domingo, novembro 25, 2012

A lista de Wilkerson - SÉRGIO AUGUSTO

O ESTADÃO - 25/11


Fundador do Hollywood Reporter tem lugar de honra entre os vilões do macarthismo, ao lado de Disney, Reagan e cia.



Faz hoje 65 anos que Hollywood começou a escrever a página mais dolorosa e vergonhosa de sua história. Em 25 de novembro de 1947, ironicamente na antevéspera do Dia de Ação de Graças, os cinco mais poderosos chefões da indústria cinematográfica americana reuniram-se com o mandachuva da Motion Pictures Association of America (MPAA) para formalizar um expurgo ideológico em massa nos estúdios de cinema e televisão. O pogrom anticomunista, maldito fruto da Guerra Fria em botão, ficaria conhecido como "caça às bruxas" e destruiria a carreira e, em alguns casos, a vida de um punhado de atores, diretores, roteiristas, produtores e músicos supostamente de esquerda ou ligados ao PC americano.

A data talvez passasse em branco se o diário oficioso do show business, The Hollywood Reporter, o Variety da Costa Oeste, não tivesse se lembrado dela de forma tão estrepitosa no início da semana. Não para celebrá-la, mas para exorcizá-la e fazer um surpreendente e contundente mea-culpa. Afinal, foi em suas páginas que a caça às bruxas em Hollywood de certo modo teve início, instigada por William Billy Wilkerson, fundador, editor e colunista do jornal. W. R. Wilkerson, filho de Billy e atual responsável pela publicação, encheu-se de brios e pediu desculpas pelo vexame paterno. Tardias, inúteis, mas de qualquer modo um beau geste.

A contrição foi completa, com uma longa reportagem sobre a participação de Billy na inquisição macarthista e entrevistas com cinco de seus sobreviventes (entre os quais o roteirista Walter Bernstein, 93 anos, e as atrizes Marsha Hunt, 95, e Lee Grant, 85), mais um depoimento dos atores Kirk Douglas (que em 1960 teve a coragem de convidar o banido Dalton Trumbo para escrever o roteiro de Spartacus e estampar seu nome nos créditos) e Sean Penn (cujo pai, Leo Penn, foi demitido da Paramount por seu ativismo no sindicato dos atores). Bernstein já fizera seu exorcismo (ou, melhor dito, sua catarse) 37 anos atrás, ao escrever o roteiro de Testa de Ferro por Acaso (The Front), o primeiro longa hollywoodiano a abordar, em clave cômica, o trevoso período em que os roteiristas postos na lista negra só encontravam trabalho ocultos por pseudônimos ou acobertados por profissionais de ficha limpa.

Num sábado de julho de 1946, Billy Wilkerson, um cinquentão carola de bigodinho cafona que desde a década anterior dependia da publicidade dos estúdios para manter o Hollywood Reporter em circulação, ajoelhou-se no confessionário de uma igreja de Sunset Boulevard e abriu seu coração para o padre Cornelius J. McCoy. Fazia um ano que sua coluna batia firme no Screen Writers Guild, tido por ele como uma "cabeça de praia vermelha", dominada por escritores empenhados em infiltrar subliminares mensagens subversivas em seus roteiros; mas uma dúvida o atormentava: deveria ou não radicalizar sua cruzada anticomunista?

"Manda brasa, Billy", aconselhou o padre. E Billy mandou.

Na edição de 29 de julho, o Hollywood Reporter publicou uma lista de "simpatizantes do comunismo", encimada por Trumbo e Howard Koch, um dos roteiristas de Casablanca. Oito dos nove preliminarmente apontados acabaram caindo na malha fina do Comitê de Investigações sobre Atividades Antiamericanas (Huac, na sigla em inglês), Santo Ofício laico criado em 1938 por sugestão de um deputado texano para combater os "excessos socializantes" do New Deal rooseveltiano. Abertas as comportas da delação, outras listas, de variada procedência, galvanizaram a cruzada.

Até que, 16 meses depois, em 25 de novembro de 1947, houve a tal reunião dos caciques hollywoodianos - Louis B. Mayer (pela MGM), Samuel Goldwyn, Harry Cohn (Columbia), Barney Balaban (Paramount), Albert Warner (Warner) - com Eric Johnston, da MPAA, no hotel Waldorf-Astoria, em Nova York, e as trevas baixaram sobre Hollywood. No Hollywood Reporter do dia seguinte, a regozijante manchete: "Estúdios vão demitir os '10 hostis'". Hostis (ou inamistosos) porque, dias antes, amparados na Primeira Emenda da Constituição, haviam se recusado a depor e delatar colegas para o Huac.

Embora as suspeitas de "persuasão subliminar", "contrabando de ideias socialistas" e paranoias que tais realejadas pela direita não tivessem o menor fundamento, os escritores e roteiristas Dalton Trumbo, Alvah Bessie, Lester Cole, Ring Lardner Jr., John Howard Lawson, Albert Maltz e Samuel Ornitz, os diretores Edward Dmytryk e Herbert Biberman, e o produtor Adrian Scott - consagrados como "Os Dez de Hollywood", perderam seus empregos, foram presos e por fim banidos da indústria. O que se viu em Testa de Ferro foi puro wishful thinking: nenhum integrante da lista negra peitou o comitê como o personagem de Woody Allen.

Com ou sem o dedo duro de Billy Wilkerson, todas as desgraças posteriormente batizadas com o nome do senador Joseph McCarthy teriam acontecido, mas não é justo que seu papel tenha sido negligenciado por tanto tempo pela maioria dos estudiosos e historiadores do período. O fósforo que acendeu o primeiro rastilho estava em sua mão; seu empurrão foi decisivo. Sabujo dos grandes produtores, cupincha de gângsteres, informante do FBI, Billy merece lugar de honra entre os grandes vilões do macarthismo, fazendo companhia a Cecil B. De Mille, Walt Disney, Ronald Reagan (que então dirigia a guilda dos atores e de quem Wilkerson era compadre), Adolphe Menjou, Robert Montgomery, Sam Wood, Ayn Rand e outros ilustres coadjuvantes de uma tragédia coletiva, cheia de som e fúria significando muita coisa-e acima de tudo repleta de covardes, omissos e canalhas.

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