sexta-feira, fevereiro 10, 2012

Alívio e tensão - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 10/02/12


A sensação de alívio com o acordo na Grécia não deve durar muito. Depois da comemoração, virão todas as dúvidas. As que explodem hoje nas ruas, com a greve geral de 48 horas convocada pelos sindicatos, e as que estão na cabeça das autoridades: os 40 bilhões de dívida grega que estão no balanço do Banco Central Europeu devem ser jogados a prejuízo?

No caso da Grécia, há uma lista grande de perguntas e dilemas que vão neutralizar os festejos pelo acordo. Não que ele não tenha sido importante, mas deve ser posto em perspectiva. O que ocorreu foi que a troica - Comissão Europeia, FMI e Banco Central Europeu - recebeu a aprovação para o documento de 50 páginas, com exigências de cortes, que havia apresentado aos políticos gregos. No texto, havia uma coleção de amarguras: corte de salário mínimo, demissão de funcionários públicos, corte nas pensões e aposentadorias, redução de investimentos em defesa, contenção de gastos sociais. Nenhum político gosta disso, por isso houve reação de forças da direita e da esquerda. As longas e tensas reuniões que atravessaram dias e noites esta semana acabaram com o primeiro ministro tecnocrata recebendo o apoio dos políticos tradicionais. Não é pouca coisa, mas não é a solução final dos tormentos que assombram a Europa.

Com o acordo fechado, a Grécia cortará 3,3 bilhões este ano e vai continuar sendo financiada para pagar sua dívida. Isso significa que os títulos no valor de 14 bilhões que vencem em março serão pagos. O que o país evitou ontem, portanto, foi a moratória desordenada, que teria consequências temidas, uma delas a de contágio de outros países.

Há também uma outra frente de negociação, a que é feita com os bancos privados. Eles estão concordando com um desconto de 50% no valor do principal do dinheiro que emprestaram para a Grécia, nos bons tempos. Isso significa também um calote, mas que acontecerá de forma negociada. Vai manchar os balanços dos bancos de vermelho e vai também aumentar o volume de uma pergunta que não quer calar: o que vai acontecer com o balanço do banco que carrega a maior parte da dívida grega, em carteira, que é o Banco Central Europeu?

O BCE socorre os bancos em dificuldade, com medidas como a anunciada no começo do ano pelo presidente Mario Draghi - oferta de liquidez ilimitada a juros de 1% por três anos. A dúvida é: ele perderá parte de sua capacidade de emprestar? Ontem, havia dúvidas sobre se o BCE vai mesmo aceitar as perdas.

Uma boa notícia é que, nas últimas duas semanas, esse financiamento aos bancos reduziu indiretamente o custo de captação dos governos europeus. Os juros cobrados pelo mercado para rolar as dívidas do governo português caíram, estancando parte do contágio. A mesma coisa aconteceu com Espanha, Irlanda e Itália.

- O que está mais claro é que o Banco Central Europeu está mobilizado a dar liquidez aos bancos. Então está, indiretamente, financiando os países. Os bancos pegam crédito a juros zero e compram títulos de governos que estão com alta rentabilidade - disse o economista Antenor Gomes Fernandes, da STK Capital.

Preocupado com a liquidez do sistema financeiro, o BCE anunciou esta semana mais facilidades para os bancos apresentarem ativos como colateral, que são títulos usados como garantia ao dinheiro que os bancos pegam. A medida favoreceu principalmente as pequenas instituições, que têm mais dificuldade de ir a mercado se financiar num ambiente cercado de incertezas.

A expectativa pelo acordo dos líderes gregos fez as bolsas da Europa subirem depois de quatro dias no vermelho, mas em Portugal, houve queda. O euro atingiu a maior cotação em relação ao dólar em dois meses. Mas é preciso separar o que é euforia de um dia e qual é a visão do mercado sobre o problema grego. Alguns investidores estão céticos, porque a Grécia não conseguiu cumprir o que prometeu das outras vezes. Uma etapa é se chegar a um acordo entre líderes. Outra, mais complexa, é de fato implementar os cortes e enfrentar a pressão das ruas. Os dois maiores sindicatos gregos convocaram para hoje uma greve geral de 48 horas. Mas os protestos, na verdade, não param.

Os cortes também podem aprofundar ainda mais a recessão no país e esvaziar as já magras contas do governo grego. Em janeiro, as receitas públicas caíram 7% e a expectativa era por um crescimento de 9%, disse o Bank of America. Demitir funcionários públicos significa também estrangular ainda mais o mercado de trabalho. O desemprego na Grécia subiu a 20,9%, mas esse é um dado de novembro, que só ontem foi divulgado pelo governo. A taxa só é menor do que a da Espanha. Dos 11 milhões de habitantes gregos, 1 milhão está desempregado. Cerca de um quarto das mulheres está fora do mercado de trabalho e a situação é ainda mais dramática entre os jovens: quase a metade dos que têm menos de 25 anos está sem emprego.

O ano ainda será de volatilidade não só por causa da Grécia, mas pela pesada agenda de vencimentos de dívidas da Zona do Euro. Somente a Itália tem 342 bilhões em dívida para rolar este ano. A Espanha, 151 bilhões.

A estratégia das autoridades europeias para evitar, ou pelo menos adiar, o cenário mais assustador está dando resultados. O risco de um efeito em dominó ficou menor nas últimas duas semanas. Mas a estrada é longa. O acordo com a Grécia significará que um enorme volume de dinheiro será emprestado de novo ao país. O Fundo de Estabilidade Financeira e o BCE não têm recursos para os próximos caídos. A torcida é para que ninguém mais caia.

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