sexta-feira, abril 05, 2013

Autoridade só serve para dizer não - BARBARA GANCIA

FOLHA DE SP - 05/04

Como os seguranças da Kiss poderiam ter ajudado se nunca foram favorecidos por quem usa farda?


NA SEXTA-FEIRA da Paixão, esta herege que vos fala conseguiu manter distância da suculência da picanha só para terminar o dia sucumbindo à tentação de enfiar o pé na lama do show de música no Jockey Club paulista.

Alguém que tenha ido ao Lollapalooza poderia me informar onde foi que eles colocaram os cavalos?

Brandon Flowers de boca em "Mr. Brightside"; Flaming Lips tocando na vizinhança de casa; só sendo muito blasé para colocar defeito numa noite com isso mais Cake e Passion Pit ao alcance da mão.

Mas foi lá, dentro de um camarote onde os bonitos ficam se hidratando de energético e fazendo fila VIP na porta do banheiro (em que também não há água na privada, igualzinho aos banheiros químicos do lado de fora), que a ficha caiu sobre um assunto bem mais sombrio.

Nesta semana, o Ministério Público do Rio Grande do Sul denunciou oito pessoas pelo incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, tragédia que matou 241 jovens, deixou dezenas de feridos, destruiu a vida de um sem números de famílias e comoveu até o papa Francisco.

Sabemos que o drama poderia ter sido evitado se certas normas tivessem sido observadas e conhecemos a sede por justiça que uma situação absurda dessas, em que vidas de jovens são interrompidas com tamanha violência, desperta.

Daí talvez a quantidade de indiciados e a pressa que levou a denúncia a ser apresentada. Não sei, não, mas pode tanta gente assim ser responsabilizada pelo crime, se crime houve, inclusive o sujeito da banda -que sempre se apresentava usando fogos de artifício e teve um dos membros entre os mortos?

Por que questiono a condução do inquérito ou a forma pela qual assimilamos este caso?

Marcou muito o fato de que os seguranças da Kiss não deixaram os jovens saírem da casa, não é mesmo? Pois chovia durante o show dos Killers no Lollapalooza e eu resolvi assistir à apresentação do terraço do camarote para o qual fui gentilmente convidada.

Em um dado momento, o tempo melhorou e eu desci. Chegando ao pé da escada, encontrei um segurança postado diante de dois tipos que eu conhecia e tentavam subir. "Não", dizia ele. "São ordens, por motivos de segurança". Certo. Ninguém quer repetir Santa Maria ou ser multado. Conhecemos a nata dos fiscais da prefeitura, não é mesmo?

Ofereci ajuda: "Estou indo embora com minha amiga, somos duas, pode deixar entrar dois, a capacidade fica igual, o público só enfeia".

Sujeito não piscou. "Recebi ordens, não é para deixar ninguém subir enquanto não liberar."

Não importa se for recepcionista, porteiro ou leão de chácara. Basta conceder autoridade de qualquer grau a quem sempre sofreu discriminação para que você esbarre em um muro. Camarada não faz por mal ou por prepotência.

Mas ele nunca irá agir para favorecê-lo, para ajudar ou flexibilizar. Pense comigo. Sob a ótica desse indivíduo que está lá uniformizado na sua frente, autoridade serve exclusivamente para castigar, dificultar, proibir ou para ser de alguma forma tremendamente desagradável. Ao menos, na vida dele, foi para isso que sempre serviu. Como é que ele pode conceber que seja diferente?

Como é que os seguranças da Kiss entenderiam que estavam ali para facilitar a vida dos clientes se nunca na vida foram favorecidos por alguém de farda, seja num hospital, numa repartição pública ou muito menos em alguma delegacia?

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