sábado, novembro 30, 2013

Cinco palpites a - CACÁ DIEGUES

O GLOBO - 30/11

Aprendi a gostar de futebol vendo Nilton Santos jogar. Nilton não dependia de inspiração ou improviso, seu talento era pura luz



Nunca deixei de escrever por falta de assunto. Nosso mundo contemporâneo é pródigo em informação, sabemos logo de tudo que acontece, temos sempre assuntos demais. Também não precisamos ficar só nas novidades que nos desgostam, podemos de vez em quando dar uns palpites a favor.

Alegria

O Papa chamou seu recente documento oficial de “A alegria do Evangelho”. Nesse manifesto exaltante, Francisco propõe uma igreja com esse estado de espírito em relação a todos. O texto é uma longa extensão do que tem declarado, sobretudo quando esteve este ano no Rio de Janeiro, para a Jornada Mundial da Juventude.

Durante a Jornada, fiz a direção geral de “Rio de fé”, documentário realizado por cinco jovens cineastas (Cadu Barcellos, Cadu Valinoti, Flora Diegues, Gustavo Mello e Marcos Moura), com a coordenação de Ana Murgel, fotografia de João Atala, edição de Mair Tavares e Daniel Garcia, produção de Renata Magalhães. O documentário está para sair em DVD, antes do Natal.

Registramos depoimentos de peregrinos, de autoridades e sumidades. Acompanhamos fiéis vindos de todo o mundo, marchamos ao lado de um que veio a pé do Ceará e viajamos no ônibus de grupo vindo de Natal. Estivemos nos grandes eventos, como na vigília de mais de 3 milhões de jovens na Praia de Copacabana, assim como em encontros de peregrinos estrangeiros com praticantes de candomblé e em seminário reunindo bispos católicos, rabinos judeus e xeques muçulmanos. Independentemente de religião, assistíamos a uma rara vitória coletiva do amor, da tolerância e da delicadeza.

Por trás disso tudo, estavam as palavras de Francisco, talvez o líder mundial mais importante do momento, sua proposta do que chamou de “cultura do encontro”, a convivência entre os seres humanos sem importar suas qualificações. Esse manifesto do Papa só faz confirmar a impressão de que algo de muito novo está ocorrendo na Igreja Católica. E que isso servirá a todos.

Prazeres

Hoje, comemoram-se cinco anos de instalação pelo governo do estado da primeira UPP, inauguração de uma nova politica de segurança para as favelas do Rio.

As UPPs não são uma panaceia capaz de resolver a vida de todos os moradores dessas comunidades. O desaparecimento de Amarildo na Rocinha, a morte de inocentes em invasão brutal na Maré, os tiroteios constantes no Alemão, tudo isso nos mostra como será difícil conquistar a segurança necessária para viver e trabalhar em paz.

Os bandidos não se conformam de perder seu espaço e a polícia precisa ser reeducada para que pare de fazer guerra contra a população. Mas ignorar os avanços conquistados pelas UPPs seria uma insensatez.

Como sempre disse o secretário José Mariano Beltrame, executor dessa política, é preciso que os serviços do Estado subam os morros, levando à sua população o que é direito de todo cidadão: educação, saúde, saneamento, mobilidade, o que cabe ao Estado prover. Se não, um dia os moradores já terão esquecido a era do tráfico armado e se sentirão sufocados por um estado que não é capaz de entender e atender suas necessidades.

É isso o que mostra um bom documentário brasileiro que acaba de entrar em cartaz, “Morro dos Prazeres”, de Maria Augusta Ramos, realizado um ano depois da instalação de uma UPP naquela comunidade de Santa Teresa. Um testemunho do que anda acontecendo agora.

Talento

A atriz, roteirista e colunista Fernanda Torres acaba de lançar seu romance de estreia. “Fim” não é um livro escrito no tempo do ócio, um volume da coleção rosa, texto para moças de fino trato. “Fim” é uma profunda e arrojada experiência literária, um romance de quem parece conviver há anos com o ofício de escrever ficção.

Contando a história de cinco idosos em seus últimos dias de vida, “Fim” é escrito com amor e humor, pungência e delicadeza, uma proposta de literatura com o gosto e o empenho literários dos escritores de real talento. Um romance comovente e cheio de graça.

Luz

Aprendi a gostar de futebol vendo Nilton Santos jogar. Nilton não dependia de inspiração ou improviso, seu talento era pura luz, uma luz que tinha sido acesa na eternidade. Nilton não errava.

Quando ia ao Maracanã vê-lo jogar, costumava apostar com meus companheiros botafoguenses quantas vezes Nilton ia olhar para baixo, para a bola ou para o gramado. O resultado era quase sempre zero, nenhuma vez. Nilton era o único jogador de futebol em todo o mundo que não sabia de que cor era o campo em que jogava.

Considerado pela Fifa como o maior lateral-esquerdo de todos os tempos, Nilton foi muito mais do que isso. Ele ensinou os laterais esquerdos de todo o mundo a jogar dentro da área, no meio de campo, no ataque.

Seu inesquecível gol contra a Áustria, o primeiro do Brasil na Copa de 1958, inaugurou uma era de arte, beleza, elegância e perfeição na história do futebol mundial. A era que foi do Brasil. Nilton pode ir embora em paz.

Utopia

Outro dia, ouvi uma canção cantada por Luciana Mello, cujo refrão dizia que “hoje só quero que o dia termine bem”. Meu amigo Fred Coelho me disse que essa é a nova utopia.

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