quarta-feira, outubro 23, 2013

O Brasil ganha mais tempo - SERGIO LAMUCCI

VALOR ECONÔMICO - 23/10
O Brasil e outras economias emergentes ganharam mais tempo. Ao que tudo indica, a redução dos estímulos monetários pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) deverá começar apenas nos primeiros meses do ano que vem, garantindo um período mais longo de calmaria nos mercados internacionais, sem grandes pressões sobre as moedas de países como o Brasil. Com as incertezas no front fiscal, o ritmo decepcionante de criação de empregos e a escolha de Janet Yellen para comandar o Fed a partir de 2014, a avaliação dominante é que o banco central dos EUA vai demorar mais para iniciar a diminuição das compras de ativos, hoje em US$ 85 bilhões por mês. Atual vice-presidente do Fed, Yellen é tida como uma das principais defensoras de uma política monetária ultra expansionista.
O impasse fiscal das últimas semanas prejudicou um pouco o crescimento no quarto trimestre e afetou a confiança dos americanos, más notícias para uma economia em recuperação. O índice de confiança do instituto Gallup, por exemplo, levou um tombo nas duas primeiras semanas de outubro, devido à suspensão parcial das atividades do governo e das discussões sobre o aumento da teto da dívida, que poderia levar o país ao calote.

Depois de cair para o menor nível em quase dois anos, o indicador do Gallup registrou uma melhora depois que o Congresso dos EUA encerrou o imbróglio na semana passada. Os parlamentares fecharam um acordo que assegura o funcionamento da administração federal até 15 de janeiro e eleva o nível de endividamento até 7 de fevereiro de 2014. A deterioração na confiança, contudo, terá algum impacto sobre a economia, mesmo que seja passageira.

É improvável que os republicanos insistam em suspender novamente serviços públicos e ameacem não elevar o teto da dívida no começo do ano que vem, mas parece otimismo demais apostar em acertos de longo prazo sobre essas questões. Poucos acreditam no sucesso da comissão dos dois partidos que tem até 13 de dezembro para definir um projeto de orçamento para a próxima década. A tendência é que os acordos continuem a ser feitos por períodos curtos. Nesse quadro, a incerteza sobre as contas públicas deve permanecer, e os cortes automáticos e generalizados de gastos dificilmente serão revertidos. Como a política fiscal seguirá um peso para a economia, o Fed tende a ser obrigado a manter por mais tempo o mesmo ritmo de compras de títulos do Tesouro e papéis lastreados em hipotecas, com o objetivo de baixar os juros de longo prazo.

A crise fiscal das últimas semanas ocorreu num momento em que o mercado de trabalho já fraquejava. Divulgado ontem, o relatório de emprego de setembro apontou a criação de 148 mil vagas, abaixo da média de 195 mil do primeiro semestre. A taxa de desemprego, por sua vez, caiu de 7,3% em agosto para 7,2% no mês passado. Em relatório, o economista-chefe do J.P. Morgan para EUA, Michael Feroli, aponta que, nesse ritmo de geração de empregos, a taxa de desocupação deve recuar 0,3 ou 0,4 ponto percentual por ano, uma velocidade que tende a ser considerada inaceitavelmente lenta pelo Fed. Com a indefinição fiscal e o mercado de trabalho mais fraco, Feroli espera que o banco central americano só comece a reduzir as compras de ativos em abril de 2014, embora ressalte que a incerteza é maior que a habitual - é difícil avaliar o nível de divergência da próxima rodada de debates sobre as contas públicas.

A escolha de Yellen para comandar o Fed sugere que o Fed pode demorar para reduzir os estímulos monetários. Se confirmada pelo Senado, o que deve ocorrer sem maiores problemas, Yellen assumirá o cargo depois da saída de Ben Bernanke, em 31 de janeiro de 2014, mas é provável que ela tenha mais influência nas discussões daqui para frente.

No relatório O que pensa Janet Yellen? , o Goldman Sachs examina opiniões da economista em discursos e nas reuniões do Comitê de Mercado Aberto do Fed (Fomc, na sigla em inglês). A análise mostra uma economista de fato favorável a uma política monetária expansionista, embora ela tenha manifestado preocupação com a inflação em momentos de baixo desemprego. Yellen já expressou confiança nos benefícios do QE (a política de compra de ativos) no passado, e em geral não sugeriu que os seus custos são significativos o suficiente para levar a mudanças na política , aponta o estudo do Goldman Sachs. A economista também já indicou acreditar que o nível dos juros neutros (que não aceleram a inflação) é substancialmente mais baixo que a sua média histórica.

Para o Brasil, esse cenário todo sugere que o quadro internacional continuará sem grandes turbulências por mais alguns meses, sem elevações significativas nos juros de longo prazo nos EUA e a consequente fuga de capitais de países emergentes. Mas é sempre importante manter a cautela. Um relatório do Deutsche Bank, assinado pelo economista Joseph LaVorgna, diz que o colegiado do Fomc em 2014 tende a ser mais duro com a inflação do que o deste ano, devido à saída de Bernanke e de outros integrantes do comitê. LaVorgna elabora o que chama de falcômetro (Hawk-O-Meter, em inglês, uma referência a hawk - falcão --, usado para definir quem tem mais preocupação com pressões inflacionárias). O banco atribui notas de 1 a 5 para os membros do Fomc - quanto mais alta, menos tolerante com a inflação. Neste ano, o Fomc tem média 2, que deve aumentar para 2,8 no ano que vem. Para LaVorgna, isso significa que a política monetária tenderá a ser menos expansionista em 2014, ainda que Yellen, com nota 1, tenha visões parecidas com as de Bernanke sobre o tema. Segundo o economista, a composição do Fomc pode empurrar Yellen levemente em direção ao centro do falcômetro para forjar um consenso entre os que apoiam a continuidade das compras de ativos e aqueles que preferem diminuí-las mais cedo.

Se isso ocorrer, há o risco de o Fed antecipar a redução das aquisições de títulos, o que pode trazer de volta ao mercado pelo menos parte da volatilidade observada por alguns meses, depois que Bernanke acenou em maio com a possibilidade de diminuir os estímulos monetários ainda neste ano. Não é um cenário dos mais agradáveis para o Brasil.

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