sábado, setembro 15, 2012

Quatro anos depois - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 15/09


Nem o então secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Henry Paulson, nem o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), Ben Bernanke (foto), imaginaram o tamanho do estrago na economia mundial que deflagrariam com a decisão de deixar que o Lehman Brothers quebrasse, em 15 de setembro de 2008.

A ideia era somente evitar o "risco moral" (moral hazard). Ou seja, era impedir que banco após banco recorresse ao governo para solicitar recursos para encobrir trilhões de dólares em aplicações especulativas.

O que se seguiu foi um pânico do tipo mulheres e crianças primeiro e os homens depois. E a economia mundial mergulhou numa crise da qual até hoje não saiu. Pelo último movimento do Fed, que na quinta-feira avisou que os juros permanecerão no chão ao menos até meados de 2015, fica entendido que deverá durar no mínimo sete anos, o mesmo tempo bíblico das vacas magras e das espigas chochas.

Muitas análises escritas depois concluíram que o naufrágio do Lehman Brothers deveria ter sido evitado. Pode-se contra-argumentar que, se não tivesse acontecido, outras instituições financeiras teriam tido o mesmo fim ou não se aprenderia tão depressa que banco importante não pode quebrar. E, no entanto, o Lehman nem banco comercial era. Não passava de quinta instituição de investimentos dos Estados Unidos e nem estava sob o guarda-chuva do Fed.

A caça às bruxas e a tentativa de resumir tudo à ganância dos banqueiros e à falta de regulação do mercado financeiro cumpriram o desserviço de atrasar o diagnóstico. Esse colapso foi motivado pela disparada do endividamento do consumidor e dos Estados. E esses dois fatores têm causas mais complexas, como as excessivas despesas dos Estados Unidos com suas guerras e com os benefícios distribuídos pelos Estados do bem-estar social da Europa.

Suas raízes mais profundas parecem estar na grande redistribuição do trabalho global, que implica não só a inclusão da mão de obra dos países emergentes (especialmente os asiáticos), mas também a incorporação das mulheres (metade da população mundial) no mercado de trabalho em apenas três gerações.

A recessão e o desemprego são só um pedaço da conta cobrada pelo ajuste. Na área do euro, a distribuição da fatura ficou mais complicada. A moeda é comum e a redução dos salários, das aposentadorias e do patrimônio das famílias não pode ser feita pela desvalorização cambial. Exige cortes diretos de salários e aposentadorias, mais reformas drásticas que transfiram a renda das pessoas para os Tesouros nacionais. O atual impasse político, tanto nos Estados Unidos como na Europa, empurra indefinidamente a adoção de corretivos eficazes. Os grandes bancos centrais vêm se expondo a contorcionismos monetários nunca vistos, cujo resultado mais relevante é ganhar tempo, sabe-se lá até quando.

Crises assim geram consequências indeléveis e têm desdobramentos que não podem ser previstos. Um deles, até agora mal avaliado e talvez nem sequer percebido, é que os fundos de pensão não poderão entregar as complementações de aposentadoria antes prometidas. Mas as transformações mais importantes podem ser políticas e devem ir além da ascensão de alguns emergentes ou da criação dos Estados Unidos da Europa.

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