domingo, outubro 13, 2013

O xerife da Receita preferiu ir embora - ELIO GASPARI

O GLOBO - 13/10

Não há lembrança de um subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, o segundo homem da instituição, que tenha pedido o chapéu informando aos colegas que "há algum tempo estava incomodado com a influência externa em algumas decisões" envolvendo "posições menos técnicas e divorciadas do melhor interesse". Caio Cândido estava no cargo desde 2011. Atribuir a decisão a um "natural desgaste", como fez o secretário da Receita, doutor Carlos Alberto Barreto, é tática bolchevique. Vale o que está escrito na carta do servidor.

O subsecretário Caio Cândido pediu demissão porque incomodou-se com a "influência externa". Não foi específico, mas foi claro. Em 2009 a secretária Lina Vieira foi demitida pelo ministro Guido Mantega num episódio que passava pelo Palácio do Planalto. A Receita fizera autuações bilionárias contra a Ford e o Banco Santander. A secretária foi substituída por administrações que, para o bem ou para o mal, tentam controlar a máquina da fiscalização, sem grande sucesso. (O caso do Santander morreu no Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda.)

O comissariado petista e o ministro Guido Mantega conseguiram ter uma secretária e um subsecretário de Fiscalização denunciando aquilo que, no mínimo, são pressões "divorciadas do melhor interesse" da Viúva.

PISTA LIVRE

Saiu do STF uma mensagem críptica aos mensaleiros petistas que temem ir para o Tremembé.

Decifrada, resultou no seguinte: Fiquem quietos, tudo acabará bem para vocês.

PORTA GIRATÓRIA

Em 2011 a Fiocruz entregou a diretoria-executiva do seu plano de saúde a José Antonio Diniz. O FioSaúde atende os 5.000 funcionários e familiares da veneranda instituição médica e, desde sua fundação, era dirigido por servidores da Casa. Diniz vinha da Axismed, do ramo privado de gestão de planos. Em janeiro deste ano ele rescindiu o contrato com a empresa que geria o plano da FioSaúde. Tudo bem.

Noticiado aqui que a Axismed ficaria com a gestão do plano da FioSaúde, o doutor Paulo Gadelha, presidente da Fiocruz, prontamente desmentiu a informação. O que havia era apenas uma proposta específica da empresa onde trabalhara o novo diretor-executivo. Numa apresentação intitulada "Plano de Trabalho 2013", apresentada à FioSaúde, a Axismed usara um texto onde se lia: "Nós até podemos escolher o que semear, mas necessariamente vamos colher o que plantamos".

Começaram a colher. A súmula da reunião de 21 de agosto da diretoria da Caixa de Assistência Oswaldo Cruz informa que decidiu colocar "em andamento" a seguinte decisão do seu conselho deliberativo:

"Deverá ser contratado inicialmente o serviço de Acompanhamento de Pacientes Internados e Orientação Médica por Telefone (AxisLine) para os 2.200 beneficiados elegíveis." A AxisLine é um serviço da Axismed.

AVISO AMIGO

O editorial do "New York Times" louvando os avanços sociais brasileiros e pedindo mais pulso nas obras de infraestrutura e na educação é um sinal de alerta para o comissariado. Ao contrário da "Economist" e do "Wall Street Journal", o "Times" reflete um pensamento liberal.

Dois editoriais do jornal relacionados com um momento importante da vida brasileira tiveram macumbas.

No dia 28 de março de 1964, um grupo de mandarins reuniu-se na Casa Branca para discutir o futuro do governo de João Goulart. (O embaixador Lincoln Gordon pedia um desembarque clandestino de armas no litoral paulista.) Um dos participantes sugeriu que se cabalassem dois editoriais "apropriados", um no "Times" e outro no "Washington Post".

No dia 31 de março, o "Times" circulou com um editorial dizendo que a situação estava "próxima do caos". Estava. No dia 3 de abril, depois da deposição de Goulart, outro editorial chamou-o de "incompetente" e "irresponsável". Era. Seu autor provavelmente foi o o editorialista Herbert Mathews, eterno quindim da esquerda pela ajuda que deu a Fidel Castro em 1957, quando ele estava na Sierra Maestra e era dado por morto pelo governo cubano.

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota e acredita em tudo que o governo diz. Soube que o prefeito Fernando Haddad, de São Paulo, passou a andar de ônibus e que o governador Geraldo Alckmin anunciou que usará trens e o metrô.

O idiota acha que eles devem andar de Rolls-Royce, desde que os transportes públicos funcionem.

UM GRANDE RETRATO DO PAPA FRANCISCO

Quantos pares de sapatos o cardeal Jorge Bergoglio levou para Roma em março? Um, preto e velho, o único que tinha. Para quem quiser entender o que vem por aí, saiu um livraço nos Estados Unidos --é "Pope Francis - Untying the knots" ("Papa Francisco - Desatando os nós"), do jornalista inglês Paul Valelly. Está na rede por US$ 9,99.

Ele conta que, no conclave de 2005, Bergoglio chegou à terceira votação com 40 votos, mas o cardeal Ratzinger teve 72. Faltariam cinco para que atingisse os dois terços, e seus aliados avisaram que iriam até o 34º escrutínio, no qual bastaria a maioria absoluta, que já tinham. A demora exporia uma igreja dividida, e Bergoglio desistiu. Como arcebispo de Buenos Aires, a Cúria deu-lhe para comer o pão de Asmodeu. Rejeitavam suas indicações para bispados.

O livro explica como um personagem tradicionalista na doutrina e reformador em questões da Igreja, tendo sido um algoz da esquerda católica dos anos 70, tornou-se um mensageiro dos pobres. Bergoglio apoiou a ditadura argentina que matou dez mil pessoas, inclusive um bispo. Ajudou-a ao ponto do arrependimento. Exagerando, fez um percurso semelhante ao de d. Hélder Câmara, fascista nos anos 30, herói de letra de samba a partir dos 50.

O simpaticão da avenida Atlântica é um homem reservado, de poucos amigos, meditador solitário. Cozinhava suas refeições, mas comia sozinho. Quando tem de resolver uma questão, começa perguntando-se o que não deve fazer. Quando decide, medita de novo.

O mérito do livro de Vallely está na busca da alma de Francisco. Ele vai do par de sapatos para explicações muito mais complexas e documentadas. É uma biografia simpática, talvez passasse pelo crivo de Roberto Carlos.

No conclave de março, d. Odilo Scherer, o cardeal de São Paulo apresentado como um nome do Terceiro Mundo, era na realidade uma aposta da Cúria. Foi pouco votado no primeiro escrutínio, no qual Bergoglio teve 20 votos, e o favorito da imprensa italiana, o cardeal Scola, arcebispo de Milão, teve 35.

Na segunda votação os aliados de Scherer foram para Bergoglio. Scola entalou e, no quarto escrutínio, o argentino ultrapassou-o. No quinto foi eleito.

Em La Plata, o bispo Héctor Aguer, seu adversário na Argentina, proibiu o tradicional dobre de sinos.

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