terça-feira, fevereiro 19, 2013

Fazer política - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 19/02

Poucas coisas definem tão bem o mau exercício da política quanto a marquise desabada daquele hospital inaugurado pelo governador do Ceará, Cid Gomes, com show milionário de Ivete Sangalo. Já soava absurdo o pagamento de R$ 650 mil para festa de um hospital público, mas, quando se sabe que ele funcionava precariamente após a festança e, ainda por cima, desabou em parte um mês depois de inaugurado, temos retrato de corpo inteiro do que seja uma politicagem que explora a miséria no melhor estilo dos coronéis de antigamente.

Os novos coronéis da política brasileira manejam com maestria a tecnologia do marketing político e continuam usando o povo como massa de manobra. O governador do Ceará é o mesmo que dia desses viajou à Europa em jatinho privado pago com dinheiro público, levando sua mãe a bordo. E ficou tudo por isso mesmo. Ele é do PSB, o partido do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, mas tem uma política independente e deve ser usado pelo Palácio do Planalto para tentar implodir por dentro a candidatura de Campos à Presidência da República em 2014. Já está em negociações com o ex-presidente Lula para uma união de forças a favor de Dilma Rousseff, e nem mesmo seu irmão Ciro Gomes, ex-queridinho de Lula, está sendo aceito nesse complô.

Ciro não é nem Dilma nem Campos e pode acabar apoiando Aécio Neves, desde que o PSDB neutralize a ação política de José Serra, a quem Ciro Gomes tem ódio mortal. São assim os partidos políticos brasileiros, sem espinha dorsal, divididos em facções, cada qual liderada por um dos chefetes da sigla, em maior ou menor medida todos igualados ao PMDB, um condomínio de lideranças regionais que não têm qualquer projeto além de permanecer no poder o maior número de dias possível.

A paralisação do Congresso devido ao impasse dos vetos presidenciais faz com que se tenha a impressão de que a ação política dos partidos está incapacitada definitivamente. Mas há uma diferença entre a aparência de anomia e a realidade. O Orçamento da União estava para ser votado normalmente, após aprovado pela comissão própria, e foi uma manobra política da oposição que parou os trabalhos no Congresso, e, segundo a visão do governo, impede que ele seja aprovado até que o plenário do STF se defina sobre a questão dos vetos.

O ministro Luiz Fux, que determinou que os vetos devem ser analisados em ordem cronológica, impedindo que o veto da Lei dos Royalties fosse votado, acha que o Orçamento poderia ser votado normalmente, mesmo sem a solução dos vetos.

Isso quer dizer que estamos em pleno processo político de obstrução dos trabalhos, uma prerrogativa da oposição nos países democráticos. Por outro lado, o governo breca a votação do Orçamento para colocar pressão sobre o Supremo para uma decisão definitiva sobre os vetos que não coloque em perigo várias ações que podem dar prejuízo aos cofres públicos.

Juntem-se a esse impasse as pressões públicas contra os novos presidentes da Câmara e do Senado, especialmente o último, com um abaixo-assinado com mais de 1,5 milhão de assinaturas pedindo sua renúncia, tem-se a impressão de que a ex-senadora Marina Silva tem um nicho bastante amplo para explorar a antipolítica. No entanto, o último presidente da República eleito na contracorrente dos movimentos políticos acabou levando o país a uma crise institucional que foi resolvida pela própria política a que ele fingia se opor.

Para permanecer no topo, seja de que governo for, acordos são feitos e desfeitos ao sabor dos interesses daquele momento. Num ambiente desses, a coisa mais fácil é falar mal dos políticos e da política tradicional, como se houvesse solução fora dela. Uma solução só será encontrada no próprio exercício parlamentar, e o tempo ajuda a cicatrizar feridas ou a achar a solução para problemas que parecem insolúveis. A eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara parecia ter sido o momento mais baixo da atividade parlamentar, até que veio o mensalinho para desalojá-lo do cargo.


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