quarta-feira, maio 23, 2012

Capacidade de crescer por demanda é mesmo menor? - MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE


O ESTADÃO - 23/05

Nossa "ciência lúgubre" vive de profecias pessimistas e, infelizmente, muitas vezes de consensos pré-formatados. O bordão da vez é que a capacidade de o Brasil crescer pelo lado da demanda se esgotou, que o modelo de crescer pela via da expansão do crédito e do consumo já não consegue gerar os mesmos resultados de outrora. A razão, dizem, é que as famílias já estão muito endividadas e que sua renda está muito comprometida. Além do mais, prosseguem, não se compram automóveis, geladeiras, fogões a toda hora. Há dois problemas fundamentais com esse raciocínio. Primeiramente, o adjetivo "muito" para qualificar o endividamento das famílias brasileiras e o comprometimento da renda. Em segundo lugar, o fato de ser estático, enquanto a economia é um sistema dinâmico.

Não que a premissa em que se baseia, isto é, de que o modelo de crescimento movido apenas pelo consumo num país com o estágio de desenvolvimento do nosso é insustentável, seja irrealista. O destaque fica com o "estágio de desenvolvimento" - afinal, um modelo baseado no consumo é exatamente o que a China vêm tentando fazer. Ninguém discorda de que o Brasil precisa investir mais, caminhar na contramão da China, consumindo menos e aumentando a capacidade produtiva para sustentar taxas de crescimento mais elevadas no médio prazo. Mas isso é uma posição normativa, uma afirmação sobre como as coisas deveriam ser.

Já o argumento sobre o suposto esgotamento da demanda é de natureza positiva, isto é, pressupõe a capacidade de observar e mensurar o que se afirma. Obviamente, é possível medir tanto o endividamento das famílias quanto o comprometimento da renda. Em termos do PIB, a dívida do consumidor, hoje, equivale a pouco mais de 20%.

Já o comprometimento da renda "saltou", em 2011, de uns 20% para 22%. Esses são mesmo limites ao crescimento pelo lado do consumo? Segundo um estudo recente do BIS, baseado numa amostra de 18 países da OCDE, a dívida das famílias só passa a ser um gargalo para o crescimento quando supera 85% do PIB. Quando atinge esse patamar, parte considerável da renda passa a ser destinada ao pagamento das dívidas, reduzindo o consumo. Por essa métrica, o Brasil está longe de engasgar com dívidas das famílias.

Quanto ao comprometimento da renda, é verdade que os níveis brasileiros são muito altos. No auge do endividamento das famílias americanas em 2007, o comprometimento da renda nos EUA alcançou 15%, nada comparável aos nossos 22%. Contudo, parte da razão para a fatia da renda que se destina às dívidas são os elevadíssimos juros brasileiros. Com a perspectiva de que caiam para patamares mais "normais", é razoável esperar uma reversão desse indicador que tanto assusta. Adicionalmente, o prazo médio do endividamento das famílias brasileiras é muito menor do que nos países maduros. Isso significa que dívidas contraídas são amortizadas mais rápido, contribuindo para sustentar o consumo.

Nada disso significa que devamos ser complacentes com o consumo turbinado por crédito farto e barato. Mas daí a dizer que o modelo está esgotado, é preciso um salto quântico, ou um ato de fé, ou muita ingenuidade.

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