segunda-feira, agosto 27, 2012

Jornalistas Coca-Cola - LÚCIA GUIMARÃES


O Estado de S.Paulo - 27/08


Se não me trai a memória, três é o número de livros que não escrevi. Explico: o público foi poupado da minha falta de imaginação, inspiração ou, vamos lá, proficiência, cada vez que me ofereceram a oportunidade de escrever um livro e tive o bom senso de recusar. Apesar de lisonjeada pelas ofertas e a confiança em mim depositada, meu faro autodepreciativo sempre concluía que a oportunidade era fruto de sinergia, indissociável do fato de ter aparecido na TV e de morar em Nova York. E o teste que aplicava era infalível: Tenho vontade de ler um livro escrito por mim? O "não" ecoava com a força do som atravessando o Grand Canyon.

A não carreira de escritora me veio à mente ao acompanhar este verão recheado de vexames de escritores-jornalistas e jornalistas-escritores.

Jonah Lehrer, autor de Proust Foi Um Neurocientista e, mais recentemente Imagine, Como a Criatividade Funciona foi defenestrado pela, ó, céus, New Yorker, porque colocou palavras na boca de Bob Dylan e, questionado por um dylanófilo da revista Tablet, mentiu repetidamente. Não foi demitido pelo editor-chefe David Remnick quando, semanas antes, ficou claro que se autoplagiava na sua coluna Frontal Cortex, na New Yorker. Publicava, ipsis litteris, trechos de artigos que já havia publicado no Wall Street Journal. Lehrer, com apenas 31 anos e uma Rhodes Scholarship no currículo, pertence a esta estirpe de autores, como Alain de Botton, que mistura ciência com autoajuda para formar uma espécie de Britney Spears do conhecimento.

Já Fareed Zakaria, autor de O Mundo Pós-Americano, sofreu um açoitamento público tão violento que acabou por despertar uma brigada de defensores. Zakaria citou na sua coluna sobre o controle do porte de armas, na Time, um excelente artigo da revista New Yorkerque citava um livro sem citar a autora do artigo. Copiou o parágrafo. Em seguida, foi acusado erroneamente de ter roubado outra citação em seu livro, numa caça às bruxas que cheirava a inveja.

Zakaria é um aristocrata indiano de Mumbai, cuja carreira estelar no jornalismo americano foi marcada, digamos, por uma evolução ideológica que começou com o hoje déclassé apoio à guerra no Iraque. Ele é um híbrido de jornalista e intelectual público. Tendo tido contato com o homem, confirmo sua fama de cavalheiro e profissional honrado.

Mas Zakaria é também um exemplo do jornalista como Coca-Cola. Ele é uma marca registrada. Tem coluna na Time, no Washington Post e um programa semanal na CNN. Atrai cachês de US$ 75 mil ou mais para fazer palestras. A mesma quantia cobrada pelo über-pontificador Thomas Friedman, o colunista do New York Times, um jornal cujo código de conduta ética acabou por lhe forçar a devolver honorários recebidos em 2009 por uma palestra que, além de violar as restrições do patrão, era idêntica a outra que já estava disponível, de graça, no YouTube.

O que estas figuras têm em comum? São jornalistas transformados em marcas e em potencial rota de colisão com a independência do jornalismo.

Como recente objeto de uma pancadaria digital por ter ousado desafiar a obrigatoriedade do diploma de jornalismo, que considero inconstitucional, não posso culpar os leitores que desconfiarem que eu tenho um cavalo nesta corrida, um interesse pecuniário em defender a opinião de que ninguém precisa de canudo para escrever. Não tenho interesse oculto, mas, como posso ser encontrada no GNT, na rádio Estadão ESPN e nestas páginas, quando não cometo um frila aqui e ali, não é absurda a suspeita de que, quando favoreço um ponto de vista, posso sofrer influência de minha vida terceirizada, longe da redação. Será que ela investiu numa fábrica de camisetas ou numa loja de pão de queijo? Não, é a resposta. Adoro pão de queijo e costumo sonhar com frases impressas em camisetas.

Mas o leitor/internauta/ouvinte/espectador faz por bem cobrar transparência de suas fontes de informação.

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