domingo, julho 28, 2013

O câmbio vai continuar a se desvalorizar - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 28/07

O movimento no câmbio produzirá queda de renda nas famílias; a vida não será fácil para o próximo governo


A trajetória do câmbio nos próximos anos será de desvalorização. A depreciação não será somente para compensar a maior inflação doméstica em relação às moedas de nossos parceiros comerciais.

Observaremos nos próximos anos uma trajetória de desvalorização do real acima da que ocorreria apenas para neutralizar a diferença de inflação. Em economês, pode-se dizer que teremos uma desvalorização do câmbio real.

Os oitos anos da Presidência de Lula foram de forte valorização cambial. O câmbio nominal foi de R$ 3,5 por dólar, na virada de 2002 para 2003, até R$ 1,6, em junho de 2008. Entender os motivos que produziram essa espetacular trajetória de apreciação da moeda ajuda a desenhar cenários para os próximos anos.

Um primeiro ponto importante é notar que a maior parte da valorização do câmbio foi um fenômeno de equilíbrio de longo prazo. Isto é, o movimento do câmbio nominal pode ser bem descrito por movimentos de outras variáveis associadas à dinâmica cambial.

Nesse sentido, apesar de valorizado, o real não esteve em lugar errado. Mas quais são os determinantes do câmbio no longo prazo?

A dinâmica cambial de longo prazo depende essencialmente de três variáveis: o passivo que o país tem contra o resto do mun- do (chamado em economia de passivo externo líquido), os termos de troca (relação entre preço das exportações e importações) e os ganhos de produtividade.

Quanto menor o passivo líquido contra o resto do mundo, quanto melhores os termos de troca e, quanto maior a produtividade, mais valorizado será o câmbio.

O período de janeiro de 2003 até meados de 2011 pode ser dividido em três subperíodos. No primeiro, em razão do forte ajuste fiscal do segundo mandato de FHC e dos anos iniciais de Lula na Presidência e da fortíssima queda do investimento em 2003, tínhamos superavit em conta-corrente. A redução de demanda doméstica aumenta a exportação e reduz a importação.

O superavit externo atingiu quase 2% do PIB em meados de 2005, contribuindo para que o passivo externo líquido caísse.

A partir de 2005, à medida que o superavit externo começou a cair, a taxa de crescimento da economia acelerou-se. Adentramos o segundo subperíodo da valorização cambial. O crescimento mais forte reduziu o passivo externo líquido como proporção do PIB, mesmo com um superavit em transações correntes menor.

Finalmente, a partir do momento em que nosso crescimento foi interrompido em seguida à crise de 2008, o novo padrão de retomada da economia mundial --China e emergentes à frente e economias centrais no chão-- promoveu forte ganhos de termos de troca para o Brasil.

Diferentemente do que se acredita, os ganhos de termos de troca no período anterior à crise foram pequenos, da ordem de 6%. Os fortes ganhos de termos de troca no período pós-crise, que atingiram 25%, mantiveram o câmbio em trajetória de valorização, apesar de a economia estar crescendo pouco e já apresentar deficit externos.

Mais recentemente, toda essa dinâmica, ligada ao período de valorização cambial, inverteu-se. Hoje, temos deficit externo na casa de 3% do PIB, crescimento de 2% e termos de troca estáveis, com elevada probabilidade de queda em razão de uma possível redução mais acentuada de crescimento na China.

A combinação de crescimento mais fraco com deficit externo maior produzirá necessariamente a elevação do passivo externo líquido. Maiores valores para o passivo externo líquido forçosamente desvalorizarão ainda mais o câmbio.

O processo será lento, pois a maior parte de nosso passivo contra não residentes é denominado em nossa moeda. Consequentemente, o próprio processo de desvalorização do real reduz o passivo em moeda externa e minora o efeito sobre o câmbio. No entanto, enquanto experimentarmos a combinação de deficit externo elevado com crescimento baixo, vamos acumular passivo contra o resto do mundo.

O movimento que ocorrerá no câmbio ajudará a indústria de transformação a recuperar seu dinamismo, mas certamente produzirá queda de renda nas famílias brasileiras. A vida não será fácil para o próximo governo.

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