segunda-feira, setembro 16, 2013

Golpe na Energia Verde - ANA LUIZA DALTRO

REVISTA VEJA


Ao vender gasolina subsidiada, o governo quebrou a indústria do etanol, o combustível limpo e 100% nacional


Há cinco anos, nenhum empresário se arrisca a investir dinheiro para construir uma usina de etanol no Brasil. A venda do álcool nas bombas vem caindo, e 41 unidades de produção deixaram de funcionar desde 2008. A crise do combustível verde já levou à demissão de 45.000 trabalhadores. A quebradeira nas usinas faria supor que a Petrobras estaria acumulando lucros crescentes, vendendo mais gasolina e diesel. Nada mais errado. Forçada pelo governo a postergar reajustes, a estatal tem amargado prejuízo mensal de 1 bilhão de reais com a comercialização dos combustíveis. Desde 2011, a perda alcança 38 bilhões de reais, um montante equivalente a um terço dos 120 bilhões de reais obtidos com a venda de ações em 2010. Quanto mais a Petrobras vende, mais ela perde dinheiro. Incapaz de atender ao aumento do consumo, a empresa, aquela mesma que há poucos anos festejava a autossuficiência, precisa importar volumes crescentes de combustíveis e os distribui no mercado interno a um preço subsidiado.

O Brasil sonhou se tomar a Arábia Saudita da energia verde ao ser o primeiro país a utilizar em larga escala um combustível renovável. Depois, com a descoberta das reservas do pré-sal, imaginou ser um grande exportador de petróleo. A política de preços dos combustíveis, entretanto, obteve o mérito duplo (e duvidoso) de ter arruinado as perspectivas de investimentos no etanol ao mesmo tempo em que retardou a exploração do petróleo. Espera-se que o governo autorize, nos próximos dias, uma alta em torno de 5% para a gasolina e o diesel. A defasagem, contudo, está hoje em 30%. Tamanha alta teria impacto de 1 ponto porcentual na inflação, que subiria para além do teto da meta de 6.5% ao ano. O governo, em vez de controlar a inflação com medidas duras mas perenes, como o aumento mais rápido na taxa de juros e um corte profundo nas despesas públicas, optou pelo atalho canhestro da manipulação de preços. Resultado: quebradeira em série de usinas e queima de recursos que a Petrobras deveria usar na exploração do pré-sal.

"Não precisamos de subsídios. Tudo o que o setor do etanol pede é uma política racional de formação de preços para a gasolina, compatível com o mercado e com a real demanda", afirma Elizabeth Farina, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única). Estimativas do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) mostram que o potencial de consumo de etanol seria da ordem de 34 bilhões de litros. O volume é o triplo do que deverá ser vendido em 2013. Ao mesmo tempo, a importação de gasolina nos sete primeiros meses do ano foi de 2,5 bilhões de litros, um aumento de 400% em relação a 2010. Segundo Adriano Pires, diretor do CBIE e um dos maiores especialistas do país no setor de energia, desatar os nós da indústria do etanol e do petróleo exigiria elevação de pelo menos 20% no preço da gasolina e do diesel, um índice considerado inviável politicamente.

"Políticas de congelamento são sempre fáceis de adotar, porque dependem somente da vontade do governo", afirma Pires. "O difícil e" desembarcar de uma política populista como essa."

O Brasil, assim, fica exposto a uma fragilidade que já parecia ter superado. Nos anos 70, o país viu seu milagre econômico ser abreviado pela crise do petróleo. Houve racionamento de combustíveis, e os gastos com as importações arrasaram com a balança comercial. Da crise nasceu o Pro álcool, plano que contou com seus anos de glória. A maior parte dos carros feitos no país rodava movida a etanol. Em meados dos anos 80, entretanto, a queda nas cotações do petróleo derrubou o preço da gasolina, e ter carro a álcool se tornou um mico. A ressurreição do etanol veio com a tecnologia flex. Agora, mais uma vez, o combustível verde tem seu futuro posto à deriva. Apenas grandes produtores, que também operam na distribuição, como a Cosan, estão conseguindo lucrar com o etanol. "O prejuízo não é somente dos usineiros", diz Manoel Ortolan, presidente da Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul. "Perdem as empresas fornecedoras das usinas, os municípios onde elas estão instaladas, os trabalhadores e o meio ambiente." Para mitigar a crise, o governo concedeu benefícios tributários, incentivos incapazes de dar nova vida aos investimentos. "Sem foco a longo prazo, o governo quebra empresas e a própria continuidade da inovação tecnológica", diz Adriano Pires. "A política de controle de preços conseguiu, em um curtíssimo espaço de tempo, destruir dois ícones nacionais: a Petrobras e o etanol."

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