sábado, janeiro 12, 2013

O movimento de um tucano - LEONARDO CAVALCANTI

CORREIO BRAZILIENSE - 12/01


As ações de Geraldo Alckmin para enfrentar a onda contínua de violência em São Paulo foram insignificantes, se não equivocadas ao longo das três gestões no comando do estado. Depois de um semestre marcado pelo aumento no número de homicídios contra civis e policiais, uma nova chacina abriu 2013, com seis mortos e três feridos. Na lista dos investigados, servidores fardados, que deveriam proteger o cidadão. Uma demonstração da fragilidade ocorreu no episódio mais tenso desta gestão — a demissão do secretário de Segurança em novembro —, quando, na despedida, Alckmin resolveu elogiar o camarada, mesmo diante da crise instalada. Agora, algo parece ter mudado na perplexidade ininterrupta do tucano, que, de resto, é tão refém de policiais-bandidos quanto a maioria dos governadores.

Na última terça-feira, Alckmin decidiu adotar uma medida heterodoxa. Desde então, nas ocorrências com lesões corporais graves, tentativa de homicídio, latrocínio e sequestro com risco de morte, os policiais acionam de imediato uma equipe de resgate, o Samu ou o serviço local de emergência. Com o local do crime preservado, comunicam prontamente o comando de operações, que aciona a perícia. Na prática, os policiais estão proibidos de atender vítimas feridas. Na língua dos tucanos, a medida tem o objetivo de dar mais qualidade ao atendimento dos feridos e aprimorar a investigação criminal. É apenas discurso para não acirrar ainda mais os ânimos dos policiais, evidentemente. A intenção é outra: coibir execuções feitas por policiais contra supostos criminosos.

Não é a primeira vez que Alckmin sai com uma ideia, vamos lá, controversa. No início de 2002, o governador apresentou, ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, um pacote de medidas para conter a onda de violência em São Paulo. Entre elas, o homem sugeriu o fim da comercialização dos telefones celulares pré-pagos. Na justificativa, Alckmin disse que o aparelho era largamente usado por bandidos para se comunicar com integrantes de organizações criminosas na cadeia. “Sei que a medida pode trazer sacrifício à sociedade, mas ela é necessária neste momento”, disse o governador, em tom solene, evidentemente. A ação não vingou. A galhofa foi tanta que um humorista chegou a sugerir a Alckmin acabar com o porta-malas dos carros de passeio para, assim, coibir sequestros.

Ambiguidade
A proibição do socorro policial parece inédita na política de segurança e na literatura acadêmica. Em entrevista à esta coluna, João Trajano Sento-Sé, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), disse que a nova proposta de Alckmin é ambígua. “E também perigosa. Eu até entendo a lógica: como há casos de execução — uma prática comum na PM paulista e de outros estados —, é preciso inibir a prática”, afirma o professor. “A questão é que pessoas podem morrer sem serem atendidas. E o impedimento não necessariamente acaba com a alteração das cenas dos crimes”, avalia Sento-Sé. É a repetição da história de proibir a venda dos celulares para a população — tentava-se acabar com um problema sem atacar as causas principais, que, naquele caso, eram as falhas nas revistas íntimas e a incapacidade de combater comandos armados nas prisões.

Para Sento-Sé, um dos maiores desafios dos governadores é aprimorar as polícias científicas — que seriam capazes, por exemplo, de identificar alterações nas cenas dos crimes —, e fortalecer as corregedorias para evitar o corporativismo nas investigações contra os policiais. Além disso, seria preciso incrementar as controladorias externas das atividades policiais, com maior proteção da sociedade e a partir de conselhos comunitários. A maior crítica do professor da Uerj está, entretanto, na definição do próprio papel da polícia. “As iniciativas mais modernas investem na figura do policial como um prestador de serviço”, diz Sento-Sé. Assim, proibir o socorro de vítimas vai contra qualquer política pública de segurança eficiente, que tratam agentes do estado como parceiros da sociedade.

Ao longo da semana, o governador disse em entrevista que não mudará a norma sobre o socorro policial, e assessores garantiram que o bom senso vai garantir o cumprimento da medida. Ou seja, quando não tiver Samu, bombeiros ou equipes de resgate, a própria polícia levará as vítimas até os hospitais. Resta saber se em algum momento outras medidas menos polêmicas e mais efetivas um dia serão adotadas. E se o cidadão estará realmente seguro ao ser abordado por um grupo de policiais.

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