sexta-feira, setembro 20, 2013

Brasil perdeu o tempo que ganhou - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 20/09

Decisão do BC dos EUA dá "um tempo", um refresco para dólar e juros, mas Brasil já se atrasou


O BRASIL "GANHOU tempo" com a decisão do BC dos EUA de adiar o aperto da torneira de dinheiro que jorra na economia americana e global, diz-se. O Brasil e outros países enrolados com problemas de excesso de consumo (deficit externo, inflação), tais como Índia, Turquia, Indonésia e África do Sul, chamados de "five fragile", os cinco frágeis, os cinco fracotes, por um bancão americano.

Uhm.

Ganhamos tempo mesmo? Temos tempo de usar esse tempo? O que faremos com ele? Estas colunas não são lugar conveniente para poetices, mas o tempo que o Fed em tese nos concedeu parece com os cacos da vida do Drummond. Colados, formam uma estranha xícara: sem uso, ela nos espia do aparador.

A indecisão do BC americano, o Fed, adia para algum momento deste final de ano ou de 2014 o aperto de um gatilho que, em suma, vai detonar uma alta de juros quase mundial e uma valorização do dólar.

Grosso modo e no melhor dos casos, isso vai implicar um rearranjo econômico que vai reduzir a renda média do trabalho, adicionar uns pontos extras nos juros por aqui e, se não quisermos dar com a cara no muro, um aperto do gasto do governo.

Como já estávamos atrasados na tarefa de fazer os rearranjos econômicos necessários para enfrentar essa transição de modo menos doloroso, quase tanto faz a indecisão do Fed. Que tempo então ganhamos?

Em tese, o preço do dólar toma um sedativo temporário. A inflação, em tese, sobe menos. Um tico menos. O BC do Brasil, ora com a faca no pescoço e água pelo nariz, atinge pois sua meta de inflação: uns centésimos menor que a do ano passado. E daí? Daí, nada. Doura-se politicamente a pílula, mas continuamos com os mesmos problemas, dos mais cotidianos, conjunturais, aos mais "estruturais".

Nem se considerou aqui a hipótese de que a indecisão do Fed acabe por provocar mais instabilidade e problemas mais esquisitos, dado que os donos do dinheiro grosso ("mercados") estão perdidos como o cão em dia de mudança. Vão atirar para cima ou para baixo? De qualquer modo, mais dia, menos dia, daqui até 2014 a confusão a respeito de juros e câmbio voltará.

De lascar também são os argumentos de conveniência, ad hoc, que brotam do governo a cada virada da biruta monetária americana.

O fim do relaxamento monetário americano, o torneirão de dinheiro do Fed, não seria um problema, dizia-se até anteontem, mas uma solução para o Brasil e o mundo, pois significava a retomada dos EUA.

Bem, o Fed não apertou seu torneirão porque a inflação deles anda baixa (sinal de economia fraca), porque os empregos oferecidos ainda são poucos e ruins e porque haverá palhaçada no Congresso deles a respeito do Orçamento, o que pode prejudicar o crescimento. Logo, a situação parece pior, certo? Não. Agora se diz que "ganhamos tempo".

Na verdade, estamos perdendo os últimos tempos do governo Dilma 1. O país não fez ajuste econômico, não fez rearranjos institucionais ("reformas", qualquer uma, de "esquerda" ou "direita") e agora gasta suas últimas horas com o desarranjo das privatizações, a última bala de Dilma 1. As concessões mais fáceis, de rodovias, encalacraram, a das ferrovias ficarão para as calendas, as demais ficaram desenxabidas.

E assim passou o tempo que nos foi dado sobre a Terra.

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