sexta-feira, maio 04, 2012

O Ocidente já acabou - JOÃO MELLÃO NETO


O Estado de S.Paulo - 04/05/12


A crise de 2008, com seus conhecidos desdobramentos, está por aí destruindo e rebaixando a economia de nações que antes nos pareciam robustas, prósperas e inabaláveis. Talvez, neste momento de perplexidade, revisão de certezas e reanálise de convicções, seja conveniente recordar que o mundo não foi sempre assim e a visão eurocêntrica - a de que a Europa é o centro do universo -, irmã gêmea de nossa orgulhosa civilização ocidental, não é a única no mundo e, quiçá, nem a mais importante. Os chineses estão aí, tentando recobrar a inconteste liderança que exerceram na economia global desde, pelo menos, a dinastia Qin, 23 séculos atrás.

Por volta do século 3.º a. C., na esfera ocidental, Roma ainda tratava de tentar eliminar Cartago, o principal obstáculo à sua expansão. A Grécia, por sua vez, durante o chamado século de Péricles, dividiu-se em lutas intestinas e acabou sob o controle da Macedônia. O novo rei, Alexandre, chamado O Grande, difundiria a cultura helenística por todo o mundo conhecido pelos ocidentais.

Mas nada do que acontecia no mundo ocidental se igualava ao que ocorria no Oriente. A China, após a sua unificação e com o surgimento dos mandarins - a casta dos funcionários públicos cujos membros só podiam ascender pelo mérito e pelo estudo -, de forma inconteste assumiu a liderança do mundo de então a ponto de autointitular-se o Reino do Meio. Ninguém ousava duvidar disso. Ao contrário, todas as civilizações, através dos séculos, com maior ou menor sucesso, tentaram se aproximar dela. O Ocidente só ouviu falar da China pelos relatos admirados de Marco Polo, um mercador veneziano, por volta dos anos 1200. Em toda a sua exuberância, a China nunca demonstrou desejo de se aproximar de outros povos. Isso teria ocorrido uma única vez, em 1400, quando foram construídas frotas de navios com mais de 120 metros de comprimento e tripulação de 27 mil homens. Para ter uma proporção do que isso representava basta recordar que, algumas décadas depois, Cristóvão Colombo descobriu a América com três embarcações de 27 metros e uma tripulação inferior a três centenas de marinheiros.

As expedições marítimas chinesas, ao contrário das ocidentais, não tinham como finalidade a conquista nem nenhum outro objetivo belicoso. Pretendiam tão somente mostrar a grandeza de seu império e fazer intercâmbio com outros povos. Consta que teriam chegado à América. De qualquer forma, não se interessaram por ela. Nem por ela nem por mais nada. Tão logo assumiu um novo imperador, as expedições foram interrompidas e nunca mais, na época, se falou em estrangeiros na China.

Os chineses viriam a ser importunados, posteriormente, com a chegada dos portugueses, em 1557, e por outras nações depois disso. A princípio os chineses se mostraram refratários a qualquer proposta comercial dos estrangeiros. Conta-se que um imperador teria respondido a uma proposta real inglesa de forma bastante incisiva: "Nós não queremos nada de vocês! Tudo o que vocês fazem nós fazemos melhor aqui!". Era verdade... Mas havia algo que os chineses não produziam: ópio. E foi assim, na condição de traficantes de tóxicos, que os ingleses entraram no mercado chinês.

Esse mercado haveria de despertar o interesse de outros países. Apesar dos apelos do imperador chinês, o comércio intensificou-se. Ocorreram duas guerras do ópio para a garantia do mercado. Na segunda, o outrora orgulhoso Império do Meio foi fatiado em áreas de influência de cada uma das nações vencedoras. Vem daí a mágoa dos chineses com o Ocidente e todos esses incidentes servem parcialmente para esboçar um entendimento do que é a China atualmente.

Os chineses adotaram o sistema capitalista com imensa má vontade. Não suportam a desigualdade social que ele gera porque isso é contrário ao princípio da harmonia, que desde Confúcio deve presidir as relações entre as pessoas. Também não aprovam o livre mercado por entenderem, desde a dinastia Qin, que o poder deve ser exercido por quem foi selecionado e treinado para fazê-lo.

Os chineses jamais aceitarão a democracia, porque, a seu ver, ela contraria frontalmente o princípio da harmonia, atenta contra a ideia de hierarquia e subverte as noções de meritocracia. De mais a mais, eles entendem que o regime democrático não faz parte, necessariamente, do kit de modernização e acumulação de riquezas. A China despreza solenemente as noções de livre expressão e de direitos humanos. Para ela, tudo isso não passa de excentricidades ocidentais.

Os chineses continuam pensando como se a sua nação fosse ainda o Império do Meio. Sua civilização é a mais antiga e refinada do mundo e eles contam com as terras mais férteis e com a maior população do planeta.

A pseudossuperioridade ocidental haverá de passar, como passaram tantas outras civilizações ao longo da História. A própria China foi vítima de muitas delas - a dos mongóis, por exemplo - e acabou por aculturar os seus invasores. A força do Ocidente baseia-se no poderio militar e no avanço tecnológico. E nessas áreas a China está cuidando de superá-lo. É coisa de mais alguns poucos anos, de acordo com as previsões mais realistas e conservadoras.

A nossa visão ocidentalizada do mundo precisa ser revista, e com alguma urgência. Se queremos preservar alguns de nossos melhores valores, temos de compreender as novas realidades e saber interagir com elas.

O Oriente está voltando a ser o centro do mundo e isso só não vê quem não quer. Além da China, há o Japão - que se encontra provisoriamente quieto -, a Indonésia, a Malásia, o Camboja, o Vietnã, a Coreia do Sul e muitos outros países. São todos civilizações milenares e estão todos com fome de crescer.

Marco Polo viu tudo isso. E muito antes de nós.

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