto nunca faça tal confronto. Quanto a Ideli, ela parece não se constranger.

Outra coisa
A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou o que já deveria não valer há muito, caso o Congresso Nacional tivesse um pouco mais de amor ao dinheiro do contribuinte. Na última terça-feira, o projeto que acaba com o 14º e o 15º salários para parlamentares reeleitos finalmente passou. É que o texto que tinha sido votado no último mês de fevereiro encerrou a regalia dos pagamentos anuais, mas não acabou com duas parcelas do benefício, as referentes ao início e ao fim do mandato, a título de ajuda de custos como a mudança de deputados e de senadores dos estados de origem para Brasília. Até aí, tudo certo. O detalhe é que os políticos reeleitos, mesmo sem precisar de uma nova transferência de endereço, embolsam a regalia. Agora, o Congresso tem mais uma chance de derrubar o escárnio.

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