segunda-feira, fevereiro 20, 2012

Barra do Furado - GEORGE VIDOR

O GLOBO - 20/02/12


O Açu é a grande estrela dos projetos em andamento no Norte Fluminense, pois é um ambicioso empreendimento do grupo de Eike Batista. Mas, entre o Açu e Macaé, começa a sair do papel também um novo polo naval e industrial de apoio à produção de petróleo no mar, o de Barra do Furado, bem na divisa dos municípios de Quissamã e Campos. Só a BR Offshore pretende investir lá R$ 450 milhões.

Barra do Furado Os estaleiros Eisa e STX têm áreas reservadas às margens dos dois lados do Canal das Flechas, aberto na década de 1940, para ligar a Lagoa Feia ao oceano, passando pela Barra do Furado.

Ambos estaleiros estão tocando outros projetos (um em Alagoas e o segundo em Suape, Pernambuco), mas têm reiterado o interesse em se instalar no novo polo naval, assim como o consórcio Alupar, que se propõe a estocar ali petróleo e derivados. E a razão é que Barra do Furado está 50 quilômetros mais próxima dos principais blocos de produção de petróleo na Bacia de Campos em comparação a Macaé, por exemplo, que hoje serve de principal base de apoio às plataformas.

A pequena e histórica Quissamã, com seus 20 mil habitantes, 734 quilômetros quadrados de território e distante do Rio a pouco mais de quatro horas de carro, identificou na Barra do Furado, desde 2006, uma ótima oportunidade para atrair fornecedores de equipamentos e prestadores de serviços, e espera repetir lá a bem-sucedida experiência do polo empresarial de Rio das Ostras (outro município vizinho a Macaé).

Quissamã já foi totalmente dependente da cana-de-açúcar.

A prefeitura investiu na recuperação das sedes de fazendas dos séculos XVIII e XIX, e uma delas, a Machadinha, com um conjunto restaurado de antigas senzalas, ainda abriga uma comunidade de descendentes de escravos. Por isso, é o único município onde é possível se assistir ao fado, um baile que foi típico do Estado do Rio, no passado.

A última usina de açúcar fechou anos atrás, mas a produção de cana não desapareceu em Quissamã. O prefeito atual, Armando Carneiro, e o irmão Haroldo (secretário de Desenvolvimento do município),agrônomos, são de uma família que produz cana-de-açúcar na região desde os tempos do bisavô. Enquanto Haroldo enveredou, em seus negócios pessoais, para o lado da fabricação de cachaças finas e açúcar mascavo, Armando optou pela pecuária leiteira, pois em Quissamã funciona uma unidade da cooperativa de Macuco, cujos produtos estão cada vez mais presentes nos supermercados cariocas e fluminenses.

Essa tradição agropecuária felizmente não se perdeu e é bem possível que Quissamã venha a ter uma destilaria autônoma com capacidade para processar 1,5 milhão de toneladas de cana e produzir 120 mil litros de Etanol por ano. Vantagens fiscais e proximidade de centros consumidores permitem que o Etanol da região possa ser vendido a um preço 10% a 20% acima do que é oferecido pelas usinas de São Paulo ou Minas, compensando, em parte, a baixa produtividade na produção de cana-de-açúcar (pouco mais da metade da atingida por Ribeirão Preto e seu entorno) no Norte Fluminense. A própria prefeitura obteve licença ambiental prévia para a destilaria, e há um candidato (Canabrava, que já tem uma usina em Campos) a operá-la.

Quissamã usou a receita de royalties do petróleo para criar uma infraestrutura que conseguiu atrair 17 pequenas e médias agroindústrias, instaladas na ZEN 1, perto da rodovia BR 101 (Rio-Campos-Vitória). A ZEN 1 é vizinha ao leito de uma ferrovia que tem tudo para ser reativada (aliás, a estação histórica de Quissamã, chamada Conde de Araruama em homenagem a José Carneiro da Silva, está sendo restaurada). Queijos, leite, geleia de mocotó e açúcar mascavo (que é até exportado) saem dali.

O polo de empresas voltadas ao petróleo ficará na ZEN 4, a três quilômetros de Barra do Furado. Antes mesmo de as empresas chegarem, o município se preocupou com a formação de mão de obra, e com ajuda federal conquistou uma escola técnica e se prepara para receber um laboratório de hotelaria. Quem reside em Quissamã e faz faculdade, em Campos ou Macaé, tem o transporte diário custeado pelos cofres municipais.

O projeto da Barra do Furado só se viabilizou depois de se encontrar uma solução para evitar o assoreamento da entrada do Canal das Flechas. Na primeiro tentativa, uma praia de Quissamã chegou a desaparecer, e o mole de pedras, do lado de Campos, sofreu forte erosão. Pela nova solução, inspirada na Austrália, um sistema de bombeamento reproduz a ação da natureza e evita o assoreamento.

A primeira estaca do píer que sustentará esse sistema foi cravada na última quarta-feira. A União, o governo estadual e os municípios de Campos e Quissamã estão bancando o investimento, de R$ 175 milhões.

Quissamã tem 100% dos seus esgotos coletados em área urbana, tratados até o estágio terciário, sem deixar resíduos. Cerca de 65% do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, aberto à visitação mediante prévio agendamento, ficam no município. O parque é cortado pelo canal Macaé- Campos, o segundo maior do mundo criado artificialmente (no caso, construído por braços escravos, no século XIX).

O principal investidor na Barra do Furado por enquanto será a BR Offshore, pertencente a um fundo de investimento que tem entre seus organizadores os exministros Alcides Tápias e Henrique Meirelles. O estaleiro de reparos navais terá um guincho capaz de retirar da água um navio de apoio a plataformas. O número dessas embarcações que navegam pela bacia de Campos deverá dobrar em dez anos.

Livre do assoreamento pelo sistema sand by pass, de origem australiana, o Canal das Flechas ficará com um diâmetro de 150 metros e sete metros de profundidade.

Embarcações pesqueiras também lá poderão se abrigar.

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