domingo, janeiro 22, 2012

HIPPIE DE APLIQUE - MÔNICA BERGAM0

FOLHA DE SP - 22/01/12



Cabeleira anos 60 dos personagens do musical 'Hair' é resultado de perucas e muito mega-hair

Não é muito fácil ser hippie de musical em 2012. Ainda mais perto do Carnaval. Não por causa da procura por adereços, mas sim porque falta cabelo.

"Não achávamos fios naturais crespos para comprar para as atrizes negras. As passistas das escolas de samba já tinham reservado os estoques de quase todas as lojas de cabelo do Rio e de SP", diz Mel Mesquita, gerente de produção da Aventura, realizadora da versão brasileira de "Hair" [cabelo, em inglês].

Às vésperas da estreia, no dia 13, no Teatro Frei Caneca, ela teve que implorar para que uma vendedora conseguisse a cabeleira. "Expliquei a situação e ela 'roubou' o cabelo que estava reservado para uma passista lá do Rio. Pagamos R$ 2.000 por 600 gramas de fios", diz à repórter Lígia Mesquita.

O mais de meio quilo de cabelo se transformou em dois mega-hairs que foram trançados ao couro cabeludo das atrizes Juliana Peppi, 28, e Jennifer Nascimento, 18, num processo que levou 12 horas para ficar pronto.

Entre os 30 atores do espetáculo dirigido por Charles Möeller e Claudio Botelho, só 11 exibem longas madeixas naturais. Outros 11 colocaram mega-hair, um usa aplique e sete, perucas.

Todos os atores que alongaram as madeixas contam que sofreram e que o processo foi dolorido. Kiara Sasso, 32, uma das protagonistas, diz que "queria morrer" na primeira semana com o mega-hair. "Não dava pra dormir, doía a cabeça." Ela lembra que certa vez passou por uma turbulência em um voo e só pensava: "Não quero morrer com esse tanto de cola na minha cabeça".

O ator com ascendência japonesa Bruno Kimura, 30, de mega-hair, entra na sala onde fica a cabeleireira do espetáculo. Abre uma gaveta e coloca dentro algumas mechas de cabelo. "Todo dia a gente perde alguns fios. Aí guardamos aqui. No fim do mês, separamos qual mecha é de quem e vamos ao salão para colar de novo", diz. Ele conta que o visual cabeludo provoca curiosidade nas pessoas. "Hoje, ninguém pensa: 'Ah, esse cara é hippie'. Dizem: 'Será que ele é algum lutador? Será que faz show como travesti?'."

Reynaldo Machado, 21, cabeça raspada, se acomoda em uma cadeira para colocar a peruca estilo "black power". É a única que não leva fios verdadeiros. "Meu cabelo cresce pouco e, quando cresce, dói. Cabelo duro, sabe como é que é." O ator diz que a peruca é um fetiche para as mulheres. "Elas me acham mais gostoso."

Se na cabeça o negócio é ter uma juba, no corpo os atores quase não têm pelos -bem diferente da estética hippie dos anos 60, em que mulheres deixavam as axilas e as virilhas cabeludas. Na famosa cena em que o elenco aparece nu no palco, nota-se a depilação em dia até em alguns homens.

O protagonista Hugo Bonemer, 24, primo de William Bonner, raspa o peito. "Meu personagem tem 18 anos e é polaco. Mas eu não quero falar disso [depilação]." Segundo ele, "na tribo do nosso musical tem pessoas que fazem referências reais aos hippies de 68. Mas também tem gente que malha, que se depila. O público paga caro para assistir e espera uma qualidade estética".

"Muita gente questiona: 'Ah, mas eu vi uma hippie depilada!'. Meu amor, se fosse realmente seguir o fundamento hippie, não teria luz no palco, não teria figurino, afinação. Isso aqui é um musical que fala dos hippies. Ninguém aqui é hippie", afirma Reynaldo Machado. "Se é pra ser do jeito real, sem se depilar, a gente deveria estar nu, dançar na rua, se abraçar fedido. O ingresso custa caro [a partir de R$ 130]."

Kiara Sasso diz que não gostaria e nem poderia deixar o corpo peludo. "Fiz depilação a laser [ou definitiva]." E questiona: "No teatro é melhor ter alguém que cante bem ou que não fez depilação definitiva?".

Para a atriz Carolina Puntel, 31, que tem os cabelos longos ruivos naturais, deixar ou não os pelos no corpo é "o de menos" em "Hair". "O importante dessa peça é a mensagem de amor e de paz."

"Se fosse realmente seguir o fundamento hippie, não teria luz, não teria figurino. Isso aqui é um musical que fala dos hippies. Ninguém aqui é hippie"
REYNALDO MACHADO

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