quinta-feira, janeiro 05, 2012

Dilma e as "heranças malditas" - EDITORIAL O GLOBO


O GLOBO - 05/01/12

As causas de muitos desastres ditos naturais, em que inundações e desmoronamentos deixam um rastro de destruição e mortes a cada temporada de chuvas, estão numa longa história de imprevidências. Entre as principais, incúria administrativa e populismo de políticos despreocupados com a favelização e ocupação desordenada de áreas de risco.

A descoberta do mau uso de verbas do Ministério de Integração Nacional, de Fernando Bezerra, do PSB de Pernambuco, acrescenta mais um elo nessa cadeia de explicações: o clientelismo na devolução à sociedade de parte do enorme volume de recursos extraídos do contribuinte por meio de escorchante carga tributária. Pois, embora o ano passado, o primeiro de Dilma Rousseff no Planalto, tenha começado com a catástrofe ocorrida na Serra Fluminense, onde, entre Friburgo, Petrópolis e Teresópolis, mais de 900 pessoas morreram, o estado que mais recebeu recursos do Programa de Prevenção e Preparação para Desastres do ministério foi o da base eleitoral do ministro - Pernambuco, com R$34,2 milhões, 22% do total dos recursos liberados (R$155,6 milhões).

O Rio de Janeiro liderou a lista dos gastos em reconstrução (R$297,9 milhões, ou 29,5% do total de R$1,06 bilhão), mas não faz sentido que uma região atingida por uma catástrofe como aquela não precise de obras de prevenção. Aliás, como tem sido mostrado com a devida insistência pela imprensa, faltam também obras de reconstrução.

No terceiro dia do ano já eclode a primeira crise de 2012 no ministério de Dilma. Terça, a presidente resgatou a chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, da folga de fim de ano e a despachou para o Planalto, enquanto a chuva já castigava, com os dramáticos resultados de sempre, Minas e Rio de Janeiro. Teria sido decretada intervenção da Casa Civil no ministério de Fernando Bezerra, negada ontem por Gleisi.

Dilma exige o mínimo: parâmetros técnicos na liberação dos recursos. Em defesa do correligionário, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, afirmou que Bezerra concentrou o dinheiro no estado por sugestão da presidente, diante das chuvas ocorridas em 2010 na Zona da Mata. Algo a esclarecer. Em entrevista coletiva, Bezerra lembrou o fato e ainda argumentou que Pernambuco não pode ser discriminado por ser o estado do ministro. Por suposto. Mas tem sido costume subordinar o orçamento do ministério à bússola político-eleitoral do ministro do momento. Bezerra seguiu o modelo de Geddel Vieira (PMDB), dono do ministério no final do governo Lula. Geddel despejou o grosso do dinheiro do programa contra acidentes na Bahia, onde disputa votos. Na essência, repete-se na Integração Nacional a distorção verificada no Ministério da Agricultura de Wagner Rossi (PMDB), no Turismo de Pedro Novais (PMDB), no Transporte de Alfredo Nascimento (PR), Esporte de Orlando Silva (PCdoB) e Trabalho de Lupi (PDT). Corrupção à parte - pelo menos por enquanto -, Bezerra seguiu o figurino patrimonialista de usar o dinheiro público com fins privados: adubar o terreno em que pretende colher votos no futuro. Terá de ser mais convincente nas explicações.

O caso parece ser mais uma herança maldita que Dilma recebe do modelo fisiológico de montagem de governo pelo lulopetismo. Há fortes evidências de que o ministério foi "doado" ao PSB de Bezerra, como tantos a outros aliados. O problema é que surgem na cena, de maneira visível, destruição e morte.

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