domingo, abril 08, 2012

Além da Rio+20 - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 08/04/12


Uma reunião em Recife nesta semana dará início aos preparativos para o Rio Clima - The Rio Climate Challenge (RCC) -, o grande evento paralelo da Rio+20 sobre clima, iniciativa das subcomissões Rio+20 do Congresso.

Grupos facilitadores, não oficiais, provenientes de países grandes emissores e de alguns países de grande vulnerabilidade, estarão reunidos paralelamente à Rio+20, em junho, para simular e modelar um esforço comum mais ambicioso, visando a um compromisso internacional sobre clima capaz de atender à demanda da ciência face ao aquecimento global.

Na definição do deputado federal Alfredo Sirkis, presidente da subcomissão Rio+20, da Comissão de Relações Exteriores e Defesa, será uma espécie de "jogo de paz" com a simulação de uma negociação entre os principais países emissores, alguns dos mais vulneráveis (menos de 20 ao todo), com a participação de atores supranacionais: agências multilaterais, ONGs, multinacionais, capital financeiro, movimento sindical.

O objetivo é chegar a um shelf agreement (acordo simbólico preparatório) em torno do limite de 450 ppm para manter o aquecimento médio do planeta neste século em 2 graus, seguindo o IPCC, simulando "um cenário factível de mitigação, adaptação e financiamento que mobilize a sociedade, influencie governos e facilite futuros avanços tanto no processo da ONU como em ações nacionais ou de grupos de países".

Serão convidados facilitadores dos seguintes países ou grupos: Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China); União Europeia (Alemanha, França, Reino Unido e UE); Umbrella Group (EUA, Canadá, Austrália, Japão, Indonésia e Rússia); Liga Árabe + Golfo (Arábia Saudita e Qatar); e Aosis (Granada, Tuvalu, Maldivas).

Os grupos de contato dos diferentes países terão três componentes básicos: político, científico e econômico.

Os organizadores pretendem que a formação dessas equipes facilitadoras misture influência política e expertise em modelagem de emissão/mitigação/adaptação e financiamento, temas que serão tópicos principais da simulação de negociações e da métrica.

Um dos principais pontos será a proposta de nova métrica unificada para metas de vários países. Atualmente, utilizam-se vários "anos-base" (1990, 1995, 2000 etc.), ou a intensidade de carbono por ponto percentual do PIB, dificultando a comparação dos esforços de diversos países.

As delegações serão comandadas por estadistas veteranos ou políticos influentes, diplomatas e quadros técnicos para explorar cenários de metas mais ambiciosas para além do Anexo I de Kyoto e dos NAMAS de Copenhagen/Cancún.

Segundo Sirkis, os quatro ex-presidentes brasileiros serão convidados para participarem do encontro em momentos diferentes.

Essas "delegações" poderão manter contato e entendimentos com seus respectivos governos e, na medida do possível, incluir quadros suscetíveis de jogar um papel futuro nas tomadas de posição nacionais relativas às mudanças climáticas.

Mas não devem representar apenas a visão oficial, para que os trabalhos do Rio Clima não reproduzam os eventuais impasses que possam surgir na negociação oficial.

Ao contrário, a ideia é que, livres das amarras oficiais, as "delegações" ofereçam soluções mais amplas que possam servir de pressão para os governos.

Por isso, os organizadores sugerem que, "no componente científico, a prioridade deve ser dada a cientistas, acadêmicos e técnicos de governo que trabalhem com cenários capazes de fornecer aos governos leques de opções. No componente econômico, é recomendável incluir quadros gestores de governos, bancos oficiais e multilaterais e da iniciativa privada".

Além dos grupos de contato por países, haverá um supranacional com a participação de organizações multilaterais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, de setores da economia global - setor financeiro, petróleo, carvão, automobilístico, agrobusiness etc. - e de ONGs de atuação internacional.

O evento paralelo à Rio+20 terá uma abertura com show acústico, em recinto fechado, de grandes artistas internacionais, como Andy Summers, do Police, que vai cantar com Gilberto Gil e outros artistas. Terá também a presença de personalidades de primeira linha, como Maurice Strong, que presidiu a Rio 92, e Yvo de Boer, ex-secretário-executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

A ideia, lembra Sirkis, teve por base o famoso Protocolo de Genebra, detalhado acordo de paz Israel-Palestina negociado por duas equipes altamente profissionais lideradas pelo ex-ministro da Justiça de Israel Yossi Beilin e pelo ex-ministro da Cultura da OLP Yasser Abed Rabbo.

Embora esse acordo permaneça na prateleira (shelf) à espera de melhores circunstâncias políticas, o processo de negociação continua inspirando movimentos mundo afora.

Os dois principais negociadores do Protocolo de Genebra participarão das reuniões tanto de Recife quanto do Rio. A presença deles gera uma pauta paralela interessante, na opinião de Sirkis, "num momento em que só se fala de guerra com o Irã e a questão palestina foi mandada às calendas gregas".

Está sendo organizada uma audiência conjunta das comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado com Yossi e Yasser, dedicada à Iniciativa de Genebra, na quinta-feira, dia 12, às 14h, no Senado.

O projeto é transformar o Rio Clima (RCC na sigla em inglês) num think tank permanente do processo de negociação do clima, tanto no da ONU quanto em outros bilaterais ou multilaterais.

Segundo Sirkis, um shelf agreement sobre clima vai ser no futuro um instrumento de mobilização da opinião pública internacional ("Sim, é possível") e pressão/apoio sobre os governos tanto no processo da ONU quanto em outros formatos que a negociação do tema venha assumir (G20, "grandes economias", acordos bilaterais etc.).

Para Sirkis, o Rio Clima fará com que o Rio de Janeiro se mantenha como cidade de referência internacional nas questões ambientais globais, posição conquistada na Rio 92 quando foi assinada a Convenção do Clima.

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