segunda-feira, junho 25, 2012

O Lula Malufou! - REVISTA VEJA


Por um minuto e meio no horário eleitoral, Lula se rende a Maluf, o político-símbolo de todas as mazelas que o PT um dia foi contra

Otávio Cabral

Quanto vale um minuto e meio de propaganda elei­toral gratuita na TV? Na semana passada, o ex-presidente Lula deu a sua resposta: vale uma vice-prefeita quase perfeita, um racha no comando da campanha e uma militân­cia aturdida, frustrada e envergonhada - além de uma meia dúzia de bandei­ras, entre as que o seu partido conser­vava de fato e as que só existiam na memória de alguns petistas que passa­ram os últimos dez anos em Marte. Ao posar sorridente ao lado do seu um dia antagonista, contraponto ideológico, encarnação do mal e "filhote da dita­dura", Paulo Salim Maluf, o ex-presi­dente Lula ultrapassou a linha demar­catória que separa a prática de selar alianças promíscuas - também cha­mada de pragmatismo politico - do mais puro cinismo.

Na semana passada, em busca de 1 minuto e 35 segundos de propaganda de televisão para o candidato do PT à prefeitura de São Paulo, Fernando Had­dad, ele entrou" pela primeira vez na ca­sa onde, há 49 anos, mora o seu rival histórico. Ao lado de Haddad, reuniu-se com o ex-prefeito e ex-governador de São Paulo, corrupto procurado pela In­terpol e classificado pelo Banco Mun­dial como um expoente do assalto aos cofres públicos. Depois de comerem uma feijoada, os três fecharam o apoio do PP de Maluf ao PT de Lula e Had­dad. No jardim do ex-governador, tro­caram abraços, apertos de mãos e posa­ram para as fotos que selaram a aliança. As consequências foram imediatas.

Minutos após a divulgação da ima­gem, a deputada e ex-prefeita Luiza Erundina, do PSB, desistiu de ser vice de Haddad. A VEJA.com declarou: "Maluf representa o atraso e a falta de ética. Tudo que eu rejeito na política e que a sociedade também não aceita". Erundina havia entrado na chapa para suprir a falta de Marta Suplicy, que abandonara a campanha insatisfeita com a atuação imperial de Lula. Até a semana passada, Marta era uma voz isolada, mas a aliança com o PP engros­sou o coro dos insatisfeitos. E, dadas as últimas encrencas em que Lula meteu o partido, al­guns deles já põem em dúvida o prover­bial tirocínio potitico do ex-presidente.

Em São Paulo, essa dúvida ajudou a produzir dois núcleos em confronto. O executivo é comandado por dirigentes municipais do PT, como os vereadores Antonio Donato, José Américo e Chico Macena e o deputado Simão Pedro. Já o núcleo político é pilotado por "foras­teiros", como o próprio Lula e Luiz Marinho, de São Bernardo, Edinho Sil­va, de Araraquara, e Emídio de Souza, de Osasco. Os paulistanos consideram que os "forasteiros" não entendem as peculiaridades do eleitorado local e tomam decisões erradas sem consultá-los. Acreditam que a aliança com Ma­luf (batizada Malddad, pela junção dos sobrenomes dos protagonistas) trará muito mais prejuízo eleitoral do que lu­cro à campanha de Haddad.

Apesar das reações, Lula segue de­fendendo sua estratégia. Ele repete co­mo um mantra, desde que escolheu o desconhecido ex-ministro da Educa­ção para disputar a prefeitura da maior cidade do país, que é preciso muito tempo de TV para tornar Haddad co­nhecido e viável eleitoralmente. "Não importa o que falem do Haddad, o que importa é que falem dele", afirmou o ex-presidente a um interlocutor na úl­tima quinta-feira. Foi seguindo essa lógica que ele aceitou a exigência de Maluf de selar o acordo na sua casa – detalhe que, longe de servir apenas para embelezar as fotos, foi esperta­mente providenciado pelo anfitrião para evidenciar a sujeição do petista à sua vontade.

Embora não seja possível medir quantos votos rende um minuto na TV, uma coisa é certa: seu valor é tão maior quanto mais desconhecido for o candi­dato em questão. Por essa equação, Haddad, desconhecido por 60% do eleitorado, precisa desesperadamente de cada segundo. (leia o artigo de Roberto Pompeu de Toledo na pág. 150). Ele não ocupa um cargo que ajude a expô-lo nem tem obras realizadas para propagandear. Na última pesquisa do Datafolha, divulgada na semana passa­da, Haddad cresceu de 3% para 8% ­ainda bem abaixo dos 30% de Serra. João Santana, marqueteiro da campanha, concorda com Lula que o crescimento foi decorrência da exposição de Haddad em programas populares de TV.

Alianças espúrias, ditadas unica­mente pelo desejo de aumentar a expo­sição de um candidato na TV ou de ga­rantir votos no Congresso, não são, evi­dentemente, uma criação petista, como diz a Carta ao Leitor (página 15). Na atual campanha, o PSDB de José Serra também queria o apoio de Maluf, que so acabou ao lado de H"addad porque recebeu o "pagamento à vista" - a Se­cretaria de Saneamento Ambienta do Ministério das Cidades -, enquanto os tucanos fizeram promessas de cargo em um futuro governo. O PP de Maluf foi governo nos oito anos de Fernando Hen­rique Cardoso (o que nunca foi aceito pelo ex-governador Mario Covas) e está ao lado do PT desde o terceiro ano do governo Lula. Mas a união de Lula e Maluf tem peso diferente.

"Juntá-los é como unir o Corin­thians e o Palmeiras em um único ti­me", compara o cientista político Ru­bens Figueiredo. ""As torcidas jamais se entenderiam". O PT nasceu como o partido de resistência ao regime mili­tar, do qual Maluf era um dos princi­pais apoiadores. O PT era o partido dos mutirões e Maluf, das grandes obras. Enquanto os petistas hasteavam a bandeira dos direitos humanos, Ma­luf pregava que "bandido bom é bandi­do morto". Os governos petistas valo­rizam políticas de inclusão de mulhe­res. Já Maluf se notabilizou pelo "estu­pra mas não mata".

É certo que o PT há muito largou no caminho a bandeira da ética, assim como é fato que Maluf, aos 80 anos de idade, incontáveis processos na Justiça e nenhum mandato executivo há dezes­seis anos, perde muito da aura de tuba­rão da corrupção. Está mais para um leão sem dentes. Mas em algum canto da memória coletiva permanecem as imagens um dia associadas a um e ou­tro. E, na foto planejada por Maluf e endossada por Lula, essas imagens produziram uma trombada monumen­tal. O tamanho do estrago que ela cau­sou começará a ser medido em outu­bro, quando se abrirem as urnas.

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