segunda-feira, março 25, 2013

As viagens de Lula - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 25/03

O suporte financeiro de empreiteiras causa constrangimento moral e provoca danos à imagem que o ex-presidente construiu como líder sindical e ocupante do mais alto cargo da República.


Na condição de ex-presidente, o senhor Luiz Inácio Lula da Silva tem todo o direito de viajar para onde quiser e de cobrar o valor que entende valerem suas apresentações no país e no Exterior. Também não há ilegalidade alguma no fato de que suas viagens são financiadas por grandes empreiteiras que fizeram negócios com o setor público durante seu período no governo e continuam a prestar serviços à União. O que se pode questionar é a moralidade dos subsídios, uma vez que Lula mantém forte poder de influência sobre o atual governo, sobre parlamentares e sobre os integrantes de seu partido, em especial os que ocupam altos cargos no poder central de Brasília. É preocupante, nesse sentido, o levantamento apresentado pelo jornal Folha de S. Paulo, segundo o qual, desde 2011, as empreiteiras bancaram 13 das suas 30 viagens à África e à América Latina.
Pode-se argumentar, a favor do ex-presidente, que ex-ocupantes de cargos públicos dedicam-se a tarefas que se caracterizam claramente como lobby a favor de seus países ou de setores específicos. Há exemplos recentes de controvérsias, como a do sempre citado ex-vice-presidente americano Al Gore, que percorre o mundo em defesa do ambientalismo e já foi acusado de ser propagandista de interesses econômicos de grupos dessa área. São questões delicadas, que podem ser esclarecidas, quando caracterizam delitos, pelas instituições com tais atribuições. O caso que envolve Lula não caracteriza, pelas informações disponíveis, violação de leis.
Mas há, no mínimo, um constrangimento político, e o ex-presidente deve arcar com os custos de seu gesto à imagem que construiu, por décadas, como líder sindical, parlamentar e ocupante do mais alto cargo da República. É notório que o senhor Luiz Inácio Lula da Silva continua a exercer forte influência sobre os atos do governo, com manifestações explícitas de proximidade com o Planalto e seu entorno, tanto no Executivo quanto no Congresso. Está documentado, em alguns relatórios dos escritórios da diplomacia brasileira nos países visitados, que o ex-presidente agiu diretamente, junto a autoridades que o recepcionaram, no sentido de remover obstáculos ou abrir portas a empresas brasileiras. Não por acaso, os grupos envolvidos nas negociações, que tinham ou ainda têm interesses nos países visitados, eram os financiadores da missão particular do ex-mandatário.
Compreende-se que alguém com as virtudes de Lula, depois de tanto tempo no poder, passe a utilizar sua capacidade de se expressar para proferir conferências, como vem fazendo. Também é natural que um ex-presidente com talento para a articulação faça, por desprendimento e civismo, a defesa dos interesses nacionais. Mas não há como aceitar sem ressalvas a interferência em nome de setores específicos, e com o suporte financeiro dos diretamente interessados, quando se sabe que o ex-presidente não mantém distanciamento das decisões palacianas. As viagens que contribuem para a difusão do bom momento brasileiro podem dispensar ajudas desabonadoras de reputações.


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