quarta-feira, março 20, 2013

A faxina do Papa Francisco - ELIO GASPARI

O GLOBO - 20/03

A tarefa do ‘fratello’ parece grande, mas é simples; basta que use seus poderes de monarca absoluto


O Papa Francisco assumiu três reinados. Um, espiritual, alcança 1,2 bilhão de pessoas. Outro relaciona-se com a estrutura mundial da Igreja, com cerca de 3 mil bispos e um milhão de padres e religiosas. Finalmente, vem o Vaticano, com a Cúria Romana.

Certa vez perguntaram a João XXIII quantas pessoas trabalhavam na Cúria e ele disse: “A metade.” São 3 mil pessoas, respondendo a uma dezena de cardeais, e a centenas de monsenhores. Apesar da pompa e da fama, a receita da Cúria Romana (cerca de R$ 700 milhões) é menor que a da prefeitura de Nova Iguaçu (R$ 1,1 bilhão). Ela tem um braço financeiro no Banco do Vaticano, cujo ativo (R$ 16 bilhões) o coloca como um tamborete diante do Itaú (R$ 1 trilhão). Sua força está no poder que irradia.

Os papas mantêm imperial distância em relação a esses negócios, delegando-os a colaboradores próximos. Ao tempo de João Paulo II, o monsenhor poderoso na Cúria era seu secretário, Stanislas Dziwisz, atual arcebispo de Cracóvia. Com Bento XVI, veio o monsenhor Georg Ganswein, apelidado de “George Clooney do Vaticano”. Em torno do Papa circulam questões espirituais e iniciativas diplomáticas, mas frequentemente ele se vê atropelado por roubalheiras e intrigas municipais numa corte onde o poder dos cardeais vem de conexões típicas da política italiana, a do “bunga-bunga” Berlusconi.

Pela essência espiritual da Igreja Católica e pelo caráter absolutista de sua monarquia, tudo o que acontece no mundo acaba naquilo que se costuma considerar a “crise da Igreja”. Se o arcebispo de Boston ou de alguma diocese brasileira protegia pedófilos, o malfeito vai para a conta dessa crise.

Se o contínuo do prefeito de Nova Iguaçu furtar papéis de sua mesa, isso talvez não chegue a ser notícia sequer nos jornais do Rio de Janeiro. Quando o mordomo de Bento XVI varejou sua mesa, o que apareceu de mais estarrecedor foram as queixas do monsenhor Carlo Maria Viganó, secretário-geral da administração da Santa Sé. Por trás da campanha contra o padre estava o dedo do secretário de Estado, cardeal Tarcisio Bertone. Pela qualidade e pelo montante envolvido, a irregularidade era um amendoim se comparada ao escândalo dos Legionários de Cristo, do padre Marcial Maciel, quindim da plutocracia mexicana e de cardeais sobre os quais aspergia doações, um pedófilo promíscuo, que deixou seis filhos. Sua punição por Bento XVI foi severa, mas poderia também ter sido exemplar se tivesse exposto o exemplo, expondo suas relações em Roma. Bolas como essa estão quicando para o Papa Francisco chutar.

Os cardeais italianos que vivem na política da Santa Sé são constrangedoramente municipais. Angelo Sodano, o poderoso secretário de Estado de João Paulo II, levou um ano para desocupar o gabinete quando Bento XVI substituiu-o por Bertone que, por sua vez, não fazia seu serviço. Os chefes da segurança do Pontífice movem-se com um desembaraço sem similar nas democracias europeias.

As tramas e os interesses materiais da Cúria são chinfrins. Superfaturaram até um presépio da praça de São Pedro. Estendem-se sobre obras, eventos, verbas hospitalares, orçamentos de escolas, viagens, mordomias e proteções. Para limpar Roma basta jogar detergente.

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