domingo, maio 13, 2012

Taco família - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 13/05/12

Ex-carregador de bolsas que virou golfista, Rogério Bernardo, o "Tiger Woods brasileiro", foi o melhor jogador amador do Brasil e teve patrocínio de R$ 10 mil mensais, mas hoje precisa improvisar para sobreviver

É num quarto, cozinha e banheiro na periferia paulistana que ainda mora o primeiro e único negro a assumir a liderança de um ranking brasileiro de golfe. Ultimamente, no entanto, sua rotina tem passado longe dos gramados, lagos e bancos de areia dos campos do esporte.

Ex-carregador de bolsas que virou jogador e chegou ao circuito profissional já com patrocinador garantido, em 2007, Rogério Bernardo, 32, ainda sonha se firmar como a promessa que foi no início da carreira. Número um do país quando era amador, ele terminou 2010 como nono golfista do país e 2011 na 27º posição do ranking.

"Caí e caí bonito, porque teve poucos torneios no ano passado. Joguei só quatro, mas fui muito mal", justifica ao repórter Diógenes Campanha. Em 2012, ele disputou apenas um torneio seletivo e aguarda a confirmação de outras competições para voltar aos campos.

A escassez de campeonatos, segundo ele, custou-lhe o patrocínio de uma operadora de telefonia. "Ninguém vai pagar para você ficar em casa." Quando foi contratado, há quatro anos, Rogério ganhou o primeiro celular e passou a receber R$ 10 mil por mês, para pagar as contas e as participações nos torneios. Chegou a fazer uma reserva, mas o dinheiro acabou. Mesmo sem contrato, ele continua vestindo uniformes com a logomarca da empresa, inclusive para as fotos desta reportagem. Tem esperança de que assim, um dia, consiga renovar o patrocínio.

*Para sobreviver,* Rogério chegou a vender cachorros-quentes e pasteis na garagem de casa, mas acumulou prejuízos. "Tive que pedir ajuda para os meus irmãos. Agora precisa vir um torneio para eu ganhar dinheiro e pagar todo mundo." Na semana passada, tentava levantar

R$ 150 para se inscrever em um campeonato.

Rogério mantém o ritmo de jogo treinando no Guarapiranga Golf Country Club, perto de sua casa. Foi lá que começou como caddie (carregador das pesadas bolsas de tacos dos golfistas), no início dos anos 90. Antes, trabalhava em uma fábrica de peças para motos que fechou por causa do Plano Collor. Mais velho de nove filhos, viu a situação apertar em casa. Buscou novo emprego. Diz que, em Parelheiros, "ou era o golfe ou carregar sacos nas plantações de batata". Escolheu seguir os amigos que já trabalhavam no clube de Guarapiranga levando as bolsas dos jogadores.

Foi logo apelidado "Tiger de Parelheiros" quando começou a jogar, uma referência ao golfista norte-americano Tiger Woods, o atleta mais bem pago do mundo, negro como ele. "Mas naaada a ver com o homem. Ele é podre de rico e eu sou podre de pobre." Casado há 12 anos com Priscila Domingues, 28, Rogério homenageou o ídolo batizando o primeiro filho, nascido em outubro passado, como Eldrick, o verdadeiro nome de Tiger Woods. As últimas economias foram gastas com o nascimento do menino.

"Que situação! Um golfista que tinha tudo agora está duro, ferrado. Mas isso é só para não voltar a ser caddie. Com a carreira que tive, melhor amador do país, vou carregar bolsa de novo? Isso não. O que vão pensar garotos que estão começando? Não vão querer seguir meu exemplo."

Ele tentou dar aulas de golfe, mas descobriu que, para tirar o registro, teria que cursar quatro anos de educação física. "E meu filho vai ficar quatro anos sem comer? Eu vivo do golfe desde os 14. Vou ver se posso fazer um curso [de curta duração] e consigo dar aulas." Quer voltar a viver do esporte. "Se eu arranjasse um emprego de motorista, por exemplo, teria que desistir do golfe. Deus vai me dar essa vitória. Vou dar a volta por cima."

Teve que parar a reforma de casa, que pretendia transformar em sobrado. O Fiat Palio 2007, com um adesivo com a palavra "Tiger" no aerofólio, está parado na garagem, enquanto Rogério não regulariza o IPVA e o licenciamento. "Só uso o carro para emergência, quando o menino precisa ir ao médico e tomar vacina." Deve ainda R$ 200 na lanchonete do clube.

*A mulher, Priscila,* também era caddie, mas hoje cuida do filho. Ela tinha patrão e salário fixos no clube. De vez em quando, carregava os tacos de Rogério, para economizar o que ele pagaria a outra pessoa e ficar de olho no marido. "Tem menininha de 16, 17 anos que começa a ser caddie e acha que vai sair com jogador e acertar a vida." Espera o menino completar um ano para procurar emprego. A família mora em uma das três casas construídas em um terreno do pai de Priscila. O sogro, dois cunhados e uma cunhada do golfista vivem lá, dividindo a terra e a ligação com o esporte.

José Nelson Domingues, o sogro, corta o "green" [área perto dos buracos do campo] no Guarapiranga, onde está há 37 anos. Ali a grama deve ser mantida baixa. A cunhada, Cristina, também já carregou bolsas. Outro cunhado, Alexandre, 26, tenta fazer o raio cair duas vezes no mesmo lugar. Caddie desde os 12 anos, começou a treinar aos 17 e, assim como Rogério, teve ajuda de um sócio do clube para pagar as inscrições dos torneios e virar jogador amador. Hoje, se profissionalizou. Uma diferença entre os cunhados: Alexandre conseguiu se formar em educação física com o dinheiro que juntou carregando bolsas. Hoje, é "coach" na Federação Paulista de Golfe e ensina estratégias de jogo para jovens.

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