quarta-feira, dezembro 26, 2012

O óbvio difícil - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 26/12


Na Era digital, há grande pulverização de atores nas telecomunicações, pois as novas tecnologias derivadas da revolução na microeletrônica redistribuíram o poder concentrado apenas em poucas e grandes empresas telefônicas.

Mas, mesmo na rede global de computadores, expressão máxima da descentralização permitida pelo mundo digital, há elos poderosos que necessitam ser regulados, a fim de se preservar a existência de uma internet de fato livre. Na prática, apesar de toda modernidade, questões que se colocam hoje quando se trata de regular as telecomunicações são bastante antigas, observadas há séculos na evolução dos sistemas produtivos: o conflito entre o interesse dos consumidores e a tendência à criação de monopólios, a preservação de direitos como o de propriedade intelectual etc.

Um exemplo brasileiro é o debate sobre o projeto do Marco Civil da Internet, relatado pelo deputado Alessandro Molon (PT-RJ), mas com dificuldade de ser votado devido a um conflito deflagrado em torno do conceito de “neutralidade de rede”. Ele é simples e bastante defensável: os provedores de internet devem oferecer a todos os usuários da rede a mesma velocidade, independentemente das características do arquivo transmitido (imagem, texto ou som, e tamanho).

O que faz sentido para centenas de milhões de internautas não transita com facilidade junto às companhias de telecomunicações, os provedores. Afinal, forçá-las a praticar a democracia tarifária é subtrair de suas expectativas bilhões a mais de faturamento na cobrança de tarifas mais elevadas a sites jornalísticos, agregadores de conteúdos e mesmo pessoas físicas que costumam baixar/transmitir arquivos pesados de imagem e som. A discussão é menos sobre a elevação de preços em si do que os efeitos perniciosos desta tarifação “customizada”. Sites de veículos jornalísticos, Google, Yahoo e similares não devem ter dificuldades financeiras para arcar com custos mais elevados. Os problemas são outros, e graves.

Um deles, a criação de dificuldades para novos empreendimentos na internet. Se o custo mais elevado para grandes volumes de tráfego pouco prejudica empresas já consolidadas no universo digital, será empecilho decisivo para pequenos empreendedores. A internet perderá, assim, a característica de espaço livre, aberto ao mérito pessoal, mesmo de quem tem pouco ou nenhum suporte financeiro.

Ao contrário, só as grandes corporações trafegarão sem limitações. Outro aspecto perigoso é o risco de grupos de telecomunicações, quase todos verticalizados, praticarem, de forma dissimulada, tarifas especiais, camaradas, para sites filiados. Mais uma distorção concorrencial.

Estes são alguns dos motivos pelos quais o governo brasileiro e outros defendem a “neutralidade de rede”. Mas como há fortes interesses em jogo, mesmo uma proposta óbvia como esta enfrenta dificuldades ao tramitar em burocracias públicas e casas legislativas.

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