segunda-feira, abril 22, 2013

Com quantos reais se faz um omelete - OLIVIER ANQUIER

FOLHA DE SP - 22/04

A primeira pergunta a fazer é: 'Por que a pessoa saiu de casa para pedir um omelete?'. Provavelmente pelo prazer de comer num lugar com alma


Com este texto, gostaria de demonstrar minha indignação e tristeza diante da atitude agressiva e covarde de um site de denúncia que aponta o dedo destrutivo para "lugares que cobram demais e entregam de menos" e cuja atividade descobri lendo uma reportagem de três páginas no caderno "Comida" desta Folha, no último dia 17.

Realmente não acredito que um indivíduo saia de sua casa só para comer um ovo frito ou um omelete acompanhado de arroz branco e couve num restaurante como o Dona Onça e pagar de três a cinco vezes o preço que pagaria se o cozinhasse em casa.

A primeira pergunta a fazer é: "Por que a pessoa saiu de casa para pedir um omelete no Dona Onça?".

Provavelmente pelo prazer de sair para se divertir, de comer um omelete de qualidade, em um estabelecimento que um empresário corajoso idealizou, apoiando-se em anos de trabalho para montar um lugar agradável, com alma.

Um estabelecimento onde alguém (a dona, muitas vezes) vai preparar ovo com arroz e couve, servido por um garçom atencioso --pois esse indivíduo exige tal qualidade.

Ademais, há que considerar a tranquilidade relativa --uma vez que os governos não são capazes de provê-la-- proporcionada por seguranças na porta do estabelecimento, pelo manobrista, por toda a infraestrutura de conforto adquirido que o indivíduo veio buscar.

Esses são os primeiros aspectos a justificar por que este indivíduo pagaria um preço diferente em tal ou qual lugar --ou outro se, simplesmente, fizesse o ovo em sua casa.

Há que levar em conta ainda o custo da matéria-prima, adquirida de fornecedores escolhidos a dedo, após minuciosa pesquisa, para oferecer ao indivíduo um bom omelete, preparado com um ovo de qualidade superior ao que ele encontraria no comércio local.

Que esse ovo seja bem mais caro que a média não justifica, porém, o troféu que São Paulo ergue como a cidade dos restaurantes mais caros do mundo; este se deve aos pesadíssimos impostos embutidos no preço final e seus impactos no custo da matéria prima --basta ver o tomate mais caro do mundo.

O custo estratosférico dos encargos e obrigações trabalhistas --e seus absurdos efeitos colaterais, como processos sistemáticos, sistematicamente perdidos, com indenizações de cifras irreais (e sublinho que não se debate aqui o mérito das decisões jurídicas, mas sim os altíssimos valores das indenizações)-- é um capítulo à parte.

Há, também, a obrigatoriedade de contratar batalhões de garçons para suprir a total falta de capacitação profissional e atingir o atendimento esperado pelo indivíduo.

E atenção: esta análise refere-se exclusivamente aos custos do salão, sem colocar na conta as despesas com toda a infraestrutura escondida do público: cozinha, estoque, administração, advogados, nutricionistas, contadores, fornecedores --e, além dessas, as consequências das calamidades, que vão de são Pedro aos cortes de energia.

É evidente que não se procuram as mesmas coisas na casa de comida nordestina da Galeria Metrópole e no Dona Onça no Copan; no bistrô de Alex Atala e na galinhada do estádio da Portuguesa; no McDonald's e na Lanchonete da Cidade. Esta é uma falsa comparação.

Todos esses argumentos justificam que o preço que você vai pagar pelo omelete com uma concha de arroz branco e um punhado de couve do Dona Onça seja muito superior aos R$ 8 que gastaria nos insumos para cozinhá-los em casa e comê-los sozinho, em silêncio, na companhia da TV.

Concluiria perguntando: por que tanta agressividade dirigida a esses guerreiros da economia de serviços do Brasil, homens e mulheres, às vezes famílias inteiras que ousaram enfrentar o risco? Pois somente a obstinação e a coragem movem-nos a colocar em ação a monstruosa máquina que é uma empresa para a satisfação do seu público.

Por fim, gostaria de deixar claro que, de maneira nenhuma, me queixo do sistema que assumi, como assumi ser brasileiro. Mas me revolta esse "neoterrorismo" eletrônico covarde e destruidor. Vamos construir: enquanto isso a gente se vira.

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