segunda-feira, fevereiro 18, 2013

Globalização vitoriosa - MARCELO DE PAIVA ABREU


ESTADÃO - 18/02



Depois de mais de 40 anos, voltei a visitar Edimburgo, a magnífi­ca capital escocesa. Juntamente com Glasgow, a cida­de ocupou lugar proeminente na vitória intelectual do livre comér­cio sobre o mercantilismo, da ideia revolucionária de que co­mércio internacional traz benefí­cios mútuos a comprador e vende­dor. Parece incrível que, passados dois séculos e meio, a ideia ainda enfrente dificuldades de prospe­rar, especialmente entre nós e al­guns de nossos vizinhos.

A pujança intelectual da Escó­cia entre 1730 e 1790 é impressio­nante. Tem origens obscuras, em­bora certamente aparentadas ao calvinismo local e ao menor anal­fabetismo infantil da Europa. David Hume (1711-1776), Adam Fer- guson (1723-1816) e Adam Smith (1723-1790) são hoje universal­mente conhecidos, mas o Iluminism. Escocês envolveu muito mais do que avanços filosóficos que convergiram para a consolidação da economia política e da so­ciologia: MacLaurin e Gregory, na matemática e na atuária; James Hutton, fundador da geologia mo­derna; Joseph Black e James Watt, pioneiros na química e na máquina a vapor. A escola médica era a mais reputada do mundo. Os irmãos Adam e Henry Raeburn são marcos na arquitetura e na pintura. James Boswell tomou-se referência literária mundial com a biografia do doutor John­son e seus diários reveladores.

Algo surpreendente - dado es­se retrospecto -, Edimburgo, no começo dos anos 70, na minha pri­meira visita, era uma cidade qua­se provinciana, com a oferta de bens e serviços dominada por dis­ponibilidades locais. Suas boas li­vrarias não compensavam a po­breza do cardápio tradicional, com o "haggis" - tripas de carnei­ro - em posição proeminente.

Passadas várias décadas, a transformação da Escócia e de Edimburgo foi radical. Na esteira do petróleo do Mar do Norte, a economia transformou-se. Os es­taleiros do Clydeside, as minas de carvão e a siderurgia quase de­sapareceram. Aumentou a impor­tância do setor serviços. Edim­burgo é um dos grandes centros financeiros europeus. Há quatro restaurantes estrelados no guia Michelin. Mesmo os indefectí­veis restaurantes de cadeia têm qualidade média muito acima do que era corrente nna década de 1970. A especulação imobiliária afetou partes tradicionais da cida­de, embora a "Milha Real" e a "Ci­dade Nova" (do século 18!) te­nham sido preservadas. As livra­rias, em compensação, pioraram bastante, tragadas pela preponde­rância das cadeias de âmbito na­cional e pela devastação causada pela internet.

O processo ilustra as tensões re­lacionadas ao processo de globali­zação, na esteira da redução dos custos de transação, incluídos fre­tes, tarifas de importação e dispo­nibilidade de informação.

A globalização gera ganhado­res e perdedores. Matéria recen­te do Financial Times, de 9/2/2013, contrasta a qualidade dos empregos criados pela Ama- zon nas antigas regiões mineiras no Reino Unido com a estabilida­de dos empregos "por toda a vi­da", típicos do passado. Hoje, a escolha da mão de obra não é en­tre a Amazon e a mina de carvão. É entre a Amazon e o desempre­go. Certamente, cabe ao Estado adotar políticas compensatórias que minimizem essas tensões. Mas não cabem grandes dúvidas quanto aos benefícios líquidos que resultam da globalização.

Nas ilhas britânicas haveria, em princípio, hoje, terreno fértil para que o nacionalismo econômi­co colocasse as mangas de fora. Na Escócia discute-se a indepen­dência, depois de mais de 300 anos de união com a poderosa vizi­nha, e haverá um plebiscito decisi­vo em 2014. Não se imagina que seja vitoriosa a alternativa de inde­pendência, mas há certa incerte­za. Para complicar as coisas, o primeiro-ministro britânico mencio­nou a possibilidade de consulta plebiscitaria em 2017 sobre a per­manência do Reino Unido na União Européia. Embora os críti­cos tenham encarado a proposta como jogo de cena, isso complica ainda mais o cenário político esco­cês. Mas, em nenhum momento, coube dúvida quanto à postura em relação à globalização. A ênfa­se é em inovação, e não em prote­ção e estatização.

A crise mundial iniciada em 2008 justificou a adoção em esca­la mundial de políticas de estímu­lo à demanda de corte keynesiano e, com muito menos justificativa, de políticas protecionistas, tendo como objetivo tentar transferir o ônus da crise para o resto do mun­do. O problema é que em muitos países em desenvolvimento, e cer­tamente no Brasil, os interesses protecionistas latentes se aprovei­taram do momento para promo­ver a ressurreição permanente de políticas que, depois de grande su­cesso até 1980, levaram o País à estagnação com inflação alta.

A estratégia de crescimento do atual governo brasileiro está ba­seada na volta à autarquia e neces­sita de persistente cunha entre os preços praticados no Brasil e os preços mundiais. Essa regressão ao mercantilismo não encontra eco nas economias que adotam políticas econômicas que façam sentido. A exceção é o mau exem­plo da França, que, a esta altura da partida, parece considerar se­riamente enfrentar a crise com mais estatização.

O governo brasileiro deveria buscar como exemplo para suas políticas a experiência das eco­nomias que tiveram mais suces­so em ajustar-se estruturalmen­te à globalização. Ou seja, olhar para Londres ou Edimburgo, e não para Paris.

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