quinta-feira, novembro 22, 2012

Na Argentina, cerco à democracia - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 22/11


O que se quer não é trabalhar com a realidade: é impor uma ideia. Se ela não corresponde à realidade, pior para a realidade



A primeira greve geral do período kirchnerista acaba de dizer à presidente da Argentina que a sua versão dos fatos já não é comprada por boa parte da população. É a mesma mensagem do “caçarolaço” de semanas atrás, e que levou um milhão de pessoas às ruas das principais cidades argentinas. A greve geral, comandada pelos sindicatos em oposição ao governo, tinha como um de seus temas principais a taxa de inflação, que a Casa Rosada manipula, o que significa um confisco monetário aplicado aos aposentados e às classes mais pobres da população.

Face a essa insatisfação que vai deixando de ser silenciosa, o governo até agora opta pelo confronto. “Vamos por tudo” — é a declaração de guerra da presidente. E todas as armas são usadas nessa direção. Tenta-se a todo custo desmontar o equilíbrio dos Poderes (a esta altura já bastante afetado). Ataca-se o Conselho de Magistratura. Casos polêmicos que interessam ao Estado vão sempre parar, misteriosamente, nas mãos dos mesmos juízes.

A economia desacelera, sem que se possa falar em descalabro iminente. Há três câmbios, e o paralelo já está perto de 7 pesos por dólar.

O clima geral é de opressão indisfarçável. Toda crítica, venha de onde vier, é tomada como demonstração de hostilidade. Criou-se o maniqueísmo total: ou você é aliado, ou é inimigo da democracia, e merece todas as punições. Como instrumento de pressão atuam os agentes do Fisco, prontos para desembarcar em qualquer empresa que se dê ao luxo de reclamar.

O jornalismo tradicional passa a ser o inimigo número um. O que se quer é o jornalismo militante, que trabalhe como força auxiliar do governo. Trata-se não de lidar com a realidade, de tentar compreendê-la, e sim de impor uma ideia. Se a realidade não combina com isso, pior para a realidade.

Nesse clima, que é quase de terror, não sofre apenas o jogo político. Espalha-se uma atmosfera de fanatismo que entra até nos meios familiares — amigos e parentes que deixam de se falar porque têm opiniões contrárias. O que se tenta, sem muito disfarce, é desarticular a própria máquina do Estado, de modo que todas as manipulações sejam possíveis.

Tudo será feito para tentar destruir realidades como o jornalismo independente. É o caso da “Lei de Medios”, que trata das comunicações, e que, contra o grupo “Clarín”, acena com o já famoso 7 de dezembro — data em que o grupo teria de abrir mão de parte de suas operações. É um assunto que está sendo tratado na Corte Suprema, e, em tese, uma vez confirmado o prazo, o “Clarín” teria pelo menos um ano para adaptar-se às novas regras. Mas há o temor de que isto seja atropelado pelos fatos, tão grande é a sanha do oficialismo em relação ao grupo.

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