sábado, maio 12, 2012

De proteus e de metamorfoses - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SP - 12/05


O ser humano continua o mesmo de sempre na essência de seus defeitos e de suas qualidades



COMEÇO CONTANDO que o título estranho se liga a homens e mulheres idosos que insistem em dizer, em face das muitas notícias atuais de crimes e de desrespeito pelas leis, que no tempo deles não era assim.

Voltando os olhos para o presente, ouvi de uma senhora tão idosa quanto culta, referindo-se a um senador muito em voga na atualidade, que este é o tempo dos proteus e das metamorfoses, diferentemente do de sua mocidade distante.

Por pura sorte, eu sabia que os proteus são homens (ou mulheres) que mudam facilmente de condutas e de opiniões, assumindo posição de figuras contraditórias quando isso lhes convém. Passam por rápidas metamorfoses de caráter, ora agressivos com os pecadores, ora malandros em seus próprios negócios. Delicadamente, ousei discordar dela, dizendo que o ser humano, na essência de suas qualidades e de seus defeitos, é sempre o mesmo e que hoje a grande mudança está na possibilidade interminável da notícia instantânea sobre tudo o que acontece ou se imagina que tenha acontecido. Logo mudei de assunto. Ela se mostrou intransigente.

A lei dá o parâmetro de conduta mínima nas relações entre as pessoas. As variáveis de comportamento legal são amplas. Desdobram-se em novas espécies confusas, o que explica a piora no comportamento de muitas pessoas. A diferença está na intensidade e na rapidez da divulgação dos defeitos, às vezes levando a graves injustiças, mas também ajudando a desmascarar os proteus e as proteias da hora.

Dou um exemplo: com a internet (que já se pode escrever com minúsculas), as fotos de uma senhora despida, tiradas, segundo se diz, por seu marido, foram espalhadas na rede eletrônica. É mais um caso mostrando que, hoje, o ser humano tem dificuldade em preservar seu direito de ser deixado só, de resguardar sua intimidade, longe dos meios de comunicação. Isso, porém, não é novidade. Catão, nascido uns 200 anos antes de Cristo, fez, no Senado romano, vigorosa campanha pela preservação dos valores morais e pela destruição de Cartago. Foi diferente do senador brasileiro, pois de Catão não há notícia de golpe por trás do pano.

Nem tudo são flores entre os antigos. Catarina, a Grande, da Rússia, não escapou da fama de impudica há pouco mais de dois séculos, apesar da extraordinária capacidade político-administrativa.

Também o presidente Thomas Jefferson, dos Estados Unidos, não se livrou das referências a filhos seus com mais de uma escrava, há menos de 200 anos.

Recordo Galileo Galilei, que há uns 600 anos acabou negando sua convicção científica de que a Terra girava ao redor do Sol. Assim se livrou de eventual condenação criminal nos tribunais da Inquisição.

Nisso tudo, como fica o Direito? Em primeiro lugar, cumpre voltar a Galileo: na essência do ser humano, nada há de novo sob o sol. A facilidade do acesso à informação, nesta fase intermediária em que nos encontramos, não consolidou a definição plena das novas realidades.

O Direito, apesar das mudanças, ainda observa e impõe verdades universais, como a de que a luta pela vida é infinita. O ser humano, porém, continua o mesmo de sempre na essência de seus defeitos e de suas qualidades.

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