terça-feira, maio 08, 2012

A eleição de Hollande traz novos ares para a Europa - GILLES LAPOUGE


O ESTADÃO - 08/05/12


Nicolas Sarkozy derrotado. François Hollande será o presidente pelos próximos cinco anos. Os socialistas retornam ao centro do jogo. O último e único presidente socialista desde 1958 foi François Mitterrand, em 1981, que governou até 1995. Em seguida, houve Jacques Chirac e, então, Sarkozy, de direita.

Para os socialistas, a vitória pareceu o reencontro com sua própria história. Domingo, eles relembraram aquela noite de 1981 em que Mitterrand comemorou o triunfo diante de uma multidão enlouquecida na Praça da Bastilha.

Nessa mesma praça, depois da vitória, Hollande foi ao encontro do povo. O mimetismo foi impressionante. Não só porque Hollande parece uma "cria" de Mitterrand - a ponto de copiar a maneira de falar de Mitterrand -, mas o próprio céu resolveu colaborar. Se, para Hollande, a noite da vitória estava carregada de nuvens negras, na da vitória de Mitterrand caiu um dilúvio.

Com uma diferença: em 1981, os partidários de Mitterrand gritavam em meio ao vendaval: "Mitterrand, o sol!" Este ano, ninguém no meio da multidão da Bastilha teve a ideia maluca de gritar: "Hollande, o sol!" E por várias razões. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o novo presidente, com sua aparência de tabelião do interior ou de caixa de banco, não é um sujeito capaz de chamar de volta o sol que já se foi. Além disso, ele chega ao posto num momento dramático da história da França e da Europa.

Quando um novo presidente assume o poder, instaura-se aquele "estado de graça". Por algumas semanas, a paisagem parece sorrir. Para Hollande, porém, não haverá "estado de graça". Ele recebe um país deteriorado e em frangalhos, com uma economia em desordem, uma alta taxa de desemprego, déficits comerciais cada vez maiores e um endividamento vertiginoso.

Qual o motivo de tamanha catástrofe? Em parte, por causa da gestão caótica de Sarkozy, mas também por causa da crise e da deterioração da Europa toda, particularmente dos países que compõem a zona do euro: Grécia, Itália, Espanha, Irlanda e até a Holanda.

As primeiras semanas de Hollande serão, portanto, inteiramente dedicadas a tapar os buracos por onde o barco faz água. Como lançar novos programas quando todos os fundamentos da economia estão ameaçados? Por outro lado, ao mesmo tempo, Hollande será obrigado a compartilhar cada uma das suas iniciativas com seus parceiros europeus, os da União Europeia, do euro e do Ocidente atlântico.

Ocorre que ele não é visto com bons olhos pelos vizinhos. A Europa é governada, na maior parte, por conservadores: Grã-Bretanha, Alemanha, Itália, Espanha. Na Grécia, até agora, dominava a direita, mas as eleições de domingo deixam prever um período conturbado.

A Europa era favorável a Sarkozy. Não gostava de Hollande. A ideia de ter um socialista em um dos dois países mais importantes da Europa era rejeitada pela maioria. A alemã Angela Merkel não só não quis receber o "candidato" Hollande como tomou partido de Sarkozy. O britânico David Cameron tampouco quis recebê-lo. Nos EUA, Barack Obama fez o mesmo. Washington mandou dizer que se ele fosse para lá, não poderia se encontrar com o presidente. Hollande não foi.

Nesse ponto é fácil perceber a incompetência dos grandes governantes. Ou talvez de seus embaixadores. Há três meses, o mundo via que, embora Hollande não estivesse com a vitória garantida, tinha boas chances. Os diplomatas, porém, comportaram-se como cegos e surdos, burros como portas. Ou limitaram-se a dizer a Merkel e a Cameron o que Merkel e Cameron queriam ouvir.

Por isso, na noite da vitória, esse pequeno mundo sofreu uma formidável virada. Merkel telefonou a Hollande para chamá-lo a Berlim. Obama também o convidou para participar da reunião do G-8 em Washington e se encontrará com ele no dia 19 em Camp David.

Novas ideias. Bastaram alguns segundos, na noite de 6 de maio, para que Hollande deixasse de ser uma "nulidade" e se tornasse uma pessoa frequentável e até mesmo notável. Nota zero para Merkel, Cameron e Obama. Há semanas, Hollande dizia em seus discursos que a gestão da Europa pela dupla Merkel-Sarkozy não era bem-sucedida. Os dois gurus da UE e do euro haviam optado por ministrar ao Velho Continente um remédio cavalar, programas de austeridade desumanos, capazes de curar a Grécia e a Espanha, mas até a morte.

Hollande sempre foi contra essa política de austeridade extrema. Ele defende que, quando o rigor é inevitável, deve estar acompanhado por medidas aptas a relançar a produção dos países em dificuldade. Ninguém o levou a sério. Cameron virava o rosto. Merkel dava de ombros e telefonava para Sarkozy.

No entanto, há alguns dias, e principalmente depois que Hollande ganhou no primeiro turno, as capitais europeias, pressionadas pela revolta brutal dos cidadãos na Grécia, na Itália, na Espanha e até mesmo na Inglaterra, questionam se, no fundo, Hollande não seria menos idiota do que parece.

Desde a noite de domingo, os governos de direita, que estão no poder na Espanha e na Itália, não param de pensar nas ideias de Hollande. A própria Angela Merkel, guardião da ortodoxia econômica, o rigor em pessoa, de repente, considerou que não seria tão incoerente dar um empurrão nos seus planos de rigor com iniciativas em favor do crescimento.

Agora, François Hollande, tão desacreditado por todos, está prestes a constituir uma espécie de alternativa ao poder dominante de Merkel. Evidentemente, ela ficará com o mínimo. Por exemplo, Hollande pretende uma revisão do pacto orçamentário assinado em março pelos membros da União Europeia, a pedido de Merkel e de Sarkozy.

Evidentemente, Merkel não aceitará nenhuma revisão. Quando muito, aceitará acrescentar ao tratado drástico o que ela chama de um "pacto de crescimento", mas nada muito expressivo. A diferença é que Hollande, na visão de um keynesiano, gostaria de voltar a fazer funcionar o motor gasto da Europa revigorando a oferta.

Ele sonha com uma espécie de New Deal europeu, nos mesmos moldes do grande programa de criação de infraestruturas elaborado por Franklin Roosevelt, que tirou os Estados Unidos da crise dos anos 30, modelo que Merkel, até agora, sempre recusou.

Será que Hollande conseguirá impor suas ideias numa Europa paralisada por dois anos de operações de salvamento inúteis e desastrosas para a Grécia? Nada garante uma política de "relançamento" em um continente em recessão (exceto na Alemanha).

Deve-se esperar, pelo menos, o surgimento de um novo pensamento político-econômico, de um pensamento diferente do de madame Merkel. Alguma coisa que permita rearrumar o terreno do jogo e substituir o "pensamento único" imposto por ela e por Sarkozy. Um pensamento diferente, colorido, contraditório, diversificado, certamente mais criativo, mais perigoso e mas mais fecundo. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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