segunda-feira, julho 15, 2013

Eu ia falar de flores - LYA LUFT

REVISTA VEJA


Hoje eu ia falar de flores, pois nem só de indignação, por mais justa que seja, a gente vive. Que toda indignação, ainda que abençoada, seja na medida sensata quando é possível. E com a necessária dose de emoção, pois a emoção é um bom motor de boas causas, desde que não seja irracionalmente conduzida. Teremos ou não novas manifestações enormes; mas certamente teremos manifestações de vários grupos, profissões, indivíduos. Todo mundo quer que o Brasil melhore, e não vou mais uma vez enumerar itens como condições de trabalho, saúde, educação, segurança e dignidade — isso todos sabemos.

Mas nisso estoura a bomba: em lugar de melhorar as condições da saúde pública, com mais e melhores hospitais, melhores salários, melhores condições de trabalho e mais estímulo a quem diariamente salva vidas, eis que a classe médica é castigada — mais dois anos de estudo trabalhando obrigatoriamente no SUS (vai equivaler a uma residência?), e milhares de estrangeiros entrando sem revalidar seu diploma. “Serão supervisionados por médicos brasileiros”, dizem. Mas então nesses lugares remotos, para onde os estrangeiros serão mandados, existirão médicos brasileiros? E de onde virá a dinheirama para tudo isso — que poderia melhorar o que já existe e grita por socorro?

Mas hoje eu queria falar de flores: da solidariedade humana, por exemplo. Dos que acompanham um amigo em sua aflição; que doam parte de seus bens a causas boas; que trabalham cuidando dos aflitos, e doentes — mesmo ganhando mal, e sem o necessário para que tudo saia bem; os que pensam e refletem sobre o valor da vida. Falar sobre uma entrevista com o senador Pedro Simon, o Pedro, como dizemos por aqui, imagem do político honrado possível. Nesse mar de desalento atual, quando se mente e se promete em tamanha profusão, ver e ouvir essa entrevista foi um alento. Não convivo com ele, tenho vagos contatos com sua família, acompanhei um pouco suas tragédias pessoais e, com enorme admiração, também sua transformação numa pessoa ainda melhor. Sua carreira política é uma raridade, como poucos outros: um bom punhado deles poderia transformar este país.

Falar de flores é também falar nas amizades: algumas me ajudaram a sobreviver a dramas pessoais quando eu achava impossível, e combinava comigo mesma: “Só mais este dia. Só até a noite. Só mais 24 horas”, como os anônimos heróis do AA que às vezes levam essas 24 horas por uma vida inteira. Meus filhos, então já adultos, foram e são dessas amizades inestimáveis. Falar de flores é falar daqueles que, em qualquer profissão, estudo, ramo, buscam a excelência. Não para ser admirados, não para virar celebridade ou enriquecer, mas pelo amor ao que fazem, e porque a vida merece, eles mesmos merecem buscar o melhor. Sem esquecer o tempo de amar e curtir a vida, jamais sendo como alguém que me disse certa vez: “Eu não tenho tido nem o tempo de uma risada”, e me deu vontade de pegar no colo.

Falar de flores é falar das rosas do jardim de minha mãe, com nomes solenes e perfumes inesquecíveis. É falar de uma infância simples e protegida numa cidade entre morros azuis, onde todo mundo se conhecia, tudo parecia tão fácil, tão certo e definitivo: a ideia de perda e finitude não existia. Mas é também falar de coragem e coerência. Conheci pessoas que por suas ideias sacrificavam uma forma de vida que estava à sua disposição — porém elas preferiam a coerência: não o carrão do ano, não o hotel de luxo, não as festas mais chiques, não as gentes famosas, o dinheiro e o poder, mas o humano.

No meio dos milhares de brasileiros que nestes dias saem às ruas mostrando seu descontentamento, sua indignação ou sua esperança, a grande maioria é assim: busca o que é digno, e justo, o que foi prometido e não cumprido, o que é necessário para se orgulhar do país. para trabalhar com gosto e recompensa razoável, por tudo isso que faz a vida, o trabalho, a família, o cansaço, a honradez valerem a pena. E, mesmo mencionando algum desastre, eu afinal falei de flores.


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