terça-feira, março 27, 2012

Dilma entre boas intenções e a realidade - EDITORIAL O GLOBO


O GLOBO - 27/03/12
A entrevista da presidente Dilma Rousseff à revista "Veja" foi concedida depois de alguns dias de grande tensão na área política. A afronta que lhe foi feita por Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado, ao se omitir na rejeição da indicação dela de recondução do diretor-geral da ANTT, agência de transportes terrestres, foi um evidente gesto de rebeldia, e que teve resposta adequada: Jucá caiu do posto de líder, substituído por Eduardo Braga (PMDB-AM). A presidente aproveitou e ainda substituiu Cândido Vacarrezza por Arlindo Chinaglia, dois petistas, na liderança do governo na Câmara.

Mas a troca do Senado é que tem relação com um grande contencioso entre a presidente Dilma e a chamada base aliada, com tendência a crescer, caso ela, como afirma na entrevista, cumpra a promessa de rejeitar negociações pela cartilha da baixa política, impregnada de fisiologismo. Literalmente: "Não gosto desse negócio de toma lá dá cá. Não gosto e não vou deixar isso acontecer no meu governo."

Podem ainda persistir dúvidas. Afinal, nomear o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) para o desnecessário Ministério da Pesca, apenas usado para atender a interesses políticos menores, aponta em direção contrária. O engenheiro Crivella assumiu o posto não pelos conhecimentos sobre a piscosidade da costa brasileira, mas para o seu partido ajudar o petista Fernando Haddad nas eleições paulistanas, ao não lançar candidato próprio, o deputado Celso Russomano.

Mas temos, agora, um compromisso formal da presidente de renegar o fisiologismo, algo que ficara subentendido em alguns momentos da série de trocas de ministros ocorridas no primeiro ano de governo. Foi assim, por exemplo, na resistência a devolver a pasta dos Transportes ao esquema do PRB de ordenha de dinheiro público, e na substituição de Orlando Silva por Aldo Rebelo, os dois do PCdoB, no Ministério do Esporte.

A entrevista ocorreu quinta-feira, depois da reunião da presidente com quase três dezenas dos maiores empresários brasileiros. Ela declarou concordar que os impostos são elevados e não deixou de também assumir compromissos: "Temos de baixar nossa carga de impostos. E vamos baixá-la." Dilma demonstrou ter consciência que os investimentos privados não deslancham sem melhorar o ambiente de negócios: ou seja, menos impostos e burocracia, entre outros avanços.

Mesmo o programa de substituição de importações na área de petróleo, de inspiração geiseliana, não é intocável, no entender da presidente. Se o mínimo de 65% de nacionalização dos equipamentos exigido no programa do pré-sal começar a prejudicar a produção de petróleo - o que há grande chance de acontecer -, a regra será rompida. Outra opinião sensata da presidente. E para ser coerente, afastou a possibilidade de, numa ação defensiva em função da crise mundial, erguer elevadas barreiras protecionistas e fechar o país. Lembrou o erro que foi a malfadada reserva de mercado para computadores. Sem dúvida.

O conjunto de boas intenções listadas pela presidente na entrevista, nos campos político e econômico, produziria um bom governo. O problema é colocá-las em prática com a base parlamentar com que conta e as resistências à modernização da economia existentes no PT e aliados. Mas Dilma precisa tentar.

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