sexta-feira, julho 13, 2012

''É doce morrer no mar'' - MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE

O ESTADÃO - 13/07


Escarpas rochosas, entrecortadas e pontiagudas. Escarpas que se elevam do mar, seu relevo marcado por penhascos íngremes e ameaçadores. Ribanceiras dramáticas, despenhadeiros alcantilados. Há muitas formas de descrever essas formações geológicas, talhadas pela erosão, de aspecto áspero e sedutor. As escarpas estão na moda. Nos EUA, por exemplo, não se fala de outra coisa. O "penhasco fiscal" é a imagem usada para descrever os ajustes que estão programados para 2013 e que incluem cortes vultosos de gastos sociais e militares, além da extinção de benefícios. Um dos mais importantes e que tem ajudado a tépida "recuperação" americana é a redução de impostos da era Bush, que Obama quer prorrogar para sustentar a renda da classe média. O presidente não quer fazer o mesmo pelos ricos. Ao contrário, quer seguir a linha de François Hollande, que propôs, recentemente, a instituição de um tributo sobre as grandes fortunas para sustentar as combalidas contas públicas. Este pleito de Obama promete ser uma das principais frentes de batalha com os Republicanos ao longo da campanha eleitoral.

Mas as ribanceiras fiscais e os despenhadeiros que ameaçam o crescimento não são um privilégio das encostas americanas. Os países que margeiam o Mar Mediterrâneo têm lá a sua paisagem de falésias rochosas, quiçá fonte de inspiração para os seus infindáveis pacotes de austeridade. A cidade de Ronda, no sul da Espanha, tem um dos mais incríveis e belos precipícios, de quase 750 metros de profundidade, que divide o gracioso vilarejo em duas partes. A belíssima Costa Amalfitana, na Itália, é marcada por altíssimas escarpas que mergulham repentinamente no verde azulado do Mediterrâneo.

Tanto a Itália quanto a Espanha acabam de anunciar mais uma rodada de ajustes para tentar reconquistar a confiança dos investidores, que, entre idas e vindas, têm mantido os rendimentos dos títulos dos dois países em níveis que dificultam sobremaneira o financiamento dos governos. A mais recente promessa fiscal do primeiro-ministro Mariano Rajoy, da Espanha, teve contornos dramáticos. Embora os líderes europeus tenham recentemente concordado em conceder ao país mais tempo para alcançar suas metas - originalmente, a Espanha deveria reduzir o déficit de 2012 para 5,3% do PIB, após alcançar quase 9% no ano passado, além de convergir para 3% até o fim de 2013 -, as autoridades acabam de anunciar um pacote de ajustes que soma € 65 bilhões nos próximos dois anos. Esse é o quarto pacote em apenas sete meses de governo de Rajoy. Pior. Ao desvendá-lo, o primeiro-ministro teve de renunciar a uma de suas mais caras promessas de campanha, a de que não aumentaria os impostos, ao contrário do que fizeram seus adversários socialistas, os supostos "culpados" pela crise que assola o país. Cambaleante, Rajoy caminha na beira do precipício político. Sobretudo ao "assegurar" um socorro aos bancos do país, com os recursos dos fundos de resgate europeus, que envolverá perdas consideráveis aos acionistas e credores destas instituições. Como em alguns casos os acionistas e credores são os governos locais, as perdas recairão, de uma forma ou de outra, sobre o contribuinte.

Na Itália, a situação é um pouco melhor. Mas não muito. O primeiro-ministro Mario Monti, que periclitava no alto de uma falésia amalfitana, foi ligeiramente afastado do perigo devido ao seu suposto ato de bravura durante a última reunião de cúpula europeia, aquela em que enfrentou a chanceler Angela Merkel para que ela concordasse com o uso dos recursos dos fundos de resgate europeus, ainda que estes não disponham de um montante suficiente para auxiliar a Itália e a Espanha simultaneamente. Contudo, a economia está em recessão, o desemprego não dá trégua e mais um pacote de ajuste acaba de ser anunciado. Sem alternativa, Itália e Espanha caminham para a ribanceira. Talvez sejam capazes de driblar a morte. Talvez tenham de se contentar com os belos versos de Dorival Caymmi, perecendo docemente nas ondas verdes do Mediterrâneo.

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