sábado, agosto 17, 2013

Partidos e direito: a confusão - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SP - 17/08

Costumes mudam com a velocidade do trem bala, enquanto o direito continua como os velhos trens


Quando se recomeça a pensar em partido político e nas novas iniciativas do momento atual, com os conflitos diários, individuais e coletivos, cresce a curiosidade do profissional do direito quanto aos desencontros políticos.

Exemplo: um partido tem dificuldades em se registrar. Por quê? Para você registrar um partido político e qualquer outra forma de sociedade civil, o ritual do início é o mesmo.

Uma distinção constitucional é importante. A Carta Magna diz que os partidos políticos adquirem a personalidade eleitoral depois de registrados no Tribunal Superior Eleitoral (Constituição, art. 17, parágrafo 2º), sob cuidados indicados no Código respectivo.

Tanto o partido como, por exemplo, uma sociedade esportiva obedecem a chamada Lei dos Registros Públicos --de meu permanente interesse profissional.

Essa norma regula, entre outros, os registros de associações civis, organizações religiosas, fundações e, neste caso, os partidos políticos.

Cabe a pergunta do leitor: se a coisa é assim tão formal, com dois tipos de registros especiais, como se explicam tantos "partidinhos" que parecem destinados a composições espúrias, chegando ao que se tem chamado de aluguel de legendas. Embora muito criticada, nem por isso foi abandonada.

O principal veículo da desmoralização do partido político vem de seu principal instrumento de operação: a liberdade de opção entre políticas, ideais marcados e permanentes, mais diversos, sob a garantia do sistema democrático. Esse se assentou na terra brasileira e vive hoje em inovada realidade histórica. Após a independência, mantida na República, a liberdade democrática foi restrita. Essa é a primeira vez em que se assinala, durante tantos anos seguidos, a persistência do poder democrático e republicano, eleito pelo povo. Menos de 30 anos de democracia, nos pouco mais 190 anos de vida independente.

Agitação política atual, manifestações populares, reclamações coletivas, hoje predominantes --e necessárias quando afastados os maus elementos infiltrados, que facilitam o retornar à ditadura-- é um preço a ser pago.

A história do direito, a confirmação do caminho da livre manifestação, mostram que os fatos sociopolíticos não são um conjunto de linhas retas, no mesmo rumo: a preservação democrática é essencial.

O motor da velocidade na atual transformação nasceu da eletrônica. O direito e a sociedade não se adaptaram, senão lentamente. Costumes e comportamentos se transformaram, no século 20, com a velocidade do trem bala, enquanto o direito, apesar dos esforços de adaptação, continua como os velhos trens de subúrbio. O descompasso das velocidades gera a confusão.

O leitor reclamará da lentidão que sacrifica as gerações destes decênios. Terá razão. Para quem estuda a história dos direitos, a lentidão é o único fenômeno permanente em episódios sucessivos. Parece com barreiras que resistem muito à água acumulada. No excesso, quando se rompem, é de uma vez. A história também é assim.

Estas notas nem parecem jornalísticas, das que vivem no dia a dia da vida, mas são as que se pode depreender do curso do tempo. A confusão do direito na sociedade se resolve na história. É dever de todos contribuir para ativar a democracia. Com dignidade.

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