domingo, janeiro 01, 2012

No intervalo - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 01/01/12
Hoje é domingo, primeiro dia do ano, e por dever de ofício tem que haver aqui uma coluna de previsões, mas sinceramente acho que estamos vivendo tempos imprevisíveis. Ademais, se o texto for sobre as sombras que rondam a Europa, a paralisia decisória do ano eleitoral dos Estados Unidos, quem lerá? Hoje, primeiro dia do ano de 2012, domingo, as pessoas talvez prefiram o descanso.

Melhor seria fazer uma coluna sobre coisa alguma, como se fosse um parênteses, em que as leitoras e os leitores pudessem apenas descansar da sucessão de eventos deste tempo das conexões globais, um silêncio para acolher quem está preferindo uma pausa depois de tanta informação.

Tempos de mídia digital ajudam o jornalista a ouvir quem nos ouve, ler quem nos lê. Isso ensina que estão todos sabendo daquilo que antes ocupavam facilmente os espaços em branco nesta época do ano. O mundo hoje é bem informado, mesmo as pessoas que não se dedicam ao nervoso mercado da informação buscam notícias incessantemente nos seus sites preferidos, nos dados que cruzam, nas dúvidas que alimentam, nas escolhas que fazem.

Por isso é ocioso dizer coisas como: neste ano, ou a Europa encontra uma solução para seu problema monetário ou a crise se agravará, e em qualquer cenário o continente não ajudará o crescimento mundial, pelo contrário, estará em longa hibernação.

A Europa, como todos sabem a esta altura, está num beco sem saída no qual entrou ao iniciar um projeto monetário por razões políticas sem ter pensado no cenário de desequilíbrio econômico. Reunir países diferentes, com níveis diversos de responsabilidade fiscal e de desenvolvimento, e amarrá-los todos na mesma moeda pode ser muito bom ou muito ruim. E a Europa experimentou os dois lados dessa moeda. Foi bom quando deu tudo certo, e os países foram financiados a um custo baixo; ficou ruim quando os problemas apareceram e não há a taxa de câmbio para absorver os choques. Aprendemos no Brasil, nas nossas muitas crises, que países altamente endividados tem como ponto de partida a desvalorização do câmbio para começar a se reorganizar.

Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha não têm como fazer isso. E até a Itália deve estar com saudades da sua desvalorizada lira. Sair de um projeto de moeda comum é muito mais difícil do que entrar. Os reflexos são desconhecidos. Frisada nesse dilema, a Europa entra em 2012. Mas isso você sabe.

Também não desconhece as dúvidas sobre os Estados Unidos. O sonho do "Sim, nós podemos" se desfez na dificuldade de Barack Obama de dissolver o caroço deixado pela quebra do Lehman Brothers e a explosão da bolha imobiliária. A sociedade americana voltou aos extremos no debate político. O Partido Republicano reapresentou ideias com data de validade vencida. O Partido Democrata abandonou sua vocação de renovação. E assim os Estados Unidos entram no ano eleitoral de 2012. Como vocês sabem, juntar um ambiente político desses e uma crise que exige decisões rápidas e ousadas não faz bem à maior economia do mundo.

A China continua a ser o que é: uma incógnita. Se seu motor engasgar o mundo inteiro enfrentará solavancos. Mas quem pode dizer exatamente o que se passa na China do silêncio imposto aos dissidentes, dos controles autoritários sobre tudo? Não se compra pelo valor de face números da economia chinesa, nem as notícias da agência oficial. O centro da dúvida da economia atual é que o país que mais cresce tem um sistema político opaco. Com o muito que não se sabe sobre a China quem pode fazer previsão? Há quem diga que a bolha imobiliária que explodiu em outras economias sobrevoa aquele imenso país.

O Brasil continuará aqui nas suas diversas travessias em 2012 e disso também sabemos todos. O ano é eleitoral e por isso será mais difícil aprovar mudanças relevantes. O país faz a colheita dos acertos passados e por isso se sente próspero, mas está plantando pouco futuro.

Não ocuparei seu tempo dizendo que precisamos de um sistema político mais protegido contra as fraudes que sangram os cofres públicos, de uma educação que alimente o salto que o Brasil quer dar, e de mudanças no ambiente de negócios que incentivem a produtividade e inovação no competitivo mundo atual. Nossa agenda é conhecida e a cada fim de ano sonhamos que no ano seguinte ela andará.

É o primeiro dia do ano e calhou de ser domingo, primeiro dia da semana. Por isso melhor não ficar pensando em cada incerteza da economia global. Melhor é curtir os amigos, amar a família, ler um bom livro, recuperar-se da comemoração da noite, esperar o novo com otimismo. E fazer novos propósitos porque é boa a sensação de recomeço. Quem não está de plantão nos serviços que não param pode ficar no ócio nesse intervalo entre o tumultuado ano que acabou e o que começará de fato amanhã quando for o primeiro dia útil. Porque hoje é domingo e primeiro dia do ano vamos visitar a preguiça sem culpa. E em sossego estaremos recarregando as baterias para as inevitáveis batalhas do ano.

Hoje, apenas descanse. Tudo o que tiver que ser feito esperará o dia de amanhã.

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