domingo, março 24, 2013

Político só pega no tranco - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 24/03

A Itália começa a mexer no custo de seus políticos, para reduzi-lo, ao contrário do que se faz no Brasil


Há um mês, escrevi neste espaço um texto cujo título era "Itália, mas pode chamar de Brasil".

Tratava do teor elevado de corrupção cá como lá.

Agora, torço para poder escrever o quanto antes algo com o título invertido: "Brasil, mas pode chamar de Itália".

Explico: os novos presidentes da Câmara de Deputados e do Senado italiano, Laura Boldrini e Pietro Grasso, respectivamente, acabam de assumir seus postos com a simbólica determinação de cortar em 30% seus vencimentos. O objetivo de ambos é mais ambicioso: reduzir pela metade os gastos do Parlamento.

É exatamente o contrário do que se está fazendo em Brasília.

Na Itália, Boldrini e Grasso estão anunciando medidas que fazem parte de qualquer lista de desejos do eleitor brasileiro a respeito de seus próprios parlamentares, a saber:

1 - Renunciarão à residência oficial a que têm direito, para que elas sirvam para "atividades institucionais";

2 - Propuseram aos líderes de todos os grupos parlamentares cortar as mordomias associadas à atividade política, generosas cá como lá;

3 - Dobrar, de 48 para 96 horas, o turno de trabalho semanal dos parlamentares, que teriam que cumprir jornadas de cinco dias. No Brasil, como se sabe, os parlamentares federais trabalham três dias por semana, se tanto, com as exceções de praxe.

Nem Boldrini nem Grasso são políticos profissionais, permanentemente inclinados a legislar em causa própria. Ela foi porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados e ele é promotor, encarregado de casos antimáfia.

Claro que é preciso verificar se os bons propósitos da dupla serão de fato implementados, mas parece claro que o choque eleitoral dado pela espetacular votação do Movimento 5 Estrelas, antiestablishment político, sacudiu os políticos italianos.

Na Sicília, em outro exemplo, a Assembleia Regional aprovou a abolição das províncias, instância administrativa que só faz acrescentar o custo da política.

No Brasil, ocorre sempre o contrário: criam-se Estados e/ou municípios, com o correspondente custo da estrutura político-administrativa, embora incontáveis municípios só sobrevivam graças à transferências estaduais ou federais.

O exemplo italiano demonstra claramente que só há uma maneira de abalar o mundo político: sair do virtual para o real.

O M5S nasceu na internet, mas se atreveu a disputar eleições e, durante a campanha eleitoral, ousou lotar praças públicas de todo o pais. Tornou-se o partido mais votado para a Câmara, embora perca para agrupações tradicionais porque se apresentou sozinho e, estes, em coligações.

Quem duvida da eficácia da rua que ouça o presidente Barack Obama, em discurso em Israel: "Falando como político, posso garantir que líderes políticos não correrão riscos se as pessoas não demandarem que o façam. Você tem que criar a mudança que você quer ver".

Tradução livre: ou se tira o bumbum da cadeira ou fica tudo como está.

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