sábado, setembro 28, 2013

Limites na missão da presidente - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SP - 28/09

Os princípios valem, mas não escapam das contingências internacionais


No Brasil, o poder constitucional exercido em nível federal, por uma única pessoa é do presidente da República. A Constituição, no art. 84, atribui privativamente à presidência 26 missões fundamentais e mais uma genérica. Dessas, apenas três podem ser delegadas a Ministros de Estado ou ao Advogado Geral da União, mas sob limites expressos.

No Brasil, a Constituição reserva para o(a) presidente a celebração de tratados, convenções e atos internacionais. Depende apenas de referendo do Congresso Nacional.

Lembro que no caso do "Mensalão" chegou-se a falar na invocação de tribunais estrangeiros, mas foi na competência, preservada pelo art. 84, que a presidente Dilma Roussef discursou na ONU e fez críticas aos Estados Unidos.

A agitação gerada foi natural. Normalmente o discurso de abertura é formalidade que, embora honrosa, não passa da formalidade. A presidente cumpriu o dever constitucional de expressar sua posição, em face da falada "espionagem" norte americana, por estes lados do mundo, infringindo o direito internacional público.

A restrita invocação prática desse segmento do direito me sugeriu a citação de dois autores brasileiros, quanto à posição de nossa presidente.

Lembro José Francisco Rezek, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e juiz da Corte Internacional de Justiça, em Haia. Prefaciando seu livro, no qual reuniu os principais textos sobre relações internacionais, anotou a "forma convencional dos tratados". Foram um avanço diz, mas não é caso de nos iludirmos, pois tais normas não perderam "sua triste vocação para o sacrifício quando o Estado assim queira que aconteça, em honra de seu próprio interesse".

No mesmo sentido Vicente Marotta Rangel, que foi catedrático de Direito Internacional Público na Faculdade do Largo de São Francisco e membro da Corte Permanente de Arbitragem (Haia). No livro "Direito e Relações Internacionais" assinala o "contraste entre os ideais e a ação dos Poderes Públicos".

Vê, nesse ramo do direito, o choque entre "os princípios e a contingência da atividade política". Ou seja: os princípios valem, mas não escapam das contingências internacionais. Esse ramo ainda é, em boa parte, o direito do mais forte.

O "direito" do mais forte explica porque cinco países se asseguraram, na metade do século 20, o direito de vetar discussões ou decisões do Conselho de Segurança da ONU. Mais que isso: bastava que um, entre cinco países (Estados Unidos, Rússia, Inglaterra, França e China) não comparecesse à reunião do Conselho, para afirmar o veto.

Nesse campo é expressivo que a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (hoje a Rússia) opôs 105 vetos.

A transferência da decisão do Conselho para a Assembleia Geral não teve efeitos radicais. Melhorou a situação, mas apenas em parte. Repetindo um dito antigo, a ONU não é mais aquela.

A presidente da República certamente foi informada, com antecedência, desses efeitos e dos percalços resultantes, bem comuns na história recente. Mesmo assim, foi bom que Dilma se manifestasse, com sua dose de energia, embora tenha mais condição de repercutir em nosso país, que no exterior. Neste, as cartas do resultado estão marcadas antes mesmo que o jogo comece.

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