quinta-feira, outubro 18, 2012

Prova diabólica - MARCELO COELHO

FOLHA DE SÃO PAULO - 18/10


É difícil condenar alguém por ter conta oculta lá fora; basta que o dono diga ao BC seu saldo em 31 de dezembro


ONTEM FOI o dia de Gilmar Mendes, que falou bastante durante a primeira parte da sessão. Com mais clareza do que de hábito (ele em geral fala olhando para baixo, como se os fatos já fossem do conhecimento de todos), Gilmar mostrou-se inconformado com a absolvição de Duda Mendonça e Zilmar Fernandes.

Afinal, os dois publicitários beneficiaram-se do conhecido esquema de Marcos Valério; a engenharia dos pagamentos, via Banco Rural, era a mesma, até o momento em que o dinheiro começou a fluir para o exterior, através de uma empresa "off-shore" aberta por Duda Mendonça.

Lavagem de dinheiro e evasão de divisas, portanto. Mas havia detalhes, e o plenário não alterou sua decisão de segunda-feira.

Verificou-se que é muito difícil condenar alguém por manter conta oculta no exterior. Basta que o dono da conta comunique ao Banco Central o seu saldo no dia 31 de dezembro. Duda fez isso, quando o grosso do dinheiro já tinha sido retirado de lá.

Seguiu as normas vigentes, para irritação de Marco Aurélio Mello. Desde quando, perguntou ele, uma norma do Banco Central pode se sobrepor ao que diz uma lei aprovada no Congresso? A lei condena a posse de recursos não declarados no exterior; o Banco Central termina permitindo que isso ocorra, durante o ano inteiro... menos no dia 31 de dezembro.

Paciência, pareciam dizer os outros ministros do STF. Quanto à lavagem, também consideraram possível a inocência de Duda Mendonça.

Quando recebeu os recursos, o esquema de Marcos Valério não estava plenamente estruturado, ou "azeitado", como disse Ayres Britto. Os grandes desvios de recursos originários do Fundo Visanet, do Banco do Brasil, ainda não tinham sido feitos. E Duda, ao contrário dos muitos deputados envolvidos, tinha mesmo dinheiro lícito a receber, pelos seus serviços de propaganda ao PT.

Querendo a condenação de Duda, assim como a do ex-ministro Anderson Adauto e dois deputados petistas (João Magno e Paulo Rocha), Gilmar se estendeu sobre a questão da prova, nos crimes de lavagem de dinheiro. Exige-se que o réu saiba da origem ilícita dos recursos. A menos que se faça uma confissão, como ter certeza do que se passa subjetivamente na cabeça do acusado?

Há as circunstâncias, disse Gilmar. Você recebe dinheiro de um partido, o PT, que estava falido; recebe em dinheiro vivo; recebe por meio de um esquema que não passa pelas contas bancárias oficiais; recebe cheques de uma empresa que, na época, prestava serviços ao poder público... Era o caso da agência de Marcos Valério, contratada pela Câmara dos Deputados.

O que mais é preciso, perguntou Gilmar, para perceber que os réus sabiam da origem ilícita dos recursos? Exigir outras provas do Ministério Público seria querer o impossível. A chamada "prova diabólica", disse ele; a prova que ninguém seria capaz de obter. O fato é que a conceituação de lavagem de dinheiro tornou-se um dos assuntos mais complicados no julgamento. Assim como no caso de José Borba, deputado do PP, João Magno, Paulo Rocha e Anderson Adauto ficaram na gangorra. Cinco votos pela absolvição, outros cinco pela condenação.

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