domingo, maio 13, 2012

Uma lei para o Banco Central - SUELY CALDAS


O Estado de S.Paulo - 13/05/12


Os anais do Congresso registram disparates absurdos sobre a função e os métodos de ação do Banco Central (BC). "O BC quer independência para defender o dinheiro dos banqueiros", era o xingamento mais leve a quem ousasse sugerir autonomia para o banco (hoje o BC é criticado justamente pela falta de autonomia ao definir juros). Nos anos 90, um parlamentar chegou a propor quarentena antecipada para os diretores: o candidato não poderia ter trabalhado em banco ou outra instituição financeira nos quatro anos que antecedessem sua nomeação. É como se dissesse ao advogado: se quer ser ministro do Supremo Tribunal Federal em 2012, trate de parar de advogar em 2008.

Mas isso é passado. Na gestão FHC, o BC iniciou uma série de mudanças em seus métodos de gestão e na relação com o Congresso que fazem dele hoje uma instituição respeitável e confiável. A mais importante delas foi intensificar sua comunicação com o público, dar ampla divulgação às suas decisões, reduzindo incertezas, eliminando surpresas e aumentando previsibilidades sobre suas intenções. Assim nasceram o Copom e as atas de suas reuniões, a pesquisa semanal Focus, o relatório trimestral de inflação e seis audiências públicas do presidente do BC no Congresso, quando ele é questionado e explica decisões da diretoria aos parlamentares.

Mais transparente e democrático, o BC precisava de algo que tornasse mais previsível sua mais nobre tarefa: garantir o poder de compra da moeda, controlar a inflação. Em junho de 1999 foi criado o sistema de metas de inflação, pelo qual o governo define a meta (hoje de 4,5%, com tolerância de 2% para cima e para baixo) e o BC trata de cumpri-la com total autonomia, sem nenhuma interferência política.

Pois bem, autonomia e sistema de metas sofrem, hoje, questionamentos, abalos de credibilidade. A percepção de interferência da presidente Dilma Rousseff em reuniões do Copom que definem a taxa Selic e a opção do governo pelo crescimento econômico, quando confrontado com a aceleração da inflação, têm enfraquecido o sistema de metas e conduzido a autonomia do BC ao descrédito. Hoje é unânime no mercado financeiro a convicção de que o BC abandonou o centro da meta (4,5%) e tenta salvar o teto (6,5%). O banco nega a interferência de Dilma e reafirma sua "total autonomia na condução da política monetária". Mas as palavras cada vez mais se distanciam de suas ações.

Recuperar a credibilidade não necessariamente implica elevar a taxa Selic na próxima reunião do Copom. Ela pode até cair, se a inflação ceder e a avaliação técnica indicar ser essa a melhor decisão. O que não cabe é o BC agir de forma a alimentar a percepção de interferência política e de que abandonou o sistema de metas. Seria um retrocesso na escalada de mudanças nos últimos anos, que têm contribuído, e muito, para a estabilidade da economia.

Quem estudou o novo modelo de gestão do BC chega à mesma conclusão: a estabilidade da economia é sempre maior quando é menor a incerteza sobre o comportamento do BC em suas intenções. Por isso é fundamental manter a autonomia operacional e o sistema de metas, que reforçam a previsibilidade e inibem ações de quem especula para gerar lucro fácil. Hoje a autonomia é mera formalidade, uma concessão do governante, não consagrada em lei. FHC a respeitou, Lula também, mas com Dilma ela passou a ser questionada. Quando isso ocorre, portas se abrem à especulação e à volatilidade de preços.

Dilma tem sido elogiada pela coragem de enfrentar forças políticas do atraso, partidos corruptos e seus representantes no Congresso. Se ela realmente não interfere nas decisões do BC, como tem reafirmado, que desfaça de vez essas desconfianças e tome a iniciativa de enviar proposta ao Congresso formalizando a autonomia do BC em lei. Faça o que FHC e Lula deixaram de fazer. Se ela confia na qualidade e na competência dos diretores que escolheu e nomeou, deixe com eles a tarefa de definir juros e proteger o País contra a inflação. O Congresso já foi mais resistente à ideia. Hoje, nem tanto.

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